Suspensão de reajuste nas tarifas de energia pode abrir perigoso precedente jurídico

Em abril, reajustes promovidos pela Aneel foram acima da inflação esperada para o período. Medo de impacto nas eleições pode forçar suspensão temporária/Agência Brasil
Em abril, reajustes promovidos pela Aneel foram acima da inflação esperada para o período. Medo de impacto nas eleições pode forçar suspensão temporária/Agência Brasil
Câmara articula levar a plenário proposta para derrubar aumento da conta em vários estados. Setor culpa combustíveis por preços altos.
Fecha de publicación: 05/05/2022

A Câmara dos Deputados se prepara para iniciar um tipo inédito de intervenção: os deputados querem levar para o Plenário da Casa, já na próxima semana, um decreto legislativo para suspender um reajuste tarifário nas contas de luz de uma distribuidora de energia no Ceará. A medida, no entanto, deve gerar uma cascata de novas intervenções que levarão à quebra de aumentos em outras distribuidoras de energia em outros estados que recentemente passaram por reajustes.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP/AL) já indicou que levará a voto, em um primeiro momento, o requerimento sobre a urgência da votação no Plenário. Caso os deputados assim decidam na próxima semana, as propostas para derrubada de aumentos serão votadas diretamente no Plenário, sem a necessidade de tramitar pelas comissões da Casa.


Leia também: A violência política de gênero vai aumentar durante as eleições?


Os reajustes são promovidos anualmente pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), de acordo com um calendário pré-especificado. Tais alterações tarifárias são definidas pela equipe técnica da agência e passam por consultas públicas que normalmente envolvem setores da sociedade, tais como os consumidores de cada distribuidora.

Nas últimas semanas, no  os aumentos têm ocorrido em um ritmo acima da inflação esperada para o próximo ano pelo Banco Central. No mais recente relatório Focus, o BC previu inflação de 7.89% para 2022.

Apenas no mês de abril, dez distribuidoras passaram por reajustes acima deste patamar: CPFL Paulista (13,8%); Energisa MS (16,83%), Energisa MT (20,36%); Energisa SE (16,46%); Cosern (19,87%); Coelba (20,73%); Enel Ceará (23,99%); Equatorial Alagoas(19,86%) e Equatorial Pernambuco (18,50%). As razões para o aumento variam mas, de acordo com fontes do setor, são motivados pelo aumento no preço dos combustíveis, que também são utilizados para a geração da energia.

O Decreto Legislativo que ganhará pauta envolve o aumento da Enel Ceará. Lira deixou claro no entanto que, por isonomia, levará todas as propostas deste sentido ao Plenário em um único debate. A Proposta de Decreto Legislativo, se aprovada, poderá colocar os reajustes tarifários da Energisa Mato Grosso do Sul e da Light, que atende o Rio de Janeiro, em risco.

A mera indicação de votação, no entanto, já alarma o setor. “Este é um momento de preocupação nosso, mas é momento de estarmos muito atentos para os sinais que isso passa ao setor de infraestrutura, em especial àqueles regidos no sistema de concessões”, disse o presidente da Abradee (Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica), Marcos Madureira

Para ele, a medida apenas penaliza o elo final da cadeia de energia elétrica, que conta ainda com geradores e transmissores de energia. De acordo com cálculos da Abradee, o setor de distribuição retêm apenas 20% do valor final da conta de luz, repassando o restante aos elos anteriores da cadeia. Outra questão jurídica espinhosa envolve o fato de a conta de luz alimentar a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), uma provisão federal que garante recursos para o desenvolvimento energético dos estados, para viabilizar a competitividade da energia elétrica produzida a partir de fontes renováveis.

Já dentro da Câmara, a Frente Parlamentar de Energia Renovável chamou de “eloquente” o recado de que a matéria irá a voro. Para o grupo, é uma pauta legítima. “É importante ressaltar que os parlamentares, de maneira alguma, buscam desrespeitar contratos. Muito pelo contrário: precisamos melhorá-los, adaptá-los e, sobretudo, tornar o processo tarifário no Brasil mais transparente”, escreveu o deputado Danilo Forte (União/CE).

Esta ação não é a única pressão contra o setor elétrico —  em 2020, ficou célebre a tentativa do estado de Goiás tentou tornar caduca a concessão dada para a Enel Goiás, após aumentos considerados excessivos. A tentativa foi malfadada, apesar da intervenção do governador do estado, Ronaldo Caiado.

Para Ana Karina Souza, sócia de energia do Machado Meyer, ambos os casos guardam questões em comum. "Nestes casos, é muito difícil alegar que houve exacerbação de poder. É bastante arriscado e infelizmente, sem muito respaldo legal”, ela pondera. Para a advogada, a segurança jurídica dos contratos fica comprometida com tal esforço da Câmara.

A medida de congelar as tarifas é considerada inadequada também pelo especialista em energia e sócio do Martorelli Advogados, Guilherme Berejuk.“Impedir o reajuste significa violar os contratos de concessão, transmitindo um sinal de fragilidade e insegurança institucional'', ele pondera. “E isso pode até trazer um efeito imediato de redução de custo para o consumidor, mas a médio e longo prazo significa aumento na percepção de risco para os investidores em infraestrutura.”


Veja também: Os desafios e oportunidades do bom momento de fusões e aquisições no mercado latino


Para o sócio da área tributária do Demarest, Douglas Mota, uma decisão mais coerente do Congresso Nacional passa por tratar a questão tributária da energia. 

“Se a redução passar por tributos, pode dar certo, porque não se tenta intervir diretamente sobre a formação de preço”, disse o tributarista. Esta abordagem pode trazer benefícios indiretos ao governo, como acabar reforçando políticas de maior variedade de geração de energia renovável, retirando a dependência de usinas hidrelétricas.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.