MP que regulamenta teletrabalho muda atuação de advogados?

Um ponto deve ser ainda tema de debate e conflitos judiciais e extrajudiciais: o controle de jornada para empregados em teletrabalho/Pixabay
Um ponto deve ser ainda tema de debate e conflitos judiciais e extrajudiciais: o controle de jornada para empregados em teletrabalho/Pixabay
Projeto trata do novo conceito de homeoffice, que abrange trabalhos híbridos, e a isenção de controle de jornada para empregados contratados por tarefa ou produção.
Fecha de publicación: 18/08/2022

A medida provisória que regulamenta adoção do teletrabalho (homeoffice) pelas empresas e altera as regras para a concessão do auxílio-alimentação pago aos trabalhadores vai permitir às empresas decidir as regras de teletrabalho diretamente com o trabalhador, sem necessidade de negociação coletiva. O projeto foi aprovado pelo Senado e segue para a sanção presidencial e pode mudar algumas interpretações da lei, segundo advogados consultados por LexLatin. 

Entre os principais aspectos tratados pela MP estão: o novo conceito de teletrabalho, que abrange também regimes de trabalho híbridos, a isenção de controle de jornada para empregados contratados por tarefa ou produção em teletrabalho, o enquadramento sindical e normas coletivas aplicáveis, além da autorização do teletrabalho para estagiários e aprendizes e o teletrabalho prestado do exterior.  


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“Com o notório aumento do uso do regime de teletrabalho nas relações de emprego pós-pandemia, realmente se fazia ainda mais necessário regulamentar situações práticas que não eram regidas pela CLT e geravam conflitos e divergências de interpretação entre os operadores do Direito”, explica o advogado Celso Báez do Carmo Filho, da área trabalhista do Demarest Advogados. 

Para o advogado, a proposta deixa de regulamentar aspectos importantes, como os impactos na concessão de benefícios aos empregados em teletrabalho, além de criar controvérsia ainda maior em relação aos empregados que estarão isentos de controle de jornada durante o teletrabalho, ao mencionar apenas empregados que prestem serviços por produção ou tarefa. 

“A ausência de conceito legal sobre os termos 'trabalho por produção' e 'trabalho por tarefa' certamente abrirá margem para infinitas interpretações sobre o dispositivo, resultando em cenário propício para conflitos judiciais e extrajudiciais em relação ao tema”, destaca Carmo Filho. 

"O texto aprovado, traz uma inovação quanto aos serviços prestados, que poderá ser medido por produção ou tarefa, o que afasta as regras da jornada de trabalho previstas na CLT. Ainda neste sentido, a medida prevê que se o empregado compareça ao ambiente físico da empresa para trabalho específico, este não transmudará a natureza do trabalho remoto", analisa Marcos Poliszezuk, sócio-fundador do Poliszezuk Advogados.

Um ponto deve ser ainda tema de debate e conflitos judiciais e extrajudiciais: o controle de jornada para empregados em teletrabalho. 

"Por si só, a alteração detém o potencial de, a depender do caso, impactar todo o planejamento no qual amparada a continuidade/adoção de uma política de teletrabalho pelo empregador. Isso porque, com base no regramento anterior, parcela significativa das empresas adotou para os seus empregados, até então, a modalidade de trabalho remoto tomando por base a não submissão das partes às regras de controle e duração da jornada de trabalho, isso sem considerar o regime de contratação", avalia Juarez Camargo de Almeida Prado Filho, da Advocacia Ruy de Mello Miller.

O especialista acredita que a maioria dos contratos, incluídos aqueles convertidos para o regime remoto durante a pandemia, enquadra-se no conceito de contrato por jornada de trabalho.

"Nessa modalidade o empregado é remunerado pelo tempo que permanece à disposição do empregador, independentemente dos serviços executados. É o caso, por exemplo, do mensalista, que é contratado para cumprir determinada jornada diária/semanal de trabalho. Para a hipótese, há o consenso de que a adequação da dinâmica de trabalho pelas empresas que abdicaram do controle e da fixação de jornada, ou assim pretendiam, far-se-á necessária. Do contrário, estarão sujeitas a sofrer questionamentos, tanto no âmbito judicial, como a reclamação pela existência de horas extras não remuneradas e também no âmbito administrativo", afirma.

Para os especialistas, questões não enfrentadas pela MP continuarão a dar margem a interpretações distintas. Um dos principais é a alteração do conceito de teletrabalho, que equiparou situações diferentes como o regime integralmente remoto e modelos híbridos. “Sem um critério de frequência, a realização de um dia de trabalho remoto no mês já poderia caracterizar teletrabalho”, diz Carmo Filho. 

De acordo com o advogado, isso encerra discussões sobre número mínimo de dias de trabalho remoto para caracterização de preponderância do trabalho remoto. “Apenas a título de esclarecimento, a redação legal anterior à MP estabelecia que o regime de teletrabalho se caracterizava pela preponderância do trabalho remoto. Todavia, essa alteração de conceito de situações distintas pode acarretar distorções e aplicação do regime a situações que não deveriam estar cobertas por ele”, diz. 

Outras mudanças

Para os advogados ouvidos por LexLatin, a MP traz avanços nas discussões sobre o enquadramento sindical de empregados em teletrabalho, regulamentando que serão aplicáveis as normas coletivas relativas à base territorial do estabelecimento de “lotação” do empregado. 

"Definiu-se na nova redação que os trabalhadores submetidos ao regime de teletetrabalho estarão submetidos à legislação local e aos instrumentos coletivos correspondentes à base territorial do estabelecimento ao qual vinculados os seus contratos, a lotação do empregado, e não necessariamente ao local em que executados os serviços", explica Prado Filho.

A MP também tenta solucionar parte das controvérsias referentes ao teletrabalho prestado do exterior, já que define a aplicação da legislação brasileira e afasta a aplicação da Lei nº 7.064/82 (que regulamenta a situação de trabalhadores expatriados), salvo disposição contratual em sentido contrário. Também há a previsão sobre a possibilidade de adoção do teletrabalho para aprendizes e estagiários. "Isso pode gerar certa insegurança jurídica, na medida que a lei do Estágio e do Jovem Aprendiz determina que estes devam ser acompanhados por um profissional para o cumprimento de suas tarefas", analisa Poliszezuk.

Por fim, a nova legislação elucida pontos antes cinzas, sem conceito definido. Um deles é o uso de computadores e celulares fora da jornada de trabalho estipulada. Com a nova regra, isso não constitui tempo à disposição da empresa ou de prontidão para realização de trabalho, como resposta a e-mail, por exemplo.


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"O emprego dessas ferramentas fora da jornada habitual de trabalho não constituirá prova cabal de efetivo labor extraordinário. Todavia, se demonstrado que o cenário decorre de uma exigência do empregador ou de necessidade atrelada ao volume ou rotina de trabalho o entendimento será diverso. Esse entendimento, inclusive, encontra amparo na atual jurisprudência de nossos tribunais. A MP faculta a possibilidade de o acordo individual de trabalho dispor sobre os horários de trabalho, observadas as prescrições legais e constitucionais aplicáveis, especialmente no que se refere aos limites de jornada e períodos de repouso, e sobre os meios de comunicação entre empregado e empregador", explica Juarez Camargo de Almeida Prado Filho.

A MP aguarda sanção presidencial nos próximos dias.

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