Ricardo Salles deixa meio ambiente, mas política ambiental não deve mudar

Ricardo Salles é alvo de uma investigação do Supremo Tribunal Federal/Fotos Públicas
Ricardo Salles é alvo de uma investigação do Supremo Tribunal Federal/Fotos Públicas
Novo ministro tem perfil alinhado a setor ruralista e segue práticas defendidas de Bolsonaro, avaliam especialistas.
Fecha de publicación: 23/06/2021

Oficialmente o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu demissão do cargo nesta quarta-feira (23). A exoneração foi assinada pelo presidente Jair Bolsonaro e publicada em edição extra do Diário Oficial da União. No lugar de Salles, o presidente nomeou Joaquim Álvaro Pereira Leite, considerado uma espécie de número dois do ministério, que até então ocupava o cargo de secretário da Amazônia e Serviços Ambientais.

De forma extraoficial, de acordo com especialistas consultados por LexLatin, o agora ex-ministro foi demitido. O motivo foi a pressão internacional por uma política ambiental esperada pelo Brasil de combate ao desmatamento e proteção aos povos da floresta e recursos naturais. Essa é uma exigência do governo de Joe Biden, nos Estados Unidos, e de toda a União Europeia, que formalizou um acordo de livre comércio com o Mercosul e tem na questão ambiental com o Brasil um dos principais entraves para a formalização da parceria.


Quer saber mais? Brasil terá que explicar sua política ambiental na Cúpula do Clima


“O pedido de demissão ao presidente foi uma questão proforma, um entendimento de que não havia condições políticas. Não era de hoje essa pressão. Sabemos que a questão ambiental é um dos nós do governo Bolsonaro e, a partir da eleição do Biden nos Estados Unidos, a pressão aumentou. Salles era a última frente de resistência do governo nesse sentido”, avalia o cientista político André Pereira César.

“O ex-ministro é ideologicamente muito ligado a esse bolsolavismo, essa visão de mundo bolsonarista e olavista, e isso sempre foi algo que agradou demais Bolsonaro. Um ministro que já estava na corda bamba há um tempo e investigado pelo STF talvez tenha sido jogado aos leões para que o governo tivesse uma respirada em outros assuntos”, afirma Rodrigo Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Ricardo Salles ocupava o cargo desde o início do mandato de Bolsonaro em 2019. À frente do ministério, ele é acusado de uma série de ações exatamente contra o meio ambiente. Viralizou nas redes sociais o vídeo da reunião ministerial, em abril de 2020, em que ele diz que o momento era de "ir passando a boiada" e mudar a legislação relacionada à proteção ambiental no país, já que a atenção de todos e da imprensa estava voltada à cobertura da pandemia.

O ex-ministro também é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). No mês passado, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, Salles foi alvo de mandados de busca e apreensão e teve seus sigilos bancário e fiscal quebrados no âmbito da Operação Akuanduba, deflagrada pela Polícia Federal (PF) por um suposto esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais, entre eles uma investigação sobre uma das maiores apreensões de madeira que se tem notícia.

Durante a investigação, a Polícia Federal afirmou ter "fortes indícios" de que Salles teria participado de esquema de contrabando ilegal de madeira. O STF apura crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando praticados por agentes públicos e empresários.

Ao longo de sua gestão, também aconteceram atritos com servidores,  denúncias de paralisação de multas ambientais e desmantelamento do aparato de fiscalização dos órgãos de defesa do meio ambiente no país.


Leia também: Como o Brasil deixou de ser referência em matéria ambiental no mundo


“Falo sem medo de errar: Ricardo Salles foi o pior ministro do Meio Ambiente da história do Brasil. Não tenho notícia de outro tão ruim ao redor do mundo. Na verdade, ele foi um antiministro que esteve empenhado durante todo o tempo em destruir a legislação e os regulamentos de proteção ao meio ambiente construídos com muito esforço ao longo dos últimos 40 anos”, avalia Maria Tereza Jorge Pádua , ex-presidente do Ibama e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e da Comissão Mundial de Áreas Protegidas (UICN).

“O período em que Salles esteve à frente da pasta foi muito triste e nocivo para a nossa história. Observamos um crescimento do desmatamento, das queimadas e de todo o tipo de desrespeito ao meio ambiente em biomas sensíveis como a Amazônia e o Pantanal, e um ataque às unidades de conservação”, diz Maria Tereza.

Ana Maria Nusdeo, professora da área de direito ambiental da Faculdade de Direito da USP, também avalia a gestão de Salles como algo sem precedentes no ministério. “Dava a impressão que não era prioridade do ministro avançar a pauta do meio ambiente. Nos perguntávamos se o interesse não era exatamente o contrário: o de reduzir a pauta ambiental”, diz

“A pressão pela saída dele rola desde o aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia e do tratamento dado a funcionários dos órgãos de meio ambiente, com demissões e mudança de cargos”, afirma Rodrigo Prando.

O cientista político André César defende que a política que estava em prática tinha o aval do presidente. "Mas ameaças começaram a se concretizar de não investimento no país, de não consumir mais produtos brasileiros e de cancelamentos de contratos. Só que houve um momento para fazer isso, que foi justamente o escândalo da compra da Covaxin  - com a possibilidade de um escândalo de corrupção no governo. Nesse momento em que todo mundo começa a falar nisso foi feita a demissão do ministro. E isso vira todo o foco para a saída de Salles. É um modus operandi desse governo, não é a primeira vez que Bolsonaro faz isso. Mas esgota-se isso e a crise na saúde e da Covaxin vão continuar na pauta”, analisa.

Perfil do novo ministro

Joaquim Álvaro Pereira Leite trabalha no ministério desde julho de 2019 e tem um perfil notadamente alinhado aos interesses dos ruralistas. Antes de virar servidor público, ele foi conselheiro da Sociedade Rural Brasileira e ocupou cargos em empresas dos setores farmoquímico e indústria do café. Ele é formado em administração e empresas pela Universidade de Marília e é mestre pelo Instituto de Ensino e Pesquisa, o Insper.

Na avaliação dos especialistas, ele pode ocupar o cargo até que seja acertado outro nome para a posição. Mas pouca coisa deve mudar na política ambiental com a troca.  “Não podemos esperar que vá haver grandes mudanças, porque o novo ministro é muito ligado ao interesse da Sociedade Rural Brasileira”, explica Ana Maria Nusdeo.

“Esta ligação com os ruralistas indica que ele será observado muito de perto, especialmente pela imprensa. Ele terá que mostrar ações concretas. O currículo e a trajetória falam muito. Se ele seguir as mesmas teses de Bolsonaro e Salles vai ter dificuldades”, avalia Prando.

“A política ambiental se tornou uma das frentes desse governo na defesa da posição ideológica: pode desmatar e pode fazer ataque à política indigenista para atender aos grupos que dão suporte ao governo. Para sentar nessa cadeira de ministro tem que ter uma política parecida com Salles, para que o governo mantenha o discurso junto aos seus eleitores. A troca é de seis por meia dúzia”, diz André César.

“Esperamos que o novo ministro possa ouvir quem entende do assunto, os cientistas e técnicos da área, que seja honesto e que cumpra a lei. Temos uma legislação muito bem feita, que já prevê a proteção ao meio ambiente, que precisa ser cumprida. Temos um longo caminho para recuperar todo o mal que esse ministro causou em apenas dois anos em meio. Mas tenho esperança que vamos retomar um bom caminho no futuro”, afirma Maria Tereza Jorge Pádua.


Veja mais: Há a necessidade de simplificar a legislação brasileira “passando a boiada”?

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.