As lições do caso Chevron e uma análise sobre a ética profissional

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Chevron chegou a ser condenada em 2011 por um tribunal equatoriano no litígio meio ambiental. A decisão arbitral pronunciada em 2018 pela Haia qualificou aquela sentença como corrupta ao mesmo tempo que um dos advogados do caso foi suspenso do exercício em Nova Iorque
Fecha de publicación: 13/09/2019
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Faz pouco mais de um ano, o famoso litígio, por contaminação ambiental, conhecido como caso Chevron no Equador, deu um giro inesperado. A petroleira se enfrentava desde 1993 a uma série de denúncias interpostas por comunidades indígenas e de camponeses, quem acusou à empresa de verter resíduos tóxicos e contaminar a selva equatoriana. Os querelantes, habitantes da zona de Sucumbios, acudiram a instâncias judiciais em Nova Iorque para interpor a denúncia. A empresa assinalada pelos vertidos contaminantes era a Texaco Petroleum Company (TexPet), mas os denunciantes se querelaram contra a Chevron, pois esta tinha comprado a TexPet em 2001.

O caso passou décadas dando voltas pelo mundo em diversas instâncias judiciais e basta com revisar os titulares da imprensa para entender porque a evolução do processo se seguiu como se de uma série de Netflix se tratasse. Durante os primeiros anos, os querelantes equatorianos perderam vários juízos, mas no ano 2011 Steven R. Donziger, quem representou aos moradores da Amazônia em Nova Iorque, ganhou uma ação contra a Chevron na jurisdição equatoriana. A transnacional foi assim condenada pelo Tribunal Provincial de Sucumbios a pagar 9,5 bilhões de dólares aos afetados.

Hoje a figura de Dozinger formula todo tipo de interrogantes e debates na profissão legal. O advogado, que passou anos detrás do litígio culpando a Chevron por contaminar a selva equatoriana, foi suspenso em julho de 2018 do exercício de sua profissão em Nova Iorque por um tribunal estatal de apelações. No ano 2014, o juiz de distrito estadunidense, Lewis Kaplan, tinha pronunciado que Donziger e sua equipe legal usaram suborno, coação e fraude para obter a sentença no Equador, proibindo-lhes "tirar proveito de qualquer forma da fraude ocorrida". Naquela decisão de julho de 2018, cinco juízes de Manhattan outorgaram uma ordem solicitada pelo comitê de queixas de advogados do departamento que encontrou a Donziger culpável de má-conduta profissional.

En setembro de 2018, chegou a  decisão arbitral a favor da Chevron pronunciada por um tribunal dependente do Tribunal Permanente de Arbitragem da Haia, fazendo responsável ao Equador  por denegação de justiça, por violação ao princípio de tratamento justo e equitativo — previsto no Tratado Bilateral de Investimentos assinado com os Estados Unidos — e por descumprimento das decisões arbitrais prévias que estabeleciam medidas cautelares. A estratégia da Chevron tinha sido solicitar da Haia que o Estado equatoriano assumira a multa de 9,5 bilhões de dólares. Entretanto, os querelantes não conseguiram homologar a sentença no Equador, EE.UU., Canadá, Argentina nem no Brasil por falta de jurisdição. Ao dia de hoje, a sentença de Sucumbios só tem sido ratificada em instâncias equatorianas.

Alguns dos elementos a distinguir para entender a complexidade do caso e seu impacto é o que há ocorrido nos tribunais de arbitragem internacionais e o decidido em tribunais do Equador. Sobre a decisão da Haia, Pablo Fajardo, advogado da União de Afetados e Afetadas pelas Operações Petroleiras da Texaco (Udapt) e quem há representado, nestes 25 anos, aos moradores do Equador, questiona que se estivesse intercedendo sobre a soberania do Estado equatoriano. Alberto Navarro, atual integrante do Bar Issues Commission e ex-presidente do Comitê de Ética da IBA, conversou com a LexLatin para refletir sobre as aprendizagens que, para um exercício do direito desde a ética, se podem extrair do caso Chevron.

Sobre o transcorrido em tribunais equatorianos, Navarro parte do asceticismo, pois a primeira dúvida, segundo ele, é se o Tribunal Constitucional do Equador pode estar politicamente contaminado. “O Tribunal do Equador se parece mais a um Tribunal venezuelano hoje ou goza do prestígio de outros Supremos Tribunais na região, como o da Argentina ou o do Uruguai?”.

A segunda formulação que faz é que se forem várias as decisões arbitrais que contradizem a decisão da justiça equatoriana “será por algo”, embora reconheça que também cabe perguntar-se se na formação dos tribunais e pronunciamento da decisão não houve nenhum tipo de conflito de interesse. “Todos sabemos que os tribunais arbitrais muitas vezes estão formados por advogados prestigiosos, mas com interesses”.

Andrés Romero, conselheiro supervisor da transnacional, afirmou, em conversação com a LexLatin, que “é a firme opinião da Chevron que todo tribunal que respeite o Estado de direito se haveria negado a executar esta fraudulenta sentença. As sentenças de numerosos tribunais fora do Equador respaldam esta conclusão”. Por outro lado, segundo a petroleira, os querelantes no Canadá “desistiram da ação de modo incondicional e definitivo, o que ficou confirmado em uma ordem datada 5 de julho de 2019”.

Navarro entende que, quando se trata de levar casos de contaminação meio ambiental aos tribunais, se deem os fatores para não entender com claridade onde fica a condenação criminal e onde fica a ética. Fala da contaminação meio ambiental ligada à corrupção como “a grande história do século XX” e não lhe surpreende que o litígio leve já mais de 25 anos indo de um tribunal a outro:

“Neste caso tens por un lado a Donziger, que é julgado por Kaplan não só por questões éticas. Creio que aqui há uma mistura entre sanção ética e sanção criminal”.

Navarro lembra que há que formar aos advogados de todo o mundo em valores. “O que for delito é delito. Se Donziger obteve uma sentença equatoriana contra a qual vieram arbitragens porque utilizou criminalmente as armas legais, haverá uma nulidade. Se o advogado tivesse razão, mas carecesse de ética, é outra cosa. O problema é a mistura”. Por parte da Chevron, Romero afirma que “a República do Equador não há tomado ainda medida alguma para corrigir a fraude no litígio”.

Como advogado habitualmente envolvido em foros onde se fala da ética na profissão, a Navarro lhe interessa distinguir o que tem que ver com conflitos jurisdicionais do demais. Diz que o objetivo não é esclarecer isso. “Aqui o interessante é saber se Donziger cometeu delitos conjuntamente com o Tribunal equatoriano ou se o fez inclusive sem conhecimento do Tribunal. E se não houve delito, cometeu faltas éticas? Estamos falando de uma conduta ética, antiética ou criminal? São questões diferentes e são distintos tribunais os que têm que julgá-lo. Talvez os querelantes se equivocaram de advogado em Nova Iorque. Talvez tinham razões para querelar, mas foram demasiado longe e quiseram chegar à extorsão”. 

Navarro crê que o caso Chevron tem muitas arestas. Afirma que, muito independentemente de quem perder ou ganhar as decisões arbitrais, de se no Equador há separação de poderes ou não e de se o juiz Kaplan se pronunciou sobre o criminal ou sobre o ético, Donziger responde à carência de ética, “uma grave enfermidade do mundo de hoje”.

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