Como as stock options estão sendo usadas para remunerar empregados

Carf abriu caminho, na última semana, para permitir que benefício não fosse tributado/ Luis Villa del Campo via Flickr
Carf abriu caminho, na última semana, para permitir que benefício não fosse tributado/ Luis Villa del Campo via Flickr
Funcionários que recebem ações da empresa como um incentivo viram alvo da Receita Federal e de decisões do Carf.
Fecha de publicación: 17/11/2021
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Há alguns anos, o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) já trata a possibilidade de que colaboradores de uma empresa recebam ações da companhia como um incentivo - que deve ser tributado como um rendimento qualquer. Apesar dos reveses, essa estratégia tem se tornado cada vez mais comum nos últimos anos: antes restrita a diretores de grandes corporações e talentos que as empresas buscavam reter com medo de perder para a concorrência, a estratégia agora é usada por companhias de diversos setores, de tecnologia a jornalismo, e startups já tratam do tema como uma possibilidade de fidelização.

Na última semana, o Carf abriu uma brecha nesta interpretação ao permitir, em uma decisão apertada, que um executivo não tivesse tributado pelo IRPF (Imposto de Renda Pessoa Física) as ações recebidas quando entrou na empresa há dez anos. A decisão reverte quase meia centena de decisões desfavoráveis sobre o tema no tribunal administrativo que julga casos da Receita e pode abrir uma nova corrente no Judiciário sobre o tema.


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O Carf tratou do tema na última sexta-feira (12), em um julgamento envolvendo o presidente do grupo Ultrapar, Marcos Marinho Lutz. O CEO da empresa, que inclui marcas como Ultragaz, Ultracargo e Ipiranga, teria sido remunerado por “opção de compra de ações” pela companhia, a valor de mercado. A Receita Federal indica que o valor destas stock options deveria integrar a base de cálculo do IRPF, enquanto a defesa enxerga que a cessão de ações não integrou os rendimentos do executivo, assemelhando-se a uma operação de bolsa normal.

“Ficou cabalmente demonstrada a questão da onerosidade na aquisição destas ações, preenchendo todos os outros requisitos quanto à questão das ações, por não entendê-la como de caráter remuneratório”, afirmou durante a sustentação oral o sócio do Mattos Filho, Roberto Quiroga. A defesa buscou indicar que a outorga destas ações não estaria vinculada a cláusulas de metas de desempenho ou produtividade - logo, não haveria caráter remuneratório no plano.

Outra questão que a defesa levantou é sobre a onerosidade. A ação custou ao CEO R$ 6 milhões, valor próximo do que as ações custariam se ele as comprasse na bolsa. O Carf, lembrou Quiroga, já analisou processos com o mesmo tema nos últimos anos, onde executivos de empresas teriam acesso à compra de ações por valores realmente menores que os praticados no mercado. 

A PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) defendeu a tese já sedimentada pelo poder público, em prol da tributação.”Opção de ação oferecida a executivos e empregados, no bojo de um plano de outorga, configura remuneração”, disse a procuradora da Fazenda Nacional Raquel Godoy, que buscou fazer uma distinção: “Stock options mercantis e employee stock options são instrumentos absolutamente distintos. As stock options de mercado serviram pura e simplesmente como inspiração econômica para essa modalidade de remuneração, mas nada além disso.”

A procuradoria se vale de entendimentos da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e da Comissão Europeia - que desde 2003 considera as ações como caráter remuneratórios. “As stock options são uma forma sofisticada de remunerar pessoas do alto escalão da empresa com a introdução de outros elementos - de fidelização, de motivação e de alinhamento de interesses. E por isso o risco é inerente”, avaliou Raquel, para quem a ação é uma parte “variável” do salário.

No caso, os conselheiros da turma não formaram maioria a respeito do voto do relator, Gregorio Rechmann Junior, contrário à tributação. Com o empate entre os três representantes da Fazenda Nacional e os três representantes dos contribuintes no julgamento, o resultado foi em favor do contribuinte, como passou a prever o artigo 28 da Lei nº 13.988/2020

“O programa constitui relação jurídica distinta da relação de emprego, cuja decisão depende da voluntariedade dos empregados interessados em assumir o risco do mercado financeiro, não se traduzindo em espécie de contraprestação laboral”, diz a tese defendida pelo conselheiro relator do caso.

Por que o sucesso?

O aumento do uso de stock options como forma de incentivo e parte da remuneração de colaboradores-chave dos negócios é inquestionável. Por que isso estaria ocorrendo?

A advogada Natália Brotto, que mestre em Direito dos Negócios pela Escola de Direito de São Paulo da FGV (Fundação Getúlio Vargas), traz três razões para este aumento: menor carga tributária sobre a remuneração via stock option, uma vez que não é vista pelo fisco como relação trabalhista, mas operação comercial; uso por startups que, sem os mesmos recursos que grandes players de mercado, passam a poder reter talentos com participação do próprio negócio; e a fidelização e motivação dos colaboradores chave com a oferta de uma 'fatia do bolo', isto é, a pessoa não trabalha mais somente pelo salário, mas pelo crescimento e ideais da organização.

“As stock options são uma das possíveis formas de fidelização de colaboradores chaves e, como tantos outros modelos de negócios e operações financeiras, estão em constante desenvolvimento”, disse Natália. Para ela, o crescimento no uso das stock options no Brasil também se dá para tentar fugir dos custos fiscais que, numa relação trabalhista, seriam superiores mesmo que o proveito econômico efetivo do colaborador fosse o mesmo.

“O saldo ainda é positivo para a sua utilização”, conclui. “A interpretação do Carf, de certa forma, era esperada e ainda, em contrapartida, ela beneficia esse tipo de operação por reduzir o risco de caracterização salarial dos valores da stock option.”

O tema ainda está tratado de maneira inicial na Justiça: um levantamento feito pelo escritório Mattos Filho e apresentado durante o julgamento indica que, em tribunais federais, há acórdãos nos tribunais da 2ª Região (no Rio de Janeiro e Espírito Santo), 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul) e 4ª Região (estados do Sul do Brasil). A primeira região teria decisões monocráticas e liminares, além de sentenças em Brasília e São Luís - a maioria, de acordo com o escritório. 

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já reconhece o caráter mercantil das stock options em todas as turmas. Apesar da vitória dos contribuintes neste caso, o Carf já definiu pelo caráter remuneratório em momentos anteriores, de acordo com a PGFN - 17 delas por decisão no voto de desempate, e outras 31 ações por maioria ou unanimidade. 


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A maioria, no entanto, foi tomada antes da nova decisão sobre o voto de qualidade, que deve equilibrar o jogo. O Itaú Unibanco perdeu processos entre 2017 e 2018, ano em que funcionários da BRF e Santander também tiveram suas cobranças mantidas. Em 2019, dois julgamentos cobraram a tributação de funcionários da Gerdau. No início de 2020 uma definição semelhante foi proferida a empregados da Lojas Renner.

“Nos últimos anos, o entendimento predominante tem sido no sentido de que as ações recebidas teriam caráter remuneratório. Contudo, com a nova sistemática de desempate em favor do contribuinte, há a expectativa de que as Turmas do Carf reanalisem a matéria e se aproximem do entendimento já consolidado no TST”, ressaltou a advogada do Schneider, Pugliese, Sztokfisz, Figueiredo e Carvalho advogados, Sara Oliveira. “Os planos de stock options possuem caráter puramente mercantil quando estão sujeitos a riscos e possibilidade de onerosidade e, portanto, não devem sofrer as consequências tributárias atinentes aos valores percebidos como remuneração.”

Processo citado na matéria:
10880.734908/2018-43

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