Orgulho LGBT: Os advogados que estão quebrando barreiras no mundo jurídico

Na última década, escritórios de advocacia e entidades começaram a discutir políticas de inclusão de profissionais LGBT/Pixabay
Na última década, escritórios de advocacia e entidades começaram a discutir políticas de inclusão de profissionais LGBT/Pixabay
Conheça histórias de profissionais que ajudam a mudar a forma como as firmas brasileiras lidam com a questão.
Fecha de publicación: 28/06/2021

O dia 28 de junho de 1969 é uma data histórica para toda a comunidade LGBTQIA+. Naquele dia, em Nova Iorque, há exatos 52 anos, as pessoas que frequentavam o bar Stonewall Inn resolveram enfrentar a polícia, depois de uma série de batidas realizadas na região com frequência. O local era frequentado por gays, lésbicas e pessoas trans.

A reação durou duas noites e resultou em algo que virou um legado para o mundo todo: a afirmação dos direitos de toda uma comunidade que só queria não ser discriminada por conta de sua orientação sexual. Um ano depois foi realizada a primeira parada do orgulho LGBTQIA+ para lembrar o episódio. E esse foi só o começo de uma história que tomou conta do mundo, num movimento que reafirma a disposição de toda uma parcela da população em busca da equidade de direitos.

Assim, todos os anos, o mês de junho (mas não só ele) é tempo de discutir os avanços dessa comunidade que já conquistou muito, mas que ainda está longe da tão sonhada igualdade.


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No caso brasileiro, a última década teve avanços importantes. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu equiparar as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Na prática, a união homoafetiva foi reconhecida como um núcleo familiar como qualquer outro, com direito a casamento e adoção, por exemplo.

Em 2019, o STF determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero fosse considerada crime semelhante ao racismo, inafiançável e imprescritível, punido com detenção de um a cinco anos de prisão.

No mundo jurídico, a questão ganha novos contornos, com a criação de diversos comitês de inclusão, principalmente entre os grandes escritórios nos últimos dez anos. Essa bandeira passou a ser uma exigência dos funcionários, especialmente os mais jovens, mas principalmente dos clientes, que estão preocupados cada vez mais com a questão de como o mercado vê a sua marca.

O problema é que, apesar das mudanças, os advogados LGBTQIA+ nem sempre se sentem confortáveis em se assumir perante seus colegas de trabalho. Em muitos lugares ainda acontecem, por exemplo, as piadinhas homofóbicas, além de práticas que dão a entender que o profissional homossexual ainda é pouco valorizado, depreciado num universo majoritariamente masculino, branco e heterossexual.

No Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, LexLatin foi atrás de histórias que mostram as mudanças que estão acontecendo no mercado jurídico.

O primeiro grupo de afinidade de um escritório no país

Frederico Martins

Frederico Martins tem 35 anos e é advogado sênior do escritório Mattos Filho na área de contencioso econômico (antitruste, concorrencial e defesa comercial), com atuação também em tribunais superiores, como STJ e STF. Ele é membro fundador do MFriendly, grupo de afinidade da banca criado em 2016, um dos primeiros entre escritórios de advocacia brasileiros. Além da atuação no comitê responsável pela definição das atividades do grupo, também é mentor de talentos LGBTQIA+.

“Há cinco anos não se falava disso aqui no Brasil, mas se falava lá fora. A mudança veio rápido como tudo hoje em dia. As empresas e os escritórios entenderam que a questão da diversidade é um diferencial competitivo. O maior ativo que um escritório pode ter é gente. Quando você entende o valor da diversidade, isso se torna uma decisão de negócios”, afirma.

Frederico conta que na época da faculdade, na Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG, ele preferiu não se assumir, por considerar o ambiente muito conservador – achou que não seria bem aceito.

“Quando me formei essas questões não eram debatidas. Não havia muita abertura para ser quem você é no ambiente de trabalho. Quem é LGBT tem esse receio e sair do armário não é um processo único. Tem várias saídas: com a família, amigos, na escola e no ambiente de trabalho”, diz. Na última semana, ele pôde falar do assunto na UFMG num evento sobre diversidade, como um exemplo a ser seguido no mercado.

Desde sua mudança para Brasília, o advogado também tem atuado de forma ativa em ações pro bono do escritório em defesa dessa população. Ele foi um dos coordenadores, por exemplo, do ajuizamento de uma ação civil pública contra declarações homofóbicas veiculadas por personalidades do mundo gospel em rede nacional de televisão.

O profissional também é membro do comitê organizador do Out & Equal Brazil Forum, evento promovido pela ONG americana Out&Equal voltado a discutir a promoção de ambiente de trabalho acolhedor de profissionais LGBTQIA+ nas empresas brasileiras. Em 2021, Frederico foi incluído na OUTstanding 100 LGBT+ Future Leaders’ List, ao lado de diversos líderes de todo mundo que avançam com o trabalho em prol da diversidade e inclusão.

O próximo passo do advogado na carreira é se tornar sócio do Mattos Filho, algo que ele está batalhando para conseguir. “Sempre que tem abertura, o escritório não coloca obstáculos para a minha progressão de carreira”, afirma.

As mudanças no tratamento do tema nos últimos 25 anos

Vladimir Abreu

Vladimir Abreu tem 49 anos e saiu do armário aos 23, na metade dos anos 1990. Ele é advogado na área de negócios imobiliários do TozziniFreire desde 1996, mas só se assumiu no escritório depois de virar sócio em 2003.

