Tentativa de intimidação de Bolsonaro isola ainda mais governo

​​​​​​​Blindados da Marinha foram vistos no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados votou e rejeitou a PEC do voto impresso e revogou a LSN/Pedro França/Agência Senado
​​​​​​​Blindados da Marinha foram vistos no mesmo dia em que a Câmara dos Deputados votou e rejeitou a PEC do voto impresso e revogou a LSN/Pedro França/Agência Senado
Desfile de blindados é visto por políticos e especialistas como uma demonstração de fraqueza de um governo acuado por investigações de corrupção e incompetência administrativa.
Fecha de publicación: 10/08/2021

O evento da semana (e talvez do mês) na vida política brasileira aconteceu nesta terça-feira (10) com o desfile de blindados da Marinha realizado na Esplanada dos Ministérios em Brasília, no mesmo dia em que o plenário da Câmara dos Deputados votou e rejeitou o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) do voto impresso. O episódio – que era para ser uma demonstração de força e apoio das Forças Armadas ao atual mandatário - foi visto como uma tentativa de intimidação ao Congresso. Esse  é só mais um capítulo da delicada disputa entre Executivo, Legislativo e Judiciário - e o resultado não foi nada bom para Bolsonaro. 

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux, recusou o convite para comparecer ao desfile e nem chegou a entrar em contato com o Planalto. Também os presidentes das duas Casas Legislativas, deputado Arthur Lira (PP/AL) e senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG), não compareceram ao evento. No Congresso Nacional sobraram críticas e, em especial, a CPI da Covid do Senado fez um dos mais duros ataques a Bolsonaro.


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O presidente da CPI da Pandemia, Omar Aziz (PSD-AM), leu uma nota oficial em protesto contra o desfile. O senador afirmou no documento que o presidente Jair Bolsonaro evidencia fraqueza de alguém que está acuado por investigações de corrupção e pela incompetência administrativa. 

"Todo homem público, além de cumprir suas missões constitucionais, deveria ter medo do ridículo, mas Bolsonaro não liga para nenhum desses limites, como fica claro na cena patética de hoje, que mostra apenas uma ameaça de um fraco, que sabe que perdeu. Não haverá voto impresso, não haverá qualquer tipo de golpe contra a nossa democracia porque as instituições, com o nosso Congresso à frente, não deixarão que isso aconteça", afirmou. 

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que o Congresso Nacional deverá reagir a todas as ameaças à democracia. “Para cada palavra, para cada apontamento, para cada fato que possa constituir algum tipo de ameaça, ou de risco, ou de colocação em dúvida das nossas balizas democráticas do Brasil, sempre haverá pronta reação do Senado Federal e do Congresso Nacional para afirmar aquilo que temos de mais sagrado, que é o ambiente propício para o progresso e para a ordem do Brasil, que é o ambiente do Estado democrático de direito”, disse.

Além das reações negativas, o desfile militar virou chacota nas redes sociais e nas principais publicações internacionais. Um levantamento feito pela Quaest Pesquisa em 2,3 milhões de posts mostrou que 93% do total foram de chacota ao desfile ou críticas ao presidente. Outros 5% defendem as Forças Armadas e Bolsonaro e 2% apoiam o governo. A análise utilizou as palavras “desfile”, “tanques”, “militar”, “Bolsonaro” e “voto impresso” nas redes sociais.

A chamada “taqueata” também foi motivo de chacota em algumas das principais publicações internacionais. O inglês “The Guardian” chamou a administração de Bolsonaro de “República de bananas”.

“Críticos denunciam Jair Bolsonaro por governar em um estilo de ‘república de bananas’ com sua decisão de mandar veículos de combate para as ruas da capital brasileira, em uma parada militar fora do comum. A atitude foi vista largamente como uma atitude beligerante do presidente de apoiar seu projeto (do voto impresso) a partir da força”, afirma a publicação. A Reuters destacou o cenário desfavorável ao presidente que “tem ameaçado não aceitar o resultado das eleições no ano que vem. As pesquisas apontam para sua derrota diante do ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva”.

E é exatamente nessa linha que vai a análise dos cientistas políticos consultados por LexLatin. Para eles, ficou evidente a demonstração de fraqueza do atual governo. “É inegável que o desfile foi pífio. Uma pequena e obsoleta frota foi exposta aos olhos de todos. O presidente tinha como objetivo dar uma demonstração de força para a sociedade brasileira. O resultado final, por ora, foi contrário. O ‘Exército de Brancaleone’ deixou o governo em uma saia justa”, analisa o cientista político André César Pereira.

