Em tempos de debates inflamados pelas queimadas na Amazônia, o vazamento de petróleo que atingiu o Nordeste brasileiro desde o dia 30 de agosto, afetando mais de 230 localidades, mancha a imagem do país.
Seria fácil achar um bode expiatório para se responsabilizar pelo crime ambiental, mas a questão do vazamento de óleo no Nordeste agrupa atos comissivos por empresas e omissivos do Estado. Isso porque mesmo com as repercussões sobre o alcance do petróleo nas costas brasileiras, o Governo só acionou o Plano Nacional de Contingência de Incidentes de Petróleo (PNC) após uma ação do Ministério Público Federal, demandando que o PNC fosse acionado em até 24hr.
Os maiores afetados pelo vazamento foram comunidades de pescadores, indústria de turismo, hotéis e a população local. A demora em tomar medidas obrigou a população nordestina a tentar limpar a praia, sem a utilização de equipamentos de proteção, em uma tentativa desesperada de manter o sustento de tantas famílias que dependem dos recursos naturais para sua sobrevivência.
O setor turístico também foi fortemente afetado. Dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostram que somente em agosto o turismo rendeu ao Nordeste R$ 2,4 bilhões. Foram R$ 29,1 bilhões em 2018.
O Turismo é um dos setores com protagonismo na economia brasileira, representando 7,9% do PIB nacional e sendo responsável pela manutenção de 6,59 milhões de empregos. Afetar o setor turístico brasileiro é, também, afetar a vida de milhões de trabalhadores.
O petróleo possui mais de 200 hidrocarbonetos, dentre eles, o benzeno que é um produto cancerígeno. O benzeno pode continuar a circular na corrente marítima mesmo que não haja piche visível. Se for comprovado que as águas marítimas tiveram contaminação de benzeno, as praias podem ser consideradas impróprias para o banho e para a pesca, afetando profundamente a economia e o turismo da região.
E quem irá pagar a conta de todo este prejuízo?
O governo brasileiro possui algumas opções: descobrir quem é o dono da embarcação envolvida no caso, o país que produziu o óleo, qual território vazou o óleo, qual empresa contratou o navio e qual empresa receberia a mercadoria transportada. Esse seriam os poluidores diretos, que teriam que pagar indenização para cobrir todos os danos econômicos e ambientais, de curto e longo prazo.
Entretanto, todas as empresas e países envolvidos podem ser responsabilizados, incluindo o Estado brasileiro. Isso porque a nossa legislação ambiental considera como poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.
Como o Estado tem o dever de garantir a defesa e a preservação do meio ambiente, a demora a acionar o PNC pode ser interpretada como uma omissão do dever do Estado, sendo assim, responsável indiretamente pelo ocorrido. Neste caso, a União teria responsabilidade solidária com os causadores diretos do desastre.
Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que compreende a responsabilidade civil do dano ambiental, qualquer que seja a qualificação jurídica do poluidor, de natureza objetiva, solidária e ilimitada.
Por isso, mesmo que em regra a responsabilidade civil do Estado por omissão costume a ser subjetiva, quando a omissão se trata de dano ambiental, a responsabilização obedecerá ao critério objetivo.
O regime de responsabilidade civil objetiva do Estado, nos termos do Art. 37, §6º da Constituição Federal, não veda a existência de regimes especiais, em que a objetividade seja a regra nos comportamentos omissivos. No entanto, para que a população e o setor turístico, que envolve Resorts, Hotéis e empresas, busquem o judiciário, seria necessária a comprovação mais direta entre os prejuízos auferidos em setembro e outubro de 2019.
No caso das empresas, também seria necessário demonstrar a média dos faturamentos auferidos no mesmo período do ano anterior. O dano material gerado às comunidades que sobrevivem do turismo é de responsabilidade da União, tendo em vista que a preservação do meio ambiente, em especial, das praias e dos mares territoriais são de sua responsabilidade. Porém, a União se descobrir quem é o poluidor direto, poderá entrar com ação de regresso contra ele.
Os estudos técnicos da Petrobrás identificaram que o petróleo vazado tem origem em três campos na Venezuela, porém ainda não foi possível determinar a identidade do responsável direto pelo vazamento.
Uma das hipóteses é de que o responsável seja um “navio fantasma/pirata” ou também chamado de dark ship, que é uma embarcação que transporta petróleo clandestinamente. Neste caso é possível que o poluidor direto nunca seja identificado e nunca pague pelo crime que cometeu. Pelas regras do direito ambiental, o Governo Brasileiro pode ser culpado por omissão e por negligência ao tratar do caso.
O navio pode ser fantasma, mas o prejuízo é real. A responsabilização do Estado e dos Governantes é o parâmetro que diferencia o regime do estado democrático de direito dos regimes políticos atrasados. Ela deve ir além do ressarcimento pelos danos materiais causados, atuando também na imposição de novas medidas que possam modificar o planejamento e a consciência ambiental dos nossos governantes em relação às belezas e potenciais ambientais de nosso país.
Em tempos de debates inflamados pelas queimadas na Amazônia e de discursos manchados pelo óleo derramado no Nordeste o Brasil tem uma missão pela frente, buscar restaurar e fiscalizar de modo eficiente a maior riqueza do país, que é o seu meio ambiente.
Giovanna Ghersel é advogada especializada em direito penal e direito processual penal
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