Fechando as portas do preconceito nos escritórios de advocacia

Advocacia tem importância direta na garantia dos direitos da população LGBTQIAP+, mas ainda mantém algumas discriminações/Freepik
Advocacia tem importância direta na garantia dos direitos da população LGBTQIAP+, mas ainda mantém algumas discriminações/Freepik
Mudar a cultura implica em enfrentar temas necessários para o crescimento sustentável.
Fecha de publicación: 30/08/2021

O dia 29 de agosto é considerado o "Dia Nacional da Visibilidade Lésbica”, data que faz alusão ao 1º Seminário Nacional de Lésbicas – Senale, ocorrido em 1996, que marcou o início da luta das mulheres lésbicas e bissexuais por cidadania e reconhecimento de suas identidades.

Desde então as mulheres lésbicas brasileiras, contrapondo-se à histórica anulação sofrida em todos os espaços da sociedade, inclusive dentro do próprio movimento LGBTQIAP+, se organizam para discutir e pensar políticas públicas de forma coletiva, voltadas às suas especificidades. O objetivo é buscar o rompimento de tabus em relação à sua sexualidade, combater a objetificação e garantir os seus direitos.

Importante lembrar que na década de 90, mesmo após a homossexualidade ter sido retirada do rol da Classificação Internacional de Doenças (CID – 10) pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pouquíssimos eram os direitos civis das pessoas LGBTQIAP+. Além disso, havia pouco entendimento do Judiciário acerca da necessidade de proteção destas pessoas contra práticas discriminatórias, e pouco, ou quase nenhum, reconhecimento de direitos de família aos casais não heterossexuais.


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No ano de 2001, casais não heterossexuais conquistaram o direito à pensão por morte do companheiro ou companheira, após judicialização de um caso em Porto Alegre (RS). No mesmo ano, após o falecimento da cantora Cássia Eller aumentaram os debates em torno do reconhecimento da maternidade socioafetiva, em razão da disputa judicial pela guarda de seu filho.

Na ocasião, o pai da cantora pretendia excluir a companheira de Cássia Eller, da convivência com seu filho. E foi apenas em 31 de outubro de 2002 que o juiz da Vara da Família e Sucessões do Rio de Janeiro concedeu a guarda definitiva à companheira, o que representou um marco na luta em prol da proteção das famílias de mulheres lésbicas e demonstrou a necessidade de repensarmos o conceito de família, tal qual trouxe a Constituição Federal em 1988.

Todavia, somente nove anos depois, após uma decisão histórica em 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar. E conferiu à união homoafetiva o mesmo tratamento legal atribuído às relações heterossexuais, estendendo direitos básicos, como a constituição das famílias, e sucessórios. A medida levou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2013, a regulamentar a decisão e determinar que cartórios brasileiros fossem compelidos a realizar casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

Em outra decisão histórica, no mês de junho de 2019, após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e do Mandado de Injunção 4.733, o STF, partindo do entendimento político-social do racismo e não apenas de seu critério biológico, reconheceu a LGBTIfobia como uma discriminação racista, punível nos termos da Lei Antirracismo (Lei 7.716/1989).

Como se vê, muito embora ainda estejam pendentes de análise e uniformização de entendimento pelo nosso Judiciário, temas como a concessão de licença-maternidade para ambas as mães lésbicas, graças à atuação conjunta da advocacia e do movimento LGBTQIA+, nas últimas décadas foram conquistados importantes direitos neste sentido. O que refletiu de forma direta no enfrentamento destas discriminações e promoção da igualdade material.

Sem dúvida, algumas conquistas também impactaram na garantia de direitos das mulheres lésbicas. Todavia, ao longo destes anos, observando sob a ótica exclusiva da sigla identitária lésbica, o que se vê é a permanência da invisibilidade e do preconceito, sendo que muitas mulheres preferem não assumir suas orientações sexuais no ambiente de trabalho, para se precaver contra atos discriminatórios a que são expostas.

Além de ser o mês da visibilidade lésbica, agosto é o mês da advocacia. Profissão que tem importância direta na garantia dos direitos da população LGBTQIAP+, mas que ainda mantém algumas destas discriminações e sofrem seus impactos, seja pela imposição dos padrões masculinos às mulheres, seja pela forma inadequada em como esse tema é abordado.

Durante muito tempo, as sociedades dos escritórios de advocacia eram formadas exclusivamente por homens. Com a evolução do debate em relação à diversidade e dos avanços conquistados, o cenário foi oxigenado. Todavia, essas posições dentro das sociedades ainda são de predominância masculina. Na maioria dos casos, deixando claro que nenhuma delas deve sentir-se legitimada para ocupar ou “ser ela mesma” nestes espaços.

Assim, ao mesmo tempo em que a visibilidade tem o poder de gerar transformação, a falta de representatividade reforça padrões que já deveriam ter sido desconstruídos há muito tempo.


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Se a ideia de ampliar culturas organizacionais do “be yourself” no mercado jurídico é uma necessidade atual e moderna, já se sabe também que um ambiente de trabalho saudável e livre de preconceitos, em que as pessoas não precisam gastar energia para “esconder” sua orientação sexual e identidade de gênero, é infinitamente mais propenso à inovação e à criatividade.

Fechar a porta do preconceito nos escritórios de advocacia implica em enfrentar temas difíceis dentro da sociedade, mas extremamente necessários para um crescimento sustentável. É necessário desmistificar antigos valores, identificar eventuais bases tóxicas dentro da cultura organizacional, exercer uma escuta ativa com as(os) colaboradoras(es), implementar políticas internas baseadas na equidade e criação de políticas afirmativas de contratação. E, ainda, refletir sobre a importância de tratar o assunto com profissionalismo e comprometimento. Visto que padrões conservadores não acompanham as necessidades sociais de um mundo em constante mudança.

*Fernanda Perregil é especialista em Direito do Trabalho e Sócia do Innocenti Advogados, head das áreas de ESG e Direito do Trabalho, Sindical e Remuneração de Executivos. Luanda Pires é advogada e sócia no Pires, Pratti & Soares Advogadas.

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