As oportunidades jurídicas do mercado de streaming brasileiro

O mercado jurídico ainda assiste a esse movimento, mas já começa a dar os primeiros passos rumo à formação de equipes especializadas/Pixabay
O mercado jurídico ainda assiste a esse movimento, mas já começa a dar os primeiros passos rumo à formação de equipes especializadas/Pixabay
Nova fronteira vem num momento em que o número de assinantes se multiplica com a chegada de outras plataformas.
Fecha de publicación: 28/03/2022

O mercado de streaming no Brasil tem ganhado, a cada dia, novos players. No início, lá em 2011, quando a Netflix chegou ao Brasil, a plataforma reinava sozinha nesse universo. Naquele momento, o grande desafio era atrair espectadores para uma nova forma de consumo de conteúdo. Com preço atrativo, a plataforma ganhou milhões de novos assinantes. Hoje, o Brasil é o segundo mercado mundial da plataforma com 19 milhões de assinantes. Isso é mais que todo o universo da TV fechada, a cabo, com 15 milhões de assinantes por aqui, segundo a Anatel.

Na esteira dessa onda e da mudança dos hábitos, os concorrentes viram o potencial do mercado nacional, que aos poucos foi ganhando concorrentes de peso, notadamente Globoplay, Disney +, HBO Max, Apple +, Amazon Prime Video, Star+, Starzplay e Paramount+.


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Tudo isso fez com que o público se acostumasse com uma nova rotina: do conforto de casa é possível ter acesso a uma série de conteúdos nacionais e mundiais, algo que se acentuou ainda mais nos dois primeiros anos de pandemia, quando salas de cinema deixaram de funcionar e outras opções de entretenimento foram reduzidas por conta da necessidade de isolamento social.

Esse fator acelerou a migração dos espectadores para esses serviços digitais. A mudança ficou evidente num estudo de uma empresa especializada na área, a Finder. De acordo com o levantamento, 64,58% dos brasileiros assinam algum tipo de streaming, contra 55% da média mundial.

Enquanto isso, o conteúdo nacional ganha mais algum espaço. A previsão da Netflix é patrocinar 40 produções exclusivas para a plataforma agora em 2022. Nesse quesito, o campeão ainda é a GloboPlay, do Grupo Globo, que aposta em produções locais direto para o streaming, como a série Desalma e a novela Verdades Secretas 2, além de todo um catálogo com centenas de telenovelas produzidas desde os anos 1970.

O mercado jurídico ainda assiste a esse movimento, mas já começa a dar os primeiros passos rumo à formação de equipes especializadas, algo que também tem relação com o mercado de propriedade intelectual. Mas quais são os ramos que podem se beneficiar dessa indústria em expansão? LexLatin conversou com especialistas da área de alguns dos principais escritórios brasileiros.

Para Lisa Worcman, sócia de direito do entretenimento do escritório Mattos Filho, o mercado de streaming foi protagonista da indústria do entretenimento ao longo da pandemia. “Sua relevância fez com que diversos conflitos fossem escancarados, gerando uma série de oportunidades jurídicas, como a necessidade de infraestrutura. A chegada do 5G, certamente, alterará a experiência do consumidor na área. Do ponto de vista jurídico, a nova tecnologia trará importantes discussões no âmbito regulatório de telecomunicações”, analisa.

A advogada explica que a regulação de streaming ganhou visibilidade ao longo de 2020, com manifestações da Ancine e da Anatel sobre a falta de intervenção na oferta de conteúdo audiovisual pela internet. “Ao concluírem que o streaming não está sujeito a mesma regulação de televisão por assinatura, prevista na lei do Serviço de Acesso Condicionado [conhecida como Lei do SeAC], fica aberta a oportunidade do setor ser regulado de forma independente”, afirma.

Raphael de Cunto, sócio de tecnologia e comunicações do Pinheiro Neto Advogados, acredita que no ramo do streaming alguma coisa sempre está prestes a acontecer. "Quando teve a Lei do SeAC, em 2011, movimentou muito todo o mercado, com as cotas de produção nacional. Todo mundo se adaptando às regras, players que tiveram que desinvestir, produtoras nacionais sendo fortalecidas, contratos de licenciamento, teve M&A, um monte de coisa. E a TV por assinatura subindo, estava bombando na época. Mas aí veio o streaming, Netflix, depois Apple, Prime, a coisa ficou diferente. A convergência não foi necessariamente boa para telecomunicação oferecer produtos audiovisuais", lembra. 

