STF inicia análise de inquérito das fake news

Em 15 meses, as ações tomadas pelo tribunal ganharam o noticiário/Rosinei Coutinho/STF
Em 15 meses, as ações tomadas pelo tribunal ganharam o noticiário/Rosinei Coutinho/STF
Investigação onde Supremo coleta e julga provas é considerada politicamente relevante e atinge simpatizantes do governo.
Fecha de publicación: 10/06/2020
Etiquetas: stf

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, nesta quarta-feira (10), a análise da investigação conhecida como "inquérito das fake news". A corte começou a debater se a Ação de Descumprimento Fundamental (ADPF) 572, movida pelo partido Rede Sustentabilidade, fere a Constituição.

A ADPF remonta ao inquérito 4781, aberto em 14 de março pelo presidente da Corte, Dias Toffoli e que de fato analisa as fake news. O presidente ordenou o inquérito de ofício e indicou Alexandre de Moraes como o relator – o praxe do tribunal é a escolha por sorteio. O inquérito busca "apurar a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus calumniandi, diffamandi e injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros e familiares."

Em 15 meses, as ações tomadas pelo tribunal ganharam o noticiário: a primeira ação mais ruidosa ocorreu quando Moraes ordenou a retirada de uma matéria da revista eletrônica "Crusoé" do ar – que vinculava Dias Toffoli a um esquema de corrupção da construtora Odebrecht (a medida foi revogada quatro dias depois). 

Há duas semanas, Moraes determinou a busca e apreensão de computadores e documentos em endereços de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, acusados de financiar e impulsionar mensagens falsas contra ministros da corte. A coleta de provas contra bolsonaristas tornou o caso politicamente relevante: no dia seguinte à operação, o próprio presidente demonstrou insatisfação ao dizer que atos como aquele não ocorreriam mais (Bolsonaro não explicou como isso ocorreria.)

A ação foi proposta nove dias após a decisão de Dias Toffoli. Na peça inicial, a Rede questionou a validade jurídica da investigação policial promovida pela corte. "A utilização do poder de polícia do STF para investigar eventuais delitos praticados fora da sede ou dependência do STF é totalmente ilegal e inconstitucional - por violar o sistema acusatório,", afirmou a Rede em sua petição. O autor sustenta que o presidente do STF só poderia instaurar inquérito se ocorresse uma infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal – e não em ambiente virtual.

O início do julgamento

As cinco sustentações orais apontaram falhas nos procedimentos adotados pelo STF, tais como a censura à liberdade de imprensa e expressão, assim como o fato de que, sem um escopo claro, o processo não teria final definido. "Estamos diante de um inquérito ad eternum, sem prazo estabelecido", apontou o secretário jurídico do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Luiz Gustavo Pereira da Cunha. O representante do colégio de presidentes do Iasp, Felipe Martins Pinto, disse que "é uma oportunidade na qual este egrégio STF, na história da jovem democracia brasileira, demonstrou não ter vocação para mutações que limitem ou restrinjam direitos".

O Advogado-Geral da União se manifestou pela regularidade da portaria. "Não se pode recusar à Suprema Corte de nosso país os meios necessários para o próprio resguardo institucional. E isso independente de outro poder constitucional", afirmou o ministro José Levi. Seu posicionamento, porém, veio com uma série de orientações, tais como não criminalizar a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa, inclusive e especialmente na internet, e que "na dúvida, entre liberdade e uma alegada fake news, assegurar a liberdade de expressão."

O procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que a investigação deve ocorrer, mas que o sistema acusatório é absolutamente necessário para que o julgador não seja o acusador."Nós concordamos com o inquérito, pois queremos ter o direito de participar dele e de nos manifestar sobre atos e diligências previamente", afirmou Aras. Para o PGR, o Ministério Público deve opinar em questões como medidas invasivas, tais como ordens de busca e apreensão. A antecessora no cargo, Raquel Dodge, já havia pedido a nulidade do inquérito.

Em um voto que excedeu as duas horas de leitura, o ministro Edson Fachin votou pela legalidade do inquérito, desde que este seguisse regras específicas: que fosse acompanhado pelo Ministério Público, e que se limitasse à "manifestações que denotam risco efetivo ao poder Judiciário, atentando contra poderes constituídos, à democracia e ao Estado Democrático de Direito". O ministro também considerou que se excluísse do escopo matérias jornalísticas e postagens anônimas ou não em redes sociais, exceto as que tivessem ligação direta com o esquema criminoso.

Fachin também fez uma dura crítica a alguns críticos da Corte, que pedem o fechamento do Congresso Nacional e do STF, e vinculados a movimentos bolsonaristas. "São inadmissíveis, no Estado de Direito democrático, a defesa da ditadura, a defesa do fechamento do Congresso Nacional e do STF", afirmou Fachin. "Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos."

Antes do julgamento ser suspenso, o relator do inquérito se manifestou."A média de vistas em manifestação nestes inquéritos é de uma em cada 90 dias", afirmou Alexandre de Moraes, que enumerou as vistas cedidas à Procuradoria-Geral e advogados. "O Ministério Público teve acesso integral. Em um primeiro momento, o próprio Ministério Público não quis [acesso], e, em um segundo momento, com o doutor Augusto Aras, passou a participar"

Para o advogado Almino Afonso Fernandes, sócio do Almino Afonso & Lisboa Advogados Associados, não há nulidade no inquérito. "Mas, ainda que houvesse, apenas a Procuradoria-Geral da República estaria legitimada para proceder tal arguição", argumentou, "já que na hipótese do inquérito, a titularidade da ação penal é exclusiva do Ministério Público Federal, não comportando, no caso, intervenção de terceiros.”

O sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, André Damiani, também aponta que não há obstáculos para as provas coletadas na fase investigativa e que elas poderão, sim, ser utilizadas contra. “O inquérito policial constitui procedimento administrativo de caráter informativo e inquisitório, bem por isso, regra geral, não há vício insanável: todo e qualquer vício verificado na fase investigativa não contamina a ação penal, nem se transmite automaticamente à fase judicial.”

Bruno Di Marino, sócio do Basílio Advogados, reconhece que se trata de um tema delicado, que foge à normalidade forense, assumindo contornos de ineditismo e excepcionalidade. "Isso já na origem, com o STF, que é órgão julgador, a convolar-se em órgão investigador, para além do MPF, e tudo isso a partir de uma norma regimental - como se regimento interno, ainda que lei fosse, ou força de lei detivesse, pudesse colocar-se acima da Constituição Federal e do lugar que esta reserva ao STF", explicou.

"Não deixa de causar estranheza o fato de que o mesmo órgão investigador será aquele que, num Estado Democrático de Direito, julgará esse inquérito por ele mesmo instaurado de ofício."

O sócio do Boaventura Turbay Advogados, Thiago Turbay, considerou correto o julgamento do relator. "Todavia, em respeito ao sistema acusatório e o controle de arbítrios, cabe ao STF requerer manifestação e, após, enviar a conclusão das investigações ao PGR, para que decida sobre a apresentação de denúncia ou não", disse.

Turbay também defendeu que ministros como Alexandre de Moraes não analisem a questão: "ainda naquelas ações penais que eventualmente correrão no STF, o ministro que teve contato com as provas colhidas no inquérito deverá ser impedido de julgar."

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