Lei do Stalking: avanço ou retrocesso para as mulheres?

Relatórios de transparência das grandes plataformas de redes sociais refletem que há milhares de conteúdos removidos em razão de bullying, assédio e abuso/Pixabay
Relatórios de transparência das grandes plataformas de redes sociais refletem que há milhares de conteúdos removidos em razão de bullying, assédio e abuso/Pixabay
Norma é mais um passo no reconhecimento de que a violência física e psíquica é problema sistêmico em nossa sociedade.
Fecha de publicación: 10/05/2021

A conduta de perseguição, também chamada de stalking, passou a ser tipificada como crime desde o dia 1º de abril quando entrou em vigor a Lei n. 14.132/2021, que acrescentou o artigo 147-A ao Código Penal. Pratica crime quem “perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade”. 

Veio em boa hora a inovação legislativa, preenchendo uma lacuna da lei que mantinha impune a conduta, infelizmente já bastante comum, de importunação reiterada e obsessiva de vítimas – em geral mulheres – causando-lhes desassossego físico ou psicológico.


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Até então, se não houvesse o emprego de violência ou grave ameaça aptas a configurar o crime de constrangimento ilegal, tampouco o risco concreto e iminente de mal injusto e grave, necessário para a tipificação do crime de ameaça, a conduta poderia viabilizar, no máximo, uma acusação criminal por contravenção penal de perturbação da tranquilidade, cuja pena prevista era de apenas quinze dias a dois meses de prisão. 

Aquele sujeito que perseguia diuturnamente uma ex-namorada no percurso de sua casa até seu ambiente de trabalho, que permanecia a noite toda em vigia em frente à sua residência, que encaminhava dezenas de mensagens em seu celular ou que comentava todas as suas postagens em redes sociais não estava cometendo crime algum, mas no máximo uma contravenção penal de perturbação da tranquilidade.

A tipificação do stalking, portanto, caminha na direção de uma tutela cada vez mais efetiva da integridade física e psíquica da mulher, iniciada no Brasil com a Lei Maria da Penha em 2006, incrementada pela inclusão do feminicídio ao Código Penal em 2015, e agora complementada em 2021 pelo crime de perseguição. 

Há, entretanto, três pontos que merecem atenção. A lei agora promulgada expressamente revogou a contravenção penal de perturbação da tranquilidade, de modo que um ato de perseguição isolado, sem a habitualidade que caracteriza o novo crime de stalking, passou a ser conduta atípica.

O cobertor não deveria ser curto na proteção da integridade física e psíquica da mulher: a omissão legislativa anterior, que deixava de punir com mais rigor a perturbação reiterada da vítima, não deveria ter sido sanada deixando agora desprotegidas as mulheres que veem sua tranquilidade perturbada em um ato isolado. 

Mais do que isso: a redação do tipo penal não parece ter sido a mais acertada, já que um leitor mais desatento pode concluir que é crime perseguir alguém, mediante uma das seguintes condutas:  ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou  invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Com essa leitura, a ameaça à integridade física ou psicológica seria apenas uma das três formas de perseguir alguém. 

Fosse assim, o Brasil estaria indo na contramão da tendência mundial que busca criminalizar apenas a perseguição que causa medo ou sofrimento à vítima. 

A melhor interpretação da norma, portanto, é aquela que entende que há apenas duas formas de se perseguir alguém: restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou invadindo/perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Essa perseguição, por sua vez, é aquela caracterizada pela ameaça à integridade física ou psíquica da vítima. Ou seja, não é qualquer perseguição que é crime, mas apenas aquela perseguição que ameaça as condições físicas ou psíquicas da pessoa perseguida. 

Por fim, o legislador previu que essa perseguição pode se dar “por qualquer modo”, incluindo no crime de perseguição a conduta que se dá por meio virtual, seja por e-mail, mensagens instantâneas ou comentários em plataformas digitais, conduta já apelidada de cyberstalking

Embora as formas de perseguição física e virtual sejam distintas e haja quem defenda que deveria haver dois tipos penais diferentes, entendemos que o legislador caminhou bem em reconhecer que a perseguição virtual também deve ser punida e repreendida socialmente. Os relatórios de transparência das grandes plataformas de redes sociais refletem que há milhares de conteúdos removidos em razão de bullying, assédio e abuso. 


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Entre erros e acertos, com essa novidade legislativa mais um passo é dado em direção ao reconhecimento de que a violência física e psíquica é problema sistêmico em nossa sociedade, que merece a excepcionalidade da tutela penal. 

*Bruna Borghi Tomé é sócia na área de Cybersecurity & Data Privacy e Isadora Fingermann é sócia na área de Penal Empresarial do TozziniFreire Advogados.

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