Guerra de subsídios verdes impacta relações comerciais brasileiras

Green Deal Industrial Plan da União Europeia busca tornar a região líder na revolução tecnológica verde./Foto: Canva
Green Deal Industrial Plan da União Europeia busca tornar a região líder na revolução tecnológica verde./Foto: Canva
Brasil pode ganhar competitividade em razão da sua matriz energética limpa, mas precisa implementar na prática a regulamentação do mercado de carbono, de acordo com especialistas.
Fecha de publicación: 06/06/2023

Em fevereiro, a União Europeia apresentou o Green Deal Industrial Plan, de promoção da competitividade das indústrias da União Europeia e de auxílio na transição energética para uma produção mais sustentável. O objetivo é tornar a Europa líder global na revolução tecnológica verde. 

Os principais pilares do plano são: 

● Estabelecimento de um ambiente regulatório simples e previsível;
● Facilitação de acesso a financiamentos;
● Aprimoramento das habilidades da indústria; e
● Abertura do comércio para cadeias de valores resilientes.

Para isso, o bloco pretende facilitar o acesso a programas de subsídios verdes e fomentar investimentos para produção de tecnologias net-zero, com a possibilidade de conceder subsídios mais elevados para igualar valores recebidos por empresas estrangeiras em projetos semelhantes.

Ainda pretende fortalecer o Recovery and Resilience Facility, que atualmente já disponibiliza cerca de 250 bilhões de euros para medidas ambientais, incluindo investimentos na descarbonização das indústrias, com a adição de mais 100 bilhões de euros por meio do Just Transition Fund. Além disso, o plano prevê a criação de estratégia para facilitar o crédito à exportação para os países europeus. 


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O Brasil pode ser impactado especialmente pela iniciativa da criação do Critical Raw Materials Club, que busca estabelecer parcerias entre o bloco e países produtores de matéria-prima para fornecimento de forma segura e sustentável. 

Segundo dados da Delegação Europeia no Brasil, a União Europeia é o segundo principal parceiro comercial do país, sendo responsável por 15% do seu comércio total. Em 2020, o Brasil foi o segundo maior exportador de produtos agrícolas para a UE. Entre os produtos que mais exporta estão soja, óleos brutos de petróleo e café. 

Exportações brasileiras para a União Europeia

Oportunidades e desafios

O plano pode apresentar alguns desafios para as empresas brasileiras, já que, para ter acesso ao mercado europeu, elas terão que cumprir com todas as medidas aduaneiras e regulatórias do bloco, sem os benefícios dos subsídios concedidos por este. As empresas brasileiras devem estar em conformidade com os padrões ambientais definidos pelo EU Green Deal, o que inclui as medidas do Deforestation Act e do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), que não são considerados subsídios. 

O CBAM, que vai entrar em vigor em outubro, é um mecanismo de taxação de carbono para os produtos exportados para a União Europeia. Ele estabelece uma meta de redução de carbono para as indústrias europeias e, se não for cumprida, deve ser compensada pela compra de créditos de carbono. Se o país de origem tiver regulamentado o mercado de carbono, o importador terá que comprar créditos de carbono para compensar suas emissões. Esse valor poderia ser abatido na União Europeia. 


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“Isso é um incentivo para que os países que exportam para a Europa regulem o seu mercado de carbono. O ideal seria que o Brasil estabelecesse metas de redução iguais ou mais agressivas que as da União Europeia e que regulasse o mercado de carbono também. Assim, pelo menos uma parte do dinheiro ficaria aqui, porque se não tiver nada pago no Brasil pelas emissões feitas acima do limite, a compra dos créditos de carbono ficará no mercado da União Europeia”, explica Victor Lopes, sócio de comércio internacional do Demarest

Essa medida impacta o acesso ao mercado europeu para grandes exportadoras brasileiras, principalmente para os setores de aço, alumínio, fertilizantes e cimento, por apresentarem nível mais alto de emissões de carbono, embora o governo tenha programas e incentivos para que o produtor nacional se adapte aos novos regulamentos europeus como o CBAM.

“Na prática, as empresas devem desenvolver a capacidade de rastrear suas emissões e fornecer informações aos importadores sobre o valor do CO2 embutido nos produtos exportados. O Governo atualmente trabalha para que produtores brasileiros tenham acesso a mecanismos de reconhecimento mútuo nas certificações que já existem no Brasil. Essa medida facilitaria o processo e reduziria custos”, explica Andrea Weiss Balassiano, sócia do escritório MW Trade. 

A especialista aponta que empresas brasileiras que já operam com rastreabilidade e geolocalização para atender a regulamentação europeia certamente poderão posicionar melhor seus produtos no mercado europeu, pois estarão sujeitas a uma taxação menor. Em desvantagem estão aqueles que não podem monitorar ou rastrear suas emissões e correm o risco de perder negócios para concorrentes com emissões mais baixas.


