A violência política de gênero vai aumentar durante as eleições?

Camila Rosa, única mulher entre 25 vereadores em Aparecida de Goiânia, teve seu microfone cortado em fevereiro. Ação deve ser arquivada/Reprodução
Camila Rosa, única mulher entre 25 vereadores em Aparecida de Goiânia, teve seu microfone cortado em fevereiro. Ação deve ser arquivada/Reprodução
Casos como o ocorrido com vereadora em Goiás apontam para retrocesso nas discussões
Fecha de publicación: 04/05/2022

As cenas protagonizadas pela vereadora Camila Rosa (PSD) e André Fortaleza, na Câmara municipal de Aparecida de Goiânia, em Goiás, chocaram tão rápido quanto cruzaram o país: primeiro, o vereador diz que uma fala sua foi distorcida, e que ele não era contra “classe feminina, mas contra cotas e ilusionismo” na política. Camila retruca e diz que o vereador parece ter problemas com a participação feminina na política. Em um instante de alteração, André manda que o microfone da vereadora seja cortado — e ela, atônita, começa a chorar.

A cena, simbólica pelas relações de poder e gênero dentro de ambientes de trabalho, ganhou novos contornos esta semana, quando o Ministério Público recomendou que o caso fosse arquivado, mesmo depois de o vereador ser acusado pela Polícia Civil de violência política, existente desde o ano passado. Em suas motivações, Milton Marcolino dos Santos Júnior argumentou que o presidente da câmara e a vereadora trocaram acusações mútuas e que o caso não deveria prosseguir.


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A decisão chamou a atenção de órgãos que lutam contra a violência política de gênero. “A partir do momento em que a vereadora resolve tomar consequências, inclusive contra pessoas que tentam limitar o seu mandato, ela mostra ao que veio, e a resposta vem contundente”, disse Ana Cláudia Santano, do Observatório de Violência Política contra a Mulher. “O presidente da Câmara foi bastante agressivo, e o pedido de comportamento é bastante reprovável no que se trata de participação feminina na política.”

O grupo indicou que buscará o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) para que o órgão tome providências, e também para que o juiz responsável pelo caso não arquive o pedido.

Ana Cláudia ainda aponta que outra questão é problemática dentro do arquivamento — a justificativa da imunidade parlamentar: “É bastante complicado de se defender, porque a lei mais recente pode se tornar esvaziada deste modo. É preciso debater qual é esta imunidade parlamentar que permitirá aos homens cometer violência política contra as mulheres.”

A advogada especialista em direito eleitoral e sócia do Loureiro, Costa e Sousa Advogados, Andrea Costa, lembra que a política ainda é um ambiente não apenas machista, mas um local onde não se quer dividir o poder com mulheres. Além do mais, argumenta, atitudes como esta contrariam a legislação que prevê o incentivo à participação feminina na política. “Infelizmente, não é um caso isolado, mas comum no âmbito político”, comenta.

Andrea lembra que, além da tentativa de imputar uma culpa pelo não cumprimento da cota das mulheres candidatas às próprias mulheres, críticos à lei omitem que não são poucos os casos onde se buscam excluí-las da participação política efetiva, como no uso de mulheres laranjas para utilizar dos valores repassados por meio Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

“De forma geral, os políticos homens encaram as mulheres como rivais, procurando diminuí-las e perpetuar a ideia de que não se interessam por política e esse não é o lugar certo para elas”, ela conclui.


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Neste ano eleitoral, tais ameaças à participação feminina na política devem ser acentuadas — ou, ao menos, mais públicas, por mudanças como a lei que qualifica o crime de violência política. “Com um eleição polarizada podemos esperar esse cenário refletido nas campanhas, principalmente contra as mulheres, a parte mais frágil e perseguida por todos os lados”, diz Andrea, “uma vez que para a cultura política atual, retiram o espaço que, no pensamento atual, deveria pertencer aos homens.”

Para Ana Cláudia, a mensagem que tanto a Câmara dos Vereadores quanto o Ministério Público passa é que, mesmo quando pede ajuda, a mulher é vitimizada novamente. Mesmo que o promotor não tenha perspectiva de gênero, isso não seria escusa para a falta de ação. “Ela é culpada novamente por algo que ela sofreu, pelo fato de ser mulher — há a violência no âmbito parlamentar e no âmbito institucional do Ministério Público, que deveria protegê-la.” 

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