Revisão e consolidação de atos normativos reduzirá estoque regulatório de diversos setores

Lucas SAnt'anna - Divulgação
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Lucas Sant'anna, sócio do Machado Meyer, analisa decreto 10.139
Fecha de publicación: 12/12/2019
Etiquetas: decreto 10.139

O decreto de revisão de atos normativos editado pelo governo no mês passado pode resultar na diminuição do estoque regulatório, com impacto no trabalho de diversas agências reguladoras no país, dentro do esforço do governo de facilitar a interpretação de normas e eliminar regras duplicadas, avalia Lucas Sant'anna.

Sócio do Machado Meyer Advogados, é bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui título de mestre em direito pela Columbia University School of Law, Nova York, EUA e em direito administrativo também pela PUC-SP.

Editado no fim do mês passado, o decreto determina que todos os órgãos do Executivo federal revisem e consolidem todos os atos normativos inferiores a decreto, em somente três categorias --portarias, resoluções e instruções normativas--, permitindo ainda a revogação das normas "já revogadas tacitamente"; "cujos efeitos tenham se exaurido no tempo" e "vigentes, cuja necessidade ou cujo significado não pôde ser identificado". 

Qual sua avaliação sobre o Decreto de Revisão de normas editado pelo Governo?

O Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019, também conhecido como Decreto de Revisão, foi editado pelo atual governo com o objetivo de modernizar e simplificar as normas expedidas por órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

De acordo com o texto publicado oficialmente, todos os atos normativos inferiores a decretos editados por estes órgãos (que incluem entidades como, por exemplo, Receita Federal, Banco Central, ANVISA e ANTT) deverão ser obrigatoriamente revisados ou consolidados.

Apesar desta ser uma medida complexa e de implantação não imediata, os seus efeitos trarão enormes benefícios aos administrados. A revisão e consolidação de atos normativos reduzirá o estoque regulatório de diversos setores, eliminando normas cujos efeitos tenham se exaurido no tempo e reduzindo a complexidade dos processos administrativos.

A redução do número de normas – que, atualmente, é bastante ampla e esparsa – fortalecerá a segurança jurídica e, em alguns casos, atrairá novos investidores ao mercado brasileiro. Hoje, diversos players, principalmente internacionais, sentem-se inseguros com a quantidade de normas e excesso de burocracia existente no País.

A edição do Decreto de Revisão, portanto, parece estar em linha com a tendência mundial de desburocratização e simplificação regulatória, que, inclusive, integra o manual de boas práticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE.

Que impactos práticos espera que aconteça: uma grande revisão ou revogação?

O principal objetivo do Decreto de Revisão é a atualização, simplificação e consolidação dos atos normativos expedidos por órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Assim, a partir de sua entrada em vigor, é inevitável que ocorra a revogação de diversos atos normativos que se tornaram obsoletos com o passar do tempo.

Contudo, é necessário observar que a finalidade principal do decreto não é a revogação pura e simples de atos normativos, mas sim a consolidação e atualização das normas atualmente existentes. Trata-se de esforço do governo no sentido de unificar normas duplicadas e facilitar não só a interpretação de atos que versem sobre um mesmo assunto, mas também própria prática legislativa, que ficará muito mais concentrada.

Poderia destacar três normas de sua área que deveriam sofrer revisão ou serem eliminadas inteiramente durante esta revisão?

Diversas agências reguladoras serão diretamente impactadas pelos efeitos do Decreto de Revisão. Esse tipo de autarquia, com o passar do tempo e com o objetivo de se adequar à rápida modernização dos serviços regulados, precisam atualizar o seu arcabouço normativo, o que faz com que elas expeçam diversas novas normas sobre o mesmo assunto.

Como exemplo, podemos citar, primeiramente, a ANTT. Somente no que se refere à aplicação de penalidades e medidas administrativas no âmbito do serviço de transporte de passageiros, por exemplo, existem 8 normativos complementares. São elas: Resolução DG/ANTT/MT 4770/2015, Resolução DG/ANTT/MT19/2002, Resolução DG/ANTT/MT/233/2003, Resolução DG/ANTT/MT3075/2009, Resolução DG/ANTT/MT 4287/2014, Resolução DG/ANTT/MTPA 5624/2017, Resolução DG/ANTT/MT 396/2003 e Resolução DG/ANTT/MT 5083/2016).

Ou seja, existem 8 resoluções distintas que tratam de especificidades sobre o mesmo tema. Com a entrada em vigência do Decreto de Revisão, essas normas deverão ser revisadas e consolidadas, para, então, se tornarem uma única norma que regulamente todos os aspectos relevantes.  

Também é o caso, por exemplo, da ANVISA, que possui verdadeiras bibliotecas normativas sobre temas específicos. Apenas como exemplo, podemos citar o controle sanitário de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados, regulados por 9 diferentes normas (RDC 61/2004, RDC 16/2014, RDC 345/2002, RDC 346/2002, RDC 91/2016, RDC 35/2011, RDC 72/2009, RDC 2/2003, e RDC 56/2008), que, igualmente, deverão ser unificadas.

No que se refere não apenas à consolidação, mas também à revogação de normas obsoletas (aquelas cujos efeitos se exauriram no tempo, conforme artigo 8º do Decreto de Revisão), pode-se citar o caso da ANATEL, que, naturalmente, pela própria natureza dos serviços regulados, possui a necessidade de constante modernização.

Há dois anos, por exemplo, foram revogadas normas para certificação e homologação de transmissores e transceptores digitais para o serviço fixo em aplicações ponto a ponto nas faixas de frequência abaixo e acima de 1 GHz, com a justificativa de necessidade de atualização das referências técnicas de modo a acompanhar a evolução tecnológica do país. Certamente, o Decreto de Revisão irá de encontro ao esforço de atualização desta Agência.

Qual o impacto destas transformações para a prática da advocacia nos próximos anos?

A edição do Decreto de Revisão está em linha com a tendência mais moderna do direito, que visa à simplificação, modernização e rendimento da prática forense. Essa inclinação à simplificação e desburocratização, quando espelhada pela administração pública, tem o potencial de garantir maior efetividade à prática da advocacia.  

A redução e a concentração dos atos normativos facilitará o trabalho tanto da administração e seus gestores, quanto dos administrados e seus advogados, que basearão suas decisões e posicionamentos em normas muito mais atuais e consolidadas.  

O Decreto de Revisão faz parte de um amplo conjunto de medidas adotadas pelo Governo para reformulação do Estado. Como avalia as mudanças realizadas neste ano e o que esperar para o ano que vem?

Desde o início do ano, o governo vem adotando diversas medidas para descentralizar e simplificar a sua gestão. O grande números de processos de desestatização e a conversão da Medida Provisória da Liberdade Econômica em lei são dois exemplos que podem ser mencionados.

Diversos ministérios, como, por exemplo, o Ministério da Economia, também vêm propondo mudanças significativas na forma de governo.

Essas medidas, no geral, visam a fomentar o desenvolvimento do país, buscando incrementar a economia e reduzir a dívida e as obrigações federais.

O pouco tempo de governo não nos permite fazer grandes avaliações de resultados, todavia, nos permite enxergar um modo diferente de governo e que possui um grande potencial de sucesso e desenvolvimento econômico. A tendência é que novas medidas venham a ser implementadas ano após ano e que delas comecem a surgir efeitos pouco a pouco.

Ter normas em excesso prejudica o ambiente de negócios mas, ao mesmo tempo, as mudanças frequentes de normas no Brasil cria insegurança jurídica. Neste momento, o que prevalece na visão dos investidores em sua opinião?

O mercado tem respondido positivamente frente à sinalização de alterações que visam à desburocratização da administração pública. Além disso, é importante mencionar que a revogação e/ou a consolidação de atos normativos, por meio do Decreto de Revisão, não necessariamente violará a segurança jurídica do país. Muito pelo contrário. Se cumpridas a rigor as disposições do decreto, a segurança jurídica pátria será inteiramente respeitada.

Isso porque, para que uma norma seja revogada por força do Decreto de Revisão, esta deverá obrigatoriamente se enquadrar em pelo menos um dos critérios previstos em seu artigo 8º. Ou seja, a norma já deverá estar revogada tacitamente; ter seus efeitos se exaurido no tempo; ou ter sua necessidade ou significado não identificado.

Assim, ainda que o governo esteja promovendo alterações de atos normativos, estas não deverão prejudicar de nenhuma forma quaisquer investidores ou administrados. Tais alterações representam um aceno positivo aos investidores na medida em que exprimem, como pano de fundo, uma intenção em desburocratizar e dar mais eficiência à administração pública.

O que podemos esperar de impactos no Judiciário quando o Executivo revogar dezenas de normas que atualmente justificam decisões judiciais?

O espírito do Decreto de Revisão é de desburocratizar e dar maior efetividade à administração pública. A revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decreto, assim como a revogação de normas cujos efeitos tenham se exaurido no tempo parecem harmônicos a este espírito.

O Poder Executivo, ao consolidar e revogar as normas, conforme necessidade, deverá sempre se atentar e respeitar a segurança jurídica.

Caso os critérios definidos pelo decreto sejam todos observados, dificilmente haverá conflitos e desrespeito à segurança jurídica nacional, uma vez que a norma a ser revogada já estaria em desuso ou seus efeitos não seriam mais necessários.

De toda forma, ainda que exista algum erro no procedimento e que alguma norma seja indevidamente revogada, não poderão ser prejudicados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Caberá ao Poder Judiciário a análise minuciosa caso a caso.

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