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Além disso, o Brasil pode ganhar competitividade em razão da sua matriz energética limpa e se tornar mais atrativo para investimentos. “Temos muita produção de energia com base em usina hidrelétrica, que não é poluente. Temos também uma grande parte da produção de energia eólica e solar. Então, dependendo da forma como forem feitos os cálculos para medir o volume de emissões, as indústrias brasileiras sairão na frente porque elas utilizam a energia de uma fonte mais limpa”, explica Victor Lopes.

Embora o Brasil tenha regulamentação sobre créditos de carbono, como o Decreto 11075/22, que criou uma base para o mercado de carbono e para metas de redução de emissões de gases e que pode ser uma fonte de renda para o país, Lopes garante que nada foi implementado até agora. “O Brasil não tem nada implementado. Tem lei, tem decreto, mas não tem nada implementado na prática”, diz o advogado.

Além disso, considera que o país precisa resolver todos os outros problemas que fazem com que sua competitividade seja mais baixa, que é o sistema tributário, a insegurança jurídica, a falta de infraestrutura e a mão de obra sem qualificação. 

“Então, há todos esses outros fatores que tiram a competitividade, mas nós vamos ter um fator, pelo menos, para aumentar a nossa competitividade que é ter a matriz energética limpa”, comenta.

Carol Monteiro de Carvalho, também sócia do MW Trade, destaca que o Brasil possui matriz energética mais limpa em comparação com alguns de seus principais concorrentes, por isso a atração de investimentos deve valorizar o fato de que o país é capaz de preservar a sua biodiversidade e uso de energia verde.

“Hoje, existe uma agenda de promoção comercial para promover os atributos da sustentabilidade e valorização de marcas brasileiras a partir de credenciais verdes. Esse trabalho é importante na atração de investimentos. Além disso, é importante buscar investimentos para implementação de medidas de apoio para transição energética e descarbonização de processos de produção”, diz

Corrida prejudicial de subsídios 

O plano da União Europeia foi, em partes, uma resposta a algumas medidas do Inflation Reduction Act dos Estados Unidos, que prevê um pacote de subsídios à energia limpa. A Europa temia que a iniciativa dos Estados Unidos colocaria suas empresas em desvantagem crescente de custo e levaria a um êxodo para o país que oferecesse a maior redução de impostos ou subsídios. 

Em uma reunião do Fórum Econômico Mundial, em janeiro, o chanceler alemão Olaf Scholz afirmou, fazendo referência à iniciativa de Joe Biden, que “o protecionismo atrapalha a competição e a inovação e é prejudicial para a mitigação das mudanças climáticas”. 

A Lei de Redução da Inflação, buscando atrair investimentos verdes aos Estados Unidos, libera 369 bilhões de dólares em incentivos e financiamentos para o desenvolvimento de tecnologias net-zero no país. Tanto os Estados Unidos quanto a União Europeia buscam fazer frente aos subsídios concedidos pela China para tecnologias limpas, que excedem US$ 280 bilhões.

“O comércio e a concorrência na indústria net-zero devem ser justos. Algumas das iniciativas de nossos parceiros podem ter efeitos colaterais indesejados em nossas próprias indústrias net-zero. Mais fundamentalmente, os subsídios da China há muito são duas vezes maiores que os da UE, em relação ao PIB. Isso distorce o mercado e garante que a fabricação de várias tecnologias net-zero seja atualmente dominada pela China, que fez do subsídio à inovação de tecnologia limpa e à fabricação uma prioridade de seu plano quinquenal”, diz o comunicado da UE


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Para os especialistas, o risco agora é uma corrida prejudicial de subsídios entre as maiores economias do mundo para atrair investimentos verdes. Isso poderia prejudicar a igualdade de condições no comércio global, contribuir para a fragmentação geoeconômica e impor grandes custos fiscais.

“Mercados emergentes e economias em desenvolvimento com recursos fiscais mais escassos teriam dificuldade especial em competir por investimentos com economias avançadas em um mundo mais protecionista, o que também poderia dificultar a transferência de tecnologia para essas nações”, diz Alfred Kammer, no blog do Fundo Monetário Internacional.

As sócias do MW Trade alertam que, sem dúvida, a capacidade de investimento e financiamento dos países europeus é muito superior à de economias como a brasileira, o que acaba gerando distorções. Portanto, consideram importante estar atento aos riscos do protecionismo verde e das barreiras ao comércio, que devem ser evitados e combatidos por meio de instrumentos e meios específicos. Além disso, “é fundamental acompanhar a evolução das medidas que estão sendo implementadas e estar atento para a necessidade de realizar ajustes em processos internos e monitoramento”. 

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