Para Rodrigo Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o presidente vai se isolando no que ele chama de presidencialismo de confrontação com os demais poderes.  “O único grupo que ele pode contar ainda são as Forças Armadas. Os liberais que embarcaram no governo, acreditando no ministro da Economia  Paulo Guedes, já não estão faz tempo. Os que combatiam a corrupção e acreditavam no presidente como a nova política também desembarcaram quando Moro saiu. Na tentativa de apresentar algo ele faz um espetáculo, já que não tem nada de concreto para apresentar. Tudo que é concreto no governo é negativo, especialmente com relação aos resultados da pandemia”, avalia.


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“Temos uma crise institucional porque o chefe do Executivo não convive com o pressuposto da democracia, que é o diálogo e a harmonia entre os poderes. Toda vez que ele tenta exorbitar como chefe do Executivo, os outros poderes, dentro dos aspectos legais, impõem barreiras e contrapesos”, afirma Prando.

André César acredita que o clima é de divisão até entre os militares. “De um lado, o grupo capitaneado pelo ministro da Defesa, General Braga Netto, está fechado com o governo, e a manifestação de hoje selou esse apoio. De outro, oficiais da ativa não estão satisfeitos com a condução das relações com o Planalto. Esse setor, nada desprezível, teme o desgaste da imagem da instituição junto à população - desgaste esse iniciado com a gestão de Eduardo Pazuello no ministério da Saúde”, diz.

Golpe militar

Bolsonaro durante o desfile

De maneira geral, os especialistas consideram que existe essa possibilidade, mas que, num primeiro momento, a instalação de um regime antidemocrático é pouco provável. “O golpe, por ora, é improvável. Um eventual movimento nesse sentido geraria repúdio global e isolaria ainda mais o país, justamente quando se tenta sair da crise originada da pandemia”, explica André César.

Eles avaliam que para haver uma ruptura é preciso alguém que tenha vontade de romper ou promover uma revolução. A princípio essa é a intenção clara do presidente. “Bolsonaro nunca escondeu seu apreço pela ditadura e incômodo com a democracia, desde deputado até presidente. Além de tudo, temos um conjunto de intelectuais ou pensadores – embora o bolsonarismo seja escasso disso – mas tem Olavo de Carvalho que também sugere uma ruptura institucional. Alguns militares, inclusive, têm essa vontade, ou da ativa ou da reserva”, afirma Rodrigo Prando.

Mas a grande pergunta que fazem os especialistas é se há uma conjuntura para um golpe. ”Vivemos uma crise econômica profunda? Não. O governo tem apoio do mercado financeiro e do empresariado, como teve em 1964? Não tem hoje. Existe uma mídia que estaria apoiando o governo como teve em 1964? Também não há. Hoje temos uma sociedade hiper conectada. Em 1964 não tínhamos isso. Então não tem como calar uma sociedade como a que temos hoje. Existe algum país forte, alguma potencia que daria apoio ao golpe? Não tem. O agronegócio, que é o grande exportador, sai prejudicado ou valorizado com um possível golpe? Sai prejudicado, porque as sanções internacionais viriam na sequência contra o Brasil – da Europa ou dos Estados Unidos”, avalia Prando.

Revogação da Lei de Segurança Nacional e voto impresso rejeitado

Num claro recado à política de confrontação de Bolsonaro, dois projetos impuseram derrotas políticas ao atual governo nesta terça-feira. A Câmara rejeitou o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) do voto impresso. Foram 229 votos favoráveis e 218 contrários. Como não foram obtidos os 308 votos favoráveis necessários, o texto será arquivado. “A democracia do Plenário desta Casa deu uma resposta a este assunto e, na Câmara, espero que este assunto esteja definitivamente enterrado”, afirmou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

A proposta determina a impressão de “cédulas físicas conferíveis pelo eleitor” independentemente do meio empregado para o registro dos votos em eleições, plebiscitos e referendos.

Também nesta terça-feira o Senado aprovou o Projeto de Lei 2.108/2021, que revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN) e inclui na legislação crimes contra o Estado Democrático de Direito. A LSN, que é de 1983, ainda na ditadura militar, voltou a ser destaque nos últimos meses e chegou a ser usada para punir grupos contrários a Bolsonaro.


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