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Em um julgamento cheio de recados e com fortes mensagens dos ministros, a 2ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou, nesta terça-feira (9), que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha acesso a mensagens apreendidas pela Polícia Federal na Operação Spoofing, realizada em 2019. Os conteúdos teriam sido hackeados dos telefones de procuradores da Lava Jato e indicariam uma série de condutas irregulares por parte da força-tarefa do Paraná e do então juiz federal Sergio Moro.
O julgamento desta terça-feira, o primeiro do ano de 2021 na Corte a tratar de Lava Jato, pode indicar uma possível ação dos ministros contra as ações tomadas pelo Ministério Público Federal. O Supremo se encaminha para tomar uma decisão neste primeiro semestre envolvendo a condenação de Lula por parte da operação, o que pode ter desdobramentos políticos.
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A Reclamação nº 43.007 foi o único caso debatido pela 2ª Turma na sessão desta terça-feira. O colegiado, de cinco ministros, deveria analisar uma decisão monocrática do relator, ministro Ricardo Lewandowski que autorizou a defesa a se valer das mensagens. O hackeamento das contas de Telegram de membros da força-tarefa da Lava Jato foi revelado pelo portal The Intercept Brasil em 2019 – e uma perícia da Polícia Federal apontou que os arquivos eram mesmo originais.
Neles, estaria revelado uma proximidade indevida entre acusadores – a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba – e o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro. Em centenas de reportagens, algumas tão recentes quanto esta semana, veículos de imprensa exploraram o teor das mensagens, que apontavam interesses fora do devido processo legal de ambas as partes em promover a prisão de Lula.
A defesa dos procuradores da Lava Jato recorreu pela impossibilidade do acesso. "O que se pede aqui é o não uso de um material que é uma prova ilícita", disse o patrono dos procuradores, Marcelo Knopfelmacher. "Como advogado, defenderia que em situações excepcionais que a prova ilícita pode ser utilizada. Mas não é apenas isso que se trata esse caso". O argumento é que o material encontrado não integra a consumação do delito.
O criminalista Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente, afirmou que os procuradores ocultaram fatos da defesa por mais de três anos. "Não estamos tratando de conversas pessoais, de conversas familiares ou entre amigos, mas sim de conversa entre agentes públicos, que ocorreram em telefones funcionais e que dizem respeito a processos que tramitam na Justiça brasileira, inclusive nesse STF", disse o criminalista em sua sustentação.
O voto do relator, Ricardo Lewandowski, não conheceu do pedido dos procuradores e manteve o acesso às informações, considerando "extremamente grave" algumas das mensagens já juntadas pela defesa do ex-presidente aos autos. Os ministros Nunes Marques, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes acompanharam o relator, enquanto Edson Fachin, relator da Lava Jato na corte, foi voto vencido.
Presidente do colegiado, Gilmar Mendes leu diversos trechos das mensagens descobertas na Operação Spoofing, que revelariam proximidade entre o procurador Deltan Dallagnol e Sergio Moro. A conclusão do ministro foi a de que, caso comprovada a veracidade das mensagens, ficaria patente a violação do devido processo legal. "Agora já não é mais o julgamento de um caso", afirmou, "ou seremos julgados pela história. Nós montamos um modelo totalitário."
"Não vejo ilegalidade nesse acesso às mensagens", disse David Metzker, sócio da Metzker Advocacia. "Importante destacar que o Supremo Tribunal Federal não está, no presente caso, discutindo sobre a legalidade das mensagens, ou fazendo juízo de valor sobre as mensagens. A decisão dá acesso às mensagens existentes no processo que tem relação ao acordo de leniência". O criminalista concorda com a tese de que, por mais que sejam conversas informais, o paciente deve sim ter acesso a sua totalidade.
Foi o mesmo entendimento do sócio do Boaventura Turbay Advogados, João Paulo Boaventura. "É importante que se diga que as disposições legais que tratam das limitações probatórias são dirigidas aos órgãos de persecução penal", afirmou "como forma de garantir a liberdade individual contra interferências ilegítimas do Poder Público."
O julgamento aponta para um constrangimento público dos protagonistas da Lava Jato, frente à descoberta de que poderiam ter armado o jogo de acusação e julgamento contra um réu. A indicação de que mesmos ministros antes alinhados à Lava Jato, como Cármen Lúcia, foram contrários aos pedidos dos procuradores, pode indicar como a Corte deve se comportar em um dos caso mais importante sobre o tema: está previsto, no primeiro semestre, o julgamento sobre a suspeição de Sergio Moro quando da condenação de Lula no caso do tríplex do Guarujá.
Caso a corte declare Moro suspeito, pode se ter um efeito dominó de anulações que poderão desfazer parte do legado da Lava Jato.
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