Ainda não está claro como calcular indenização de concessionário

Marcelo Viveiros de Moura - Crédito Divulgação
Marcelo Viveiros de Moura - Crédito Divulgação
Marcelo Viveiros de Moura, sócio do Pinheiro Neto, analisa o decreto de relicitação
Fecha de publicación: 18/09/2019

O decreto de relicitação de contratos com o setor privado, publicado pelo presidente Jair Bolsonaro no início de agosto, não deixa claro como o poder público vai calcular o valor a ser pago de indenização para as companhias que atualmente cuidam de concessões, avalia o advogado Marcelo Viveiros de Moura, em entrevista ao LexLatin.

Sócio do Pinheiro Neto, com ênfase nas áreas de petróleo e gás, project finance e fusões e aquisições, Moura é formado em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e possui LLM de Cambridge.

Que aspectos do decreto merecem destaque?

A regulamentação do processo de relicitação é muito bem-vinda, mas a expectativa em torno do assunto vem se prorrogando desde 2017, quando a relicitação foi criada em lei. Não deixa de chamar a atenção, em primeiro lugar, o atraso na publicação desse decreto que era chamado de o “decreto da semana que vem”, que nunca chegava. Diversas concessionárias em situação financeira delicada desde aquela época, na expectativa de encontrar uma saída pela relicitação, deixaram de buscar outras alternativas nesses últimos dois anos. E aquelas que buscaram, por outro lado, quase sempre encontraram resistência por parte de credores e, principalmente, das agências reguladoras. Tudo isso, aliado à recuperação lenta da economia, agravou o problema, o que tornará a discussão em torno de pontos como indenização e continuidade de serviços públicos mais complexa.

Quanto ao conteúdo do decreto em si, merecem destaque exatamente as regras referentes à indenização que deverá ser paga pelo Estado às concessionárias a serem substituídas. Parece haver bastante discricionariedade do Governo Federal quanto a esse ponto. Há determinação também de que essa indenização sofrerá desconto correspondente a outorgas, multas e outras somas de natureza não tributária devidas pelo contratado até o momento do pagamento da indenização. Isso certamente torna o processo menos atrativo, já que muitas dessas obrigações se acumularam exatamente nos últimos anos para algumas das concessionárias, que já buscavam alguma compensação do poder público pela via administrativa ou judicial.

Como o sr. vê os procedimentos definidos pelo decreto?

O procedimento de relicitação em si parece ser simples, com a apresentação de pedido pela concessionária junto de uma série de documentos e informações à agência reguladora competente. Há pontos em aberto que preocupam um pouco, como a ausência de regras claras sobre a continuidade dos serviços públicos durante a relicitação aprovada, assim como a falta de segurança de que, uma vez relicitado, o empreendimento permanecerá no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do Governo Federal. De modo geral, contudo, o procedimento em si não parece ser mais complicado que o de uma licitação comum.

E o impacto na economia?

Em um primeiro momento, parece ser natural que a relicitação atraia para os empreendimentos qualificados a atenção de investidores interessados em investir e operar aeroportos, rodovias e ferrovias no Brasil. A dúvida agora é saber, com as regras de indenização que estão na mesa, quantos desses empreendimentos buscarão de fato a relicitação, e quantos serão qualificados para iniciar o certame.

O sr. possui alguma crítica em relação ao decreto? Qual seria?

Como dito antes, as regras de indenização chamaram nossa atenção. Ainda não está claro de que maneira será feita a apuração e o cálculo da indenização a ser paga ao concessionário original. O decreto informa os valores que serão deduzidos de qualquer indenização (caso das multas e demais obrigações de natureza não tributária), mas faltam regras objetivas para o cálculo da indenização, que deverá ser certificado por empresa de auditoria independente.

Como o sr. vê a permissão para as empresas em recuperação judicial participarem dos processos de relicitação?

Esta é outra questão que ainda não está clara para nós. Do ponto de vista estritamente jurídico, a relicitação (cujo efeito prático inclui a transferência dos ativos do contrato de concessão para um novo contratado) é incompatível com o regime da recuperação judicial. O Decreto 9.957/19, muito embora tenha endereçado essa questão, parece apenas reforçar esse entendimento. Em uma primeira análise, nos parece que a relicitação seria uma alternativa do concessionário ao processo de recuperação judicial em curso. É difícil prever, contudo, como os credores das concessionárias em recuperação judicial que buscarem a relicitação irão se comportar. Nesse contexto, o caso de Viracopos (já em recuperação judicial) deverá se tornar referência sobre a matéria.

O decreto exige algum tipo de regulamentação adicional em sua avaliação?

Acreditamos haver, sim, pontos que necessitam de regras mais claras, ou ao menos esclarecimento quanto à interpretação. Uma regulamentação geral adicional talvez não seja o caso, mas talvez regras específicas para cada setor, que poderiam partir das próprias agências reguladoras. Isso porque, no final do dia, serão elas as responsáveis por conduzir boa parte do processo.

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