O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, na última semana, o julgamento de uma ação que analisa a constitucionalidade do direito da autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos – tema caro ao Direito Tributário. O caso, julgado pela sistemática do plenário virtual, foi interrompido para vistas do ministro Ricardo Lewandowski, sem que ainda haja uma maioria formada para estabelecer uma tese.
A Confederação Nacional do Comércio (CNC) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.446 no Supremo em 2001, contra o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN). O texto permite que a autoridade administrativa desconsidere atos ou negócios jurídicos praticados "com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária."
A CNC argumentou, ao apresentar o pedido, que o poder dado às autoridades administrativas viola os princípios constitucionais da legalidade e tipicidade cerrada e da certeza e segurança das relações jurídicas. Para a confederação, o texto como está equipara a elisão tributária, quando a empresa busca o melhor modelo de tributação para si, ao crime de evasão fiscal.
"Para coibir a evasão, que é sempre ilícita e diferente da elisão, seja sob qualquer forma: fraude, conluio, sonegação, simulação, etc, o sistema já possui prescrições", contestam os autores da ADI. "É suficiente utilizar-se do sempre atual Código Civil, artigo 102, que nos dá a assaz conhecida definição de simulação apontando suas principais característica."
Segundo tributaristas, o texto causa polêmica por sua atuação para determinar atos feitos para ocultar algo do Fisco. "Boa parte da discussão é a seguinte: o que o parágrafo único permite é que se trate determinados atos de uma forma diversa", argumentou o sócio do TozziniFreire Advogados, Erlan Valverde.
"E o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) preza que este parágrafo único do 116 não necessita de regulamentação. O tribunal aplica o dispositivo quando se entende que o ato foi feito sem substância econômica ou sem propósito negocial, para desconsiderar o ato jurídico". O problema, aponta o tributarista, é que estes limites não foram estabelecidos pela lei até o momento.
O professor de Direito Tributário Leonardo Ogassawara Branco, o parágrafo único criou uma "regra anti-dissimulação". "Existe a previsão de que o legislador ordinário pode vir a instituir um processo para desconstituir negócios jurídicos que considere que sejam dissimulados", afirmou Leonardo, que também é conselheiro do Carf. "Mas o legislador já rejeitou a proposta do Executivo por três vezes para regulamentar este dispositivo. Hoje nós não temos um procedimento para aplicar este dispositivo – e o que se discute agora é a própria constitucionalidade do dispositivo."
No voto, a ministra-relatora mostrou interpretação divergente dos contribuintes. "O fato gerador ao qual se refere o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, incluído pela Lei Complementar nº 104/2001, é, dessa forma, aquele previsto em lei", escreveu Cármen Lúcia. "Autoridade fiscal estará autorizada apenas a aplicