Homofobia não é opinião

Não são poucos os casos de violência contra a população LGBTQIA+ - que claramente configuram o crime específico apontado pelo STF/Fotos Públicas
Não são poucos os casos de violência contra a população LGBTQIA+ - que claramente configuram o crime específico apontado pelo STF/Fotos Públicas
Violência e declarações contra população LGBTQIA+ estão no centro do debate sobre liberdade de expressão no país.
Fecha de publicación: 28/10/2021
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Infelizmente, o Brasil é um país racista, mas não há dúvidas de que se, hoje, recriassem-se espaços públicos ou privados que só pudessem ser frequentados por pessoas brancas, seriam poucos os lunáticos que não se posicionariam contra essa aberração. Afinal, “não somos todos iguais?”, diriam os indignados, por aí. O silêncio de boa parte desses mesmos “propaladores da igualdade”, porém, costuma ser a resposta quando se fala e se prova que o Brasil é o país que mais agride e mata LGBTQIA+ do mundo. Por quê?

 

Vivemos tempos estranhos. Vemos “saírem do armário” não só os LGBTQIA+, mas uma horda de agressores incivilizados, que se sentem validados e autorizados a agredirem outras pessoas, tão somente porque não se encaixam no padrão heteronormativo de sexualidade e gênero. Só nessa semana, não só assistimos à vereadora mais votada da história de Belo Horizonte, Duda Salebert, sendo barrada em um salão de beleza, tão somente por não ser uma mulher cisgênera (veja-se que ainda há espaços destinados somente a uns, e não a outros, tal como se fazia em relação aos negros, pouco tempo atrás. Cadê os indignados, defensores da igualdade?), como ao jogador de vôlei Maurício Souza, em nome “do que é certo”, destilando ódio contra gays e transexuais, em suas redes sociais, atitude que levou à sua demissão, após pressão exercida por patrocinadores.


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Mas se formos um pouco além, veremos que travestis foram queimadas vivas, mortas a pauladas, decapitadas, tiveram o coração arrancado do corpo (sim, tudo isso aconteceu, muito recentemente, no Brasil. Mas como esperar outra coisa, se, em vida, elas sequer tinham direito de frequentar o banheiro público?). Talvez não seja exagero falar que, no Brasil, há um verdadeiro pogrom (movimento popular de violência dirigido contra uma comunidade) contra a população LGBTQIA+.

 

O curioso, ou trágico, é saber que, desde 2019, por força de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, LGBTfobia é crime inafiançável, e, ainda assim, os ataques se fazem cada dia mais presentes e constantes na sociedade brasileira. Dados do Anuário do Fórum de Brasileiro de Segurança Pública mostram crescimento superior a 20% no número de ocorrências em 2021, mesmo sendo fato que muitos estados sequer têm registros formais sobre o crime.

 

Não são poucos os casos de violência contra a população LGBTQIA+ - que claramente configuram o crime específico apontado pelo STF - registrados como simples ofensas, ou lesões corporais, o que acaba gerando uma absurda subnotificação – a qual, por sua vez, impede a criação de políticas públicas de combate efetivo à violência contra essa minoria.

 

O motivo de tudo isso? A discriminação estrutural contra a população LGBTQIA+: muitas das autoridades públicas, que deveriam incentivar o combate à impunidade manifestam publicamente o seu preconceito, e estimulam que a população faça o mesmo, pois “todos devem ter direito à liberdade de expressão”. Daí o sentimento de validação. Inclusive, não foram poucas as que apoiaram publicamente a atitude do salão de beleza que expulsou a vereadora mineira, bem como a do atleta homofóbico. E o direito à integridade física e moral, à vida e à dignidade da população LGBTQIA+, onde fica?

 

É importante destacar que toda e qualquer forma de discriminação ou discurso de ódio contra a população LGBTQIA+ não constitui apenas uma “opinião”, como creem muitos. Essas manifestações, realizadas por qualquer meio (inclusive WhatsApp e, principalmente, redes sociais), constituem crime inafiançável, com pena de reclusão de dois a cinco anos. Significa dizer que qualquer um até tem o direito de sentir incomodado com os LGBTQIA+ (muito embora, nesse caso, recomende-se a busca por um psiquiatra, como já disse Dráuzio Varella), mas não tem o direito de expressar seu ódio gratuito, pois, ao fazê-lo, está praticando um crime.

 

Para além da esfera penal, essa prática também pode dar causa ao dever de reparar civilmente os ofendidos, mediante o pagamento de uma indenização, pois agredir alguém em razão da sua sexualidade ou gênero é medida que viola os direitos da personalidade do indivíduo. Em alguns estados também há de se falar em ilícito administrativo, que dá causa ao dever de pagar multas.

 

É o caso de São Paulo, em que a Lei Estadual 10.948/2001 prevê sanções que chegam a R$ 87.270 (em valor atualizado), além de suspensão da licença estadual para funcionamento por trinta dias e cassação da licença estadual para funcionamento. O triste é saber que, em 20 anos de vigência da referida lei, foram aplicadas apenas 28 multas (que totalizaram apenas R$ 940 mil, em valores atuais), e nenhum estabelecimento teve a sua licença cassada, muito embora se saiba da existência de inúmeros outros que, vez ou outra, são palco de LGBTfobia.


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Mas falar em crime, indenização e multa ainda é pouco, pois, se todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, como determina a Constituição Federal de 1988, nada justifica que uma população viva em um verdadeiro regime de “apartheid”, sendo impedida de frequentar, em paz, os espaços públicos ou privados, já que, a qualquer momento, pode sofrer violência de qualquer natureza. E isso vai muito além do direito. É uma questão de cidadania, de ética e de educação.

 

*Felipe Caon é sócio do Serur Advogados e membro do Comitê Serur +Diversidade.

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