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Por 9 a 1, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram nesta quarta-feira (11) que não há direito ao esquecimento na área cível no país. O assunto terá impacto em outras esferas da Justiça, porque trata do uso de imagem de pessoas, principalmente em situações de grande repercussão. O caso não tinha previsão legal na legislação brasileira e poderia impedir, por exemplo, a liberdade de expressão, algo que está na Constituição.
Os nove ministros que votaram contra seguiram o relator do processo, Dias Toffoli. Para ele, o direito ao esquecimento impede a divulgação de fatos ou dados verídicos. Em seu voto, Toffoli destacou que a mudança da norma poderia anular a liberdade de expressão.
A ministra Cármen Lúcia fez um voto contra quase poético e negou a existência do direito ao esquecimento como categoria jurídica, afirmando que entendimento contrário configura um desaforo jurídico. Para ela, há o direito de lembrar para refazer a história, porque há a prevalência do interesse público. “Não se pode fazer sombra onde deve se jogar luz”, disse.
O único a votar a favor foi o ministro Edson Fachin, que reconheceu o direito ao esquecimento, mas entendeu que a questão deve ser analisada em cada processo que for julgado. Luís Roberto Barroso não votou porque se declarou impedido.
“É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como um poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais”, afirma a tese aprovada em plenário.
“Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”, ratifica outro trecho.
Para os especialistas da área, a decisão é importante porque reafirma a garantia democrática. “Reforçou-se o prestígio à liberdade de expressão, de imprensa e ao direito de informar e de ser informado, o que condiz com o acesso integral e livre à informação como um dos pilares da democracia. Mas abusos nessa divulgação podem, no entanto, ser objeto de análise e responsabilização individual”, afirmou Bruna Borghi Tomé, sócia das áreas de contencioso e tecnologia do TozziniFreire Advogados.
O professor de direito da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e diretor do ITS Rio, Carlos Affonso Souza, defende que a tese aprovada no plenário do STF reforça a trajetória da Corte em proteger a liberdade de expressão, somando às decisões de casos como o das biografias não-autorizadas.
"O voto do ministro Tóffoli é enfático ao afirmar que não é compatível com a Constituição um direito ao esquecimento que pretenda editar o passado e promover a censura. O voto da ministra Cármem Lucia reforçou que o Brasil vive um momento em que as pessoas querem e precisam lembrar do passado para que elas possam ter ferramentas para entender o presente".
"Por ora, a aprovação da tese em repercussão geral produz o efeito de cortar a ampliação do conceito que estava em curso nos tribunais dos estados, favorecendo a liberdade de expressão e reconduzindo casos à análise devida da privacidade, da imagem e da honra ao invés de se trabalhar com um conceito tão subjetivo (uma verdadeira “fantasia empática”, como disse o Ministro Nunes Marques) como o chamado direito ao esquecimento", avaliou.
Lembre o caso que motivou a ação
Aída Curi foi brutalmente assassinada no Rio de Janeiro em julho 1958. A jovem, uma filha de imigrantes sírios, foi violentada por dois homens em um prédio no bairro de Copacabana, com o auxílio do porteiro daquele prédio. Ao tentar simular o suicídio de Aida, os homens jogaram o corpo da moça do 12º andar do prédio.
Enquanto o porteiro jamais foi encontrado para o julgamento, um dos homens responsáveis pelo crime foi condenado a pouco menos de nove anos de prisão, sendo inocentado do homicídio. O outro, menor de idade, ficou recolhido até os 18 anos, quando foi direto para o serviço militar.
O Recurso Extraordinário movido pelos parentes de Aída Curi é contra a TV Globo, que veiculou em 2004 um episódio no programa "Linha Direta", reencenando o caso ocorrido 46 anos antes. A discussão, em um primeiro momento, não se tratava especificamente do direito ao esquecimento – mas sim de uso da imagem para fins comerciais.
"Não bastasse a ilicitude em si dos atos desautorizados, por conta da exploração econômica do nome, da vida e da imagem de Aída Curi, a ré auferiu verbas publicitárias, vendeu produtos e o próprio programa a terceiros ainda indetermináveis (quiçá fora também do território nacional)", escreveram os autores da petição inicial, ainda em 2004.
Foi apenas quando o caso chegou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) que a discussão recebeu os contornos atuais sobre o direito ao esquecimento. No REsp (Recurso Especial) 1.335.153, o ministro Luís Felipe Salomão concluiu que o núcleo do programa foi mesmo o crime em si, e não a vítima ou sua imagem.
"O caso, a imagem da vítima não constituiu um chamariz de audiência, mostrando-se improvável que uma única fotografia ocasionasse um decréscimo ou acréscimo na receptividade da reconstituição pelo público expectador (sic)", escreveu o ministro.
Ao abrir o tema para discussão em audiência pública em junho de 2017, o ministro-relator do caso, Dias Toffoli, convidou também as empresas de tecnologia para o debate – o que trouxe a sinalização de que a tese a ser fixada no caso valerá também para o ambiente virtual.
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