Ao longo desses 25 anos de trabalho na firma, o advogado viu como a discussão do tema evoluiu.

“Existe uma questão muito importante que é a geracional. O escritório sempre teve um ambiente amigável, apesar de lá atrás não falar muito nesse tema. Saí do armário dentro da firma porque senti uma receptividade da administração”, afirma.

Desde que passou a atuar como sócio na área de negócios imobiliários, Vladimir aprimorou expertise em operações envolvendo imóveis urbanos e rurais, incluindo investimentos florestais em muitos estados brasileiros.


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Além disso, desenvolveu a área de mudanças climáticas e mercado de carbono da firma. Ele também atuou como associado estrangeiro no escritório Milbank, Tweed, Hadley & McCloy LLP em Nova York, EUA (1998-1999). Posteriormente, dirigiu a unidade de Nova York do TozziniFreire, assessorando empresas americanas no desenvolvimento de negócios no Brasil.

Hoje, além de ajudar a desenvolver essas áreas, ele faz parte do TFAffinity, grupo de afinidade LGBTQIA+ criado pelo escritório em 2017. “Uma coisa é falar do tema de forma indireta. A outra é abordar abertamente a questão com a alta administração do escritório, através da implementação de várias políticas internas e dizer que na nossa empresa as pessoas LGBTQIA+ são bem vindas e acolhidas. Isso traz uma sensação de bem estar muito relevante para as pessoas da comunidade”, diz Vladimir.

Hoje o tema faz parte do treinamento para os novos funcionários, com incentivo ao acolhimento. “Recomendamos que, quando essas pessoas estiverem preparadas e prontas, elas saiam do armário para os seus gestores imediatamente superiores, para que se sintam acolhidas e não vejam na questão da publicidade dessa informação um limitador de carreira, para que elas tenham a certeza que no escritório vão ser reconhecidas pela sua capacidade técnica e intelectual e não por qualquer outra característica pessoal”, afirma Vladimir.

Clara Serva

“Vemos cada vez mais que nossos colaboradores têm a consciência e a percepção sobre os termos LGBTQIA+. Em 2018, muitos não entendiam a diferença entre transexualidade, orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero. Essas questões eram muito pouco discutidas. Hoje em dia, a maioria tem familiaridade com estes termos e atenção com o tema”, explica Clara Serva, head de empresas e direitos humanos e coordenadora de pro bono do escritório.

Enquanto a discussão dos direitos da comunidade LGBTQIA+ ganha a adesão de vários escritórios e multinacionais nas duas maiores cidades do país, o tema precisa ser mais abordado em outras regiões, na avaliação de Vladimir Abreu.

“Mas há um cenário de interesse em relação à discussão da questão. Já participei de debates com escritórios do Nordeste e Sul que reconhecem que é um tema importante. Apesar dessas mudanças, ainda temos um caminho longo a ser percorrido, mas a mudança está acontecendo”, diz o advogado.

Quebrar as barreiras de aceitação do mercado de forma natural

Henrique Araújo

Henrique Araújo tem 26 anos, é advogado na área de direito ambiental do Cescon Barrieu e não teve problemas em se assumir gay desde sua entrada no escritório. Mas conta que no começo de sua carreira, quando ainda era estudante, preferiu não revelar sua sexualidade.  

“O processo da auto aceitação é sempre o mais difícil. Por muitos anos, até metade do curso de Direito, tentei disfarçar e, até mesmo, não lidar com a minha homossexualidade. Felizmente, meus amigos e família sempre me deram suporte e, aos poucos, pude perceber que me encontrava em um lugar seguro para ser quem eu era. Quando superei o difícil momento da aceitação interna, foi mais fácil prosseguir e me expor externamente”, diz o advogado que é mineiro de Juiz de Fora.

Henrique lutou para fazer parte de uma grande banca no eixo Rio-São Paulo, mas temia pela receptividade em um mercado tradicional como o jurídico. No começo, passou por situações de preconceito, ainda que velado, mas decidiu deixar claro seus valores.

“Trago a questão para os colegas de trabalho de modo a explicitar a naturalidade, que de fato existe, na homossexualidade ou em outras orientações sexuais e identidades de gênero”, afirma Araújo, que faz parte do Comitê de Equidade do Cescon.

“É perceptível o movimento de diversos escritórios e empresas na criação de comitês, alianças e grupos voltados para a promoção da inclusão e da diversidade dentro de suas estruturas. Mas uma grande parcela do mercado ainda permanece indiferente ou se opõe a trazer para dentro do mundo corporativo questões como a orientação sexual e a identidade de gênero. Avançamos bastante, mas há muito que ser feito”, analisa.

Segundo o advogado, ainda existem diferentes formas de preconceito, de acordo com as letras da sigla LGBTQIA+. Para ele, um homem cis homossexual (quem nasceu e se identifica como o sexo masculino e sente atração por homens), possui oportunidades maiores do que profissionais transgênero.

Araújo acredita que existe um fator estrutural no preconceito, algo que necessitará esforço e empatia para ser superado. “Dentro da experiência e da vivência que possuo como advogado cis homossexual posso afirmar que, atualmente, a discriminação ocorre de maneira muito mais velada. Seja através de piadas, comentários paralelos ou até mesmo da não promoção na carreira. O preconceito ainda é constante”, diz.


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