Por trás da questão regulatória, há também a questão tributária, destaca o advogado. "No fundo, é o seguinte: a tendência é alguma regulação para streaming e diminuir a regulação para o SeAC. Existe por trás disso toda uma questão tributária em que o pessoal do SeAC diz que existe uma assimetria entre o streaming e o serviço que é taxado como telecomunicação". 

Outra legislação que preocupa o mercado é a definição de como se dará a incidência do Condecine, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, sobre títulos distribuídos pela internet. “O setor teve um grande ganho em 2021, quando o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial sobre o dispositivo que deixava claro que o vídeo por demanda não está sujeito à Condecine fixa. Essa importante vitória legislativa ressaltou o afastamento de interpretação errônea da cobrança da Condecine sobre plataformas de entretenimento e permitirá o estabelecimento de uma tributação com um processo legislativo válido”, diz Lisa Worcman.


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Segundo os advogados especializados, a discussão sobre propriedade intelectual também é central. “O streaming surge historicamente como uma alternativa do próprio mercado de reação à pirataria. Temos um caso famoso, do Napster, lá atrás. Então, as plataformas de streaming em que você paga para a execução do conteúdo tentam limitar cópias clandestinas e isso é uma maneira técnica de evitar essas práticas. Mas a pirataria em si não deixou de ser uma preocupação”, avalia Maurício Tamer, da área de direito digital do Machado Meyer Advogados.

Há ainda o debate associado com a relação de consumo e classificação de faixa etária. “Tivemos uma discussão recente em relação ao filme de Danilo Gentili. É super importante para as plataformas ter uma segurança jurídica e muita clareza do que eles podem ou não. Tem, claro, uma perspectiva de proteção de dados pessoais - elas têm de seguir a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a LGPD, aqui no Brasil sobretudo”, diz.

Há ainda os impactos de ordem concorrencial. “Existe uma definição do mercado e de concorrência entre as próprias plataformas, além da questão de publicidade - entender o aproveitamento nessas plataformas”, analisa Tamer.

Para Paula Celano, sócia de propriedade intelectual, life sciences e entretenimento do BBL Advogados, o segmento de streaming abre oportunidades para profissionais qualificados que deverão atender eventuais desafios regulatórios, compreender os vazios normativos de legislações que não foram criadas neste tipo de tecnologia, além de assessorar toda a cadeia de produção e distribuição destes conteúdos, nas suas diversas fases.

“Com a expansão deste mercado, também há muita movimentação e espaço para operações de aquisição de conteúdo, parcerias, marketing, M&As e outros negócios que certamente precisarão de assessoria jurídica para se viabilizarem".

Mas para enfrentar esse novos desafios, as faculdades de Direito precisam entender a necessidade de estimular esse tipo de formação. “A Resolução n. 02/2021, do CNE/CES, incluiu a obrigatoriedade de todos os cursos de Direito abarcarem no currículo estudos referentes ao letramento digital e práticas remotas mediadas por tecnologias de informação e comunicação. Assim, não há como o profissional jurídico ou as faculdades ignorarem qualquer tipo de inovação tecnológica e é justamente aqui que entra o mercado de streaming”, afirma Bruno Guerra de Azevedo, coordenador da área de direito digital e LGPD do SGMP Advogados.

O advogado acredita que plataformas como a edX, Educa Mais Brasil, Udemy, Hotmart, Linkedin Learning, Escolas Conectadas, Coursera, dentre outras, ajudam a qualificar e podem ser uma ferramenta essencial na formação continuada dos juristas.


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Outra discussão jurídica tem relação com o volume de relações interpessoais desse mercado. “Eis que relações civis, trabalhistas, consumeristas e comerciais são construídas nesse nicho.  De outro lado, diversas lides passam a surgir com essa nova tecnologia como conflitos de direitos autorais, de origem tributária ou até mesmo derivados de ilicitudes, como o uso indevido de imagem ou o cometimento de crimes cibernéticos”, avalia o advogado.

São inúmeros os nichos desse mercado em expansão e muitas dessas aplicações ainda serão melhor conhecidas à medida que outras funcionalidades e formas de uso do streaming forem sendo desenvolvidas. Uma importante e que já está na mira dos advogados é o mercado de gaming, que vem se potencializando no mundo do streaming. Várias grandes empresas do setor já tem se posicionado nesse sentido. Uma das vertentes que certamente movimentará o setor será a regulação de apostas fixas e lei dos jogos.

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