Brasil: virtude e defeito da Lei Anticorrupção

Brasil: virtud y defecto de la Ley Anticorrupción
Brasil: virtud y defecto de la Ley Anticorrupción
Fecha de publicación: 15/09/2015
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A Operação Lava Jato tem marcado um antes e um depois nas investigações sobre casos de corrupção e na cultura legislativa brasileira. Cinco advogados expertos em delitos societários falam sobre o que Brasil necessita para melhorar os níveis de cumprimento normativo no país: responsabilidade corporativa, garantias para os investidores e colaboração com a justiça. 

Por Lara Valência

O desenlace do escândalo de corrupção da Petrobrás ainda está por ser determinado. Se bem o Governo de Dilma Rousseff já tem sido profundamente golpeado, o caso adquire cada vez mais suspenso num cenário novo para a sociedade brasileira: as instituições lutando por regular e legislar com mais força que nunca o cumprimento e a responsabilidade corporativa.

Diz a Petrobrás em sua página web que é reconhecida mundialmente - a petroleira tem presença em 24 países ademais do Brasil - por sua tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas, mas ninguém pode ocultar que a Petrobrás é desde março de 2014 reconhecida pelo maior escândalo de corrupção provavelmente da história do Brasil.

Com mais de 20 processos ativos, a Operação Lava Jato tem se convertido no capítulo estrela desta trama. Começou faz mais de um ano como uma investigação da polícia federal brasileira sobre uma corrente de lavagem de dinheiro em postos de gasolina. Desde então, mais de uma dúzia de empresas construtoras têm sido acusadas de pagar subornos utilizando intermediários para conseguir contratos milionários com a Petrobrás.

Esta operação evoluciona cada dia, colocando à luz novos nomes de figuras políticas ou altos executivos empresariais implicados na rede de corrupção. Não existem cifras oficiais ainda, mas as informações falam até a data de possivelmente centenas de milhões de dólares. Paulo Yamaguchi, associado em Tess. Advogados, considera que “o alcance das consequências ainda está por ver-se. Seguramente como resultado haja uma grande limpeza e mudanças nas relações com as empresas do Estado, as controladas pelo Estado e as aquisições governamentais. ”

Falta de garantias e compensação para investidores estrangeiros

Os processos judiciais no Brasil são lentos e a falta de garantias em matéria corporativa pode produzir um efeito de "fuga" entre os investidores estrangeiros. As empresas internacionais podem questionar os benefícios de investir no país latino-americano, não só pelo deterioro das finanças públicas, o déficit e a recessão da economia – The Economist tem declarado que os mercados não confiam em que a presidente Dilma Rousseff saiba tirar o Brasil da recessão – devido a inexistente cultura da compensação.

Fabíola Rodrígues, sócia do departamento de direito criminal empresarial de Demarest Advogados, fala do risco da fuga de investidores: “Da mesma maneira que não temos o costume e a cultura da evidência, é complicado que se deem as circunstâncias para poder oferecer uma compensação aos investidores estrangeiros. Quando falamos de compensação falamos mais de direito civil que de direito criminal. Obter compensação leva muito tempo. O processo pode ser muito lento e complicado. A compensação pode ser tramitada quando falamos de pequenas quantias de dinheiro. Obviamente esta conjuntura faz que seja muito difícil atrair investidores”.

A finais de 2014 seis firmas de advogados estadunidenses tinham começado ações de classe contra a Petrobrás, com o fim de recuperar o dinheiro dos investidores americanos que tinham perdido milhares de milhões de dólares devido ao escândalo de corrupção. A firma americana Wolf Popper LLP, em conjunto com a firma brasileira Almeida Advogados, foi a primeira em apresentar uma ação de classe nos EE. UU. contra a empresa estatal brasileira. O processo de investigação está sendo realizado numa corte federal de Nova Iorque.

Isabel Franco, sócia do departamento de direito corporativo de Koury Lopes Advogados, e com amplo conhecimento da legislação estadunidense na matéria, opina sobre as diferenças entre os legisladores brasileiros e os legisladores do mundo anglo-saxão: “É obvio que a regulação de valores no Brasil é menos sofisticada que a dos Estados Unidos. Ali o mercado de valores está disponível para tudo o mundo. Muitas pessoas e estados inteiros - Florida e Arizona, por exemplo - dependem dele, de tal maneira que a Comissão do Mercado de Valores se converte numa questão de honra para proteger os investidores. Por outra parte, os litígios de valores no Brasil, no caso das empresas controladas pelo Estado como a Petrobrás, poderiam ser um furo preto para os investidores se as autoridades tratam a Petrobrás como uma vítima de seus predadores. Estes investidores não são tão ingênuos como para crer que existe uma agência ou um mecanismo no Brasil que vai compensar os danos que resultam destes esquemas de corrupção. Não têm outra opção que acionar contra a Petrobrás fora do Brasil”.

A Lei Anticorrupção 12.846/2013 foi aprovada em agosto do 2013 e entrou em vigor em 29 de janeiro de 2014. O texto estabelece a responsabilidade civil e administrativa pelos atos de corrupção cometidos por indivíduos e corporações. Fundamentalmente é uma lei de responsabilidade objetiva e alguns expertos dizem que tem colocado o Brasil em boa posição para lutar contra a corrupção a nível global.

Colaboração premiada: ¿Traição entre criminais ou apoio à justiça?

As investigações da Operação Lava Jato estão sendo realizadas na cidade de Curitiba, capital do Estado do Paraná, onde uma equipe de procuradores e expertos em crimes financeiros lideram a investigação. O mecanismo utilizado nesta operação inclui interrogatórios a testemunhas e suspeitos, cuja eficiência está sendo fomentada graças à colaboração premiada.

A colaboração premiada é um acordo assinado pelo Ministério Público e a Polícia Federal, pela que o acusado ou suspeito de ter cometido crimes se compromete a cooperar com a justiça a câmbio de benefícios como a redução da pena. Esta colaboração está prevista pela lei 12.850 do 5 de agosto de 2013.

Sérgio Moro, o juiz federal que dirige a Operação Lava Jato, tem experiência em investigar tramas de corrupção, subornos e lavagem de dinheiro. Moro tem tido que explicar em várias ocasiões perante a mídia, a importância e a eficiência de ferramentas como a colaboração premiada na justiça. Inspirado pela operação Mãos Limpas na Itália a princípios dos 90, Moro tem declarado que "às vezes as únicas pessoas que podem servir como testemunhas de crimes são os mesmos criminais”. O juiz também faz ênfase no sucesso que a delação ou colaboração premiada – termo preferido pelos advogados e jornalistas – tem tido na resolução de crimes nos Estados Unidos.

As opiniões de Moro são respaldadas por vários advogados expertos em casos de corrupção corporativa e Franco afirma que “nos EE. UU., a ética prevalece em nome da sociedade. Para mim é difícil compreender a mentalidade no Brasil que critica a denúncia de irregularidades como se se tratasse de um defeito moral. Quê pode ser pior que um grupo de delinquentes que se defende em segredo entre eles e se tratam com lealdade? Quê direitos morais tem um criminal num grupo que age contra a sociedade? Por quê um criminal requer proteção quando está em contra da sociedade em seu conjunto? O crime organizado não tem limites e clama valores familiares que só se aplicam entre eles. Isso é definitivamente um princípio moral retorcido. É egocêntrico e egoísta, pois só beneficia os próprios delinquentes em prejuízo da sociedade em seu conjunto. ”

A delação premiada tem existido em direito criminal no Brasil desde 1995, embora os acordos formais começaram com a entrada em vigor da Lei 12.850. Esta lei define o mapa de colaboração e persegue objetivos como que se identifiquem coautores e participantes na organização criminal, que se descubram as estruturas jerárquicas e sua divisão de funções na organização criminal, a recuperação total ou parcial das rendas, a prevenção de novos delitos ou a liberação segura das vítimas. Em defesa da colaboração premiada, a Procuradoria tem declarado que o sucesso que está tendo a Operação Lava Jato se deve aos convênios de colaboração entre procuradores federais e investigados.

Rodrígues fala da importância de que as leis regulem tanto a delação como a negociação. “Dez dias depois da promulgação da Lei Anticorrupção foi criada uma lei anticonspiração. Esta lei regula os procedimentos que podem ser realizados na colaboração premiada. É muito importante que exista regulação, antes não tínhamos leis que regulassem isto. As grandes corporações têm jerarquias muito extensas – diretores, subdiretores, gerentes, altos executivos – e antes da promulgação destas leis era muito complicado começar uma investigação, conseguir evidência, ordenar prisões ou sentenciar condenas. Sérgio Moro fala da importância da colaboração porque agora ao menos contamos com a possibilidade de que haja confissões. Isso não formava parte de nossa cultura, ou fazer uma confissão para conseguir que se mitigue a pena. O resultado acostuma ser positivo, mas a maneira em que os juízes utilizam isto pelo outro lado é questionável. Tem sido gerado medo, temos de lembrar que pela primeira vez no Brasil, estamos vendo altos cargos da política e do mundo empresarial colaborando. Há pressão e não creio que se faça de forma voluntária. De alguma maneira é como um jogo, não creio que se apresente toda a evidência disponível e não sabemos ainda qual vai ser a conclusão do caso. ”

A incerteza de saber como terminará este processo não permite tirar conclusões ainda, mas sim desenha o âmbito perfeito para analisar e questionar o sistema judicial do Brasil, o nível de cumprimento de normativa e o conceito de responsabilidade corporativa. Os expertos falam da corrupção endêmica como o mal responsável de que se produzam cenários adequados para o roubo e a malversação. Quê significa o conceito de responsabilidade corporativa no Brasil? Paulo Yamaguchi pensa que ainda se encontra em desenvolvimento: “Filiais de multinacionais têm adotado normas de cumprimento nos negócios e exigem que todas as partes se somem a combater o suborno e aplicar as regras anticorrupção”.

Na mesma linha, Dominic Minett, membro do Charter of the Institute of Arbitrators – FCIArb – se mostra otimista ao avaliar quê vai cambiar na forma de fazer negócios e cumprir a lei no Brasil: “Pode que a corrupção tenha sido endêmica, mas creio que a maioria dos brasileiros agora está vendo como seu próprio comportamento pode ter estimulado a corrupção e tem decidido cambiar. Isto vai influir para que as empresas e as instituições mudem também”.

A Lei Anticorrupção, uma medida feita sob a pressão internacional

Cabe perguntar-se quais são os motivos que fizeram que o Governo de Dilma Rousseff tivesse que aprovar a Lei Anticorrupção num tempo recorde. Está a natureza desta lei vinculada a uma tentativa genuína por regular a responsabilidade corporativa ou responder à necessidade de limpar a imagem do país? Rodrígues responde: “creio que tem sido a pressão internacional o que tem provocado esta resposta, pois antes não tínhamos uma lei anticorrupção como tal. Trás tantos escândalos, este é o momento de contar com a legislação. Ao fim de contas, quando falamos de corrupção estamos falando também dos indivíduos. Alguém que vai receber uma sanção. A Lei Anticorrupção tem feito que a sociedade e os juízes pensem na justiça de outra maneira. É importante limpar a imagem do país, mas antes disso tem que mudar a cultura, isto é muito mais urgente”.

O fato de que a lei fosse aprovada sob pressão não deixou tempo para fazer um estudo legal em profundidade de como aplicá-la. Franco faz ênfase neste aspecto afirmando que “o projeto de lei ficou estancado na câmara baixa por um longo tempo e só trás as manifestações de rua de 2013, a Administração de Dilma decidiu aprová-la. Fez-se sem nenhum estudo legal adicional nem consultas à sociedade. Vários conceitos da lei deveriam ter sido revisados antes de promulgar a lei, mas como quase tudo na Administração de Dilma, a promulgação da Lei Anticorrupção tinha sido abortada. Definitivamente não foi uma tentativa genuína de regular a responsabilidade corporativa, senão, não mais, uma resposta rápida e irresponsável à pressão internacional e de rua. ”

Os pontos débeis da Lei Anticorrupção se fazem visíveis se pensarmos em quem e quantos são aqueles com capacidade para aplicá-la. “No âmbito federal só tem uma autoridade competente: a Controladoria Geral da União, mas a nível estatal e municipal tudo fica nas mãos das mesmas autoridades que participam nas práticas de corrupção” explica Franco.

Fábio Marques, membro da Ordem de Advogados do Brasil, secional de São Paulo e chefe do Departamento de Direito Corporativo de LCL Solicitors, crê que a burocracia é responsável de alimentar os corruptos: “A burocracia é a alma da corrupção. A organização político-administrativa brasileira tem mais de 5.000 municípios, todos com suas câmaras, legislaturas e orçamentos. Se a média for de cinco vereadores por município, estamos falando de milhares de vereadores. Se cada um tem dois assessores falamos de um mínimo de 30.000 assessores, mais os carros, a gasolina, os orçamentos, etc. As contas são grandes e as possibilidades muitas. ”

Estes obstáculos são mais fáceis de identificar se se faz uma comparação entre a Lei 18.846/2013 do Brasil e as leis anticorrupção dos EE.UU e do Reino Unido. No Brasil uma multidão de autoridades pode aplicar a lei. “Sem dúvida, este é um grande defeito em comparação com os EE. UU., onde o Departamento de Justiça e a Comissão do Mercado de Valores são os que têm a autoridade para fazer que se cumpra a lei. Igual que no Reino Unido, onde a Agência de Fraudes Graves por si só pode trabalhar no caso. A FCPA dos Estados Unidos (Foreign Corrupt Practices Act) tem disposições muito claras que nem sequer se tinham pensado na Lei Anticorrupção do Brasil. Foi só no regulamento desta (Decreto 8,420 de março de 2015), onde se mencionam brevemente por primeira vez” explica Franco.

O texto da Lei Anticorrupção brasileira, de aplicar-se em países com níveis de corrupção mais baixos e instituições mais fortes, serviria para evitar que uma empresa – neste caso a Petrobrás – seja vista como a vítima de uma diretoria criminal. O problema reside em como os legisladores brasileiros têm estabelecido o conceito de responsabilidade objetiva. A FCPA dos EE.UU. no contempla a responsabilidade objetiva, já seja por escrito na lei ou por interpretação judicial e a Bribery Act 2010 do Reino Unido incorpora como delito a negligência corporativa por não prevenir o suborno.

Franco explica que segundo o texto, à lei não deveria importar se a empresa é vítima, adicionando que “me custa entender como esta lei estabelece a responsabilidade objetiva pois neste âmbito tem sido demonstrado o difícil que é castigar uma pessoa jurídica criminalmente por estes crimes. Em qualquer caso, a Lei Anticorrupção não é uma lei criminal precisamente porque os legisladores brasileiros não podiam ver a diferença no resultado final de chamar "ato ilícito" a um "delito" quando se tratar de uma entidade. Porque, ao final, a pessoa jurídica não é detida - só paga as multas - e, portanto, o resultado é o mesmo que o de uma lei que estabelece responsabilidade civil e administrativa”.

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