Como o Coringa abrange discussões sobre psicopatia e sistema prisional

Coringa - Crédito Divulgação
Coringa - Crédito Divulgação
Sistema penal brasileira considera doentes mentais inimputáveis e adota medidas de segurança
Fecha de publicación: 15/10/2019
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Um triste palhaço força um sorriso que se transforma em riso incontrolável. Diante das surras da vida e da negligência estatal, Arthur Fleck – o inconfundível Coringa – se funde as suas alucinações e dá vida a um dos maiores psicopatas da história em quadrinhos. Se a arte imita a vida ou a vida imita a arte é só uma questão de perspectiva, diante da crise de violência que se alastra nas sociedades.

Para Arthur Fleck, interpretado pelo ator Joaquim Phoenix, “A pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como se não tivesse”. Assim, depois chegar ao extremo, o personagem reage violentamente, deixando pairar a dúvida se ele teria chegado a esse ponto de qualquer forma ou se as circunstâncias forçaram essa reação absurda que nós chamamos de Coringa.

Nem toda doença mental gera incapacidade, sendo assim, o Sistema Penal Brasileiro considera como inimputável apenas aquele doente mental que, ao tempo da ação ou omissão, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato [1].

O indivíduo que entende a ilicitude do fato, mas não consegue se controlar, poderia ser considerável semi-inimputável, o que lhe daria a possibilidade de reduzir sua pena entre um a dois terços [2].

No caso dos inimputáveis e dos semi-inimputáveis é possível a aplicação de medidas de segurança como internação ou tratamento ambulatorial que não possui tempo determinado para a liberação do paciente. 

Contudo, há certos transtornos que não possuem cura e não são considerados como uma doença mental. Tal é o caso da psicopatia que, de acordo com o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM IV), é a forma mais grave de um transtorno de personalidade antissocial.

Esse transtorno tem como principais características a falta de empatia, a manipulação e não conformismo com normas legais e sociais. Na sua forma extrema pode levar o indivíduo a praticar condutas violentas, como os assassinos em série.

Os psicopatas nem sempre são monstros ou pessoas extremamente violentas. Um estudo constatou que um a cada cinco CEOs (presidentes de empresas) possuem tendências à psicopatia [3]. Isso se justificaria porque para alcançar postos de liderança, pessoas que colocam suas ambições como prioridade e não têm escrúpulos para alcançar seus objetivos possuem uma vantagem em comparação aos seus colegas mais empatas.

Contudo, a psicopatia em níveis extremos é danosa à sociedade. Psicopata clássico da história brasileira, Francisco de Assis Pereira – mais conhecido como o Maníaco do Parque - assassinou 7 mulheres, e deve ser solto em 2028 [4].  Já o psicopata Pedrinho Matador, que chegou a assassinar mais de 100 pessoas, inclusive o próprio pai, já cumpriu sua pena e hoje tem um canal no Youtube como comentarista de crimes.

Diagnosticados com psicopatia, ambos não foram considerados como semi-inimputáveis porque, de acordo com o psiquiatra Talvane de Moraes [5], a psicopatia é uma alteração da personalidade, mas que mantém o juízo da realidade, ou seja, não poderia ser considerado uma doença.

O psicopata tem total consciência do ilícito, mas não se importa em praticá-lo, diferente do inimputável, que não entende o que faz, ou do semi-inimputável, que até entende, mas não possui controle sobre si mesmo.

O problema em questão é: o que fazer com esses indivíduos quando eles saem da prisão? 

Se fossem considerados doente mentais, poderiam receber o tratamento e cuidado adequado dentro de uma facilidade psiquiátrica, que os acompanharia por tempo indeterminado. 

Condenados como um indivíduo com padrões psicológicos “normais”, esses indivíduos cumprem sua pena e saem em liberdade, sem o cuidado do Estado para assegurar a sua segurança e de outros, devido a sua condição.

A Justiça reluta em classificar o psicopata como semi-inimputável porque isso acarretaria a diminuição da pena, mas tratá-lo como homem comum – sendo que o seu transtorno aumenta em até 4 vezes a chance de reincidência do crime [6] - também põe a sociedade em risco. Ainda há o fato de que não existe consenso sobre eles terem ou não controle sobre seus impulsos.

Será que separar completamente esse indivíduo da sociedade, mantendo-o em cárcere privado pelo máximo de tempo possível, é a forma mais eficiente de se lidar com esse transtorno?

A sociedade se sente segura sabendo que Pedrinho Matador, que assume ser um psicopata, que assume não sentir remorso e que, assume ainda ter vontade de matar, está à solta e sem monitoramento?

O Sistema Jurídico Brasileiro ainda não sabe o que fazer com os psicopatas. Tratar como homem médio? Tratar como mentalmente insano? Talvez esse tipo de transtorno precise de um tipo específico de tratamento que ainda não foi pensado juridicamente. Contudo, é preciso perceber as falhas do atual sistema e buscar meios mais seguros de lidar com todo e qualquer tipo de transtorno mental.

Arthur Fleck associa sua existência à criação do Coringa. Ele só é visto quando chega ao seu extremo, comete crimes e deixa seus problemas mentais tomarem controle de suas ações. A piada pode ser mortal, mas a tese é verdadeira, "só é preciso um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático!" [8]

Giovanna Ghersel é advogada do Lima, Nunes, Volpatti - Advocacia e Consultoria é especializada em direito penal e processual penal

[1] Art. 26 Código Penal

[2] Art 26 § único Código Penal.

[3] https://g1.globo.com/economia/concursos-e-emprego/noticia/por-que-o-mercado-costuma-empregar-psicopatas-em-postos-de-chefia-e-por-que-isso-pode-ser-um-erro.ghtml

[4] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/08/26/preso-ha-20-anos-em-sp-maniaco-do-parque-deve-ser-solto-em-2028.ghtml

[5] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2018/08/26/preso-ha-20-anos-em-sp-maniaco-do-parque-deve-ser-solto-em-2028.ghtml

[6] https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-44731567

[7]  https://www.youtube.com/watch?v=htVjVUXf2n4

[8] Batman- A Piada Mortal – Alan Moore e Brian Bolland. Editora Panini. 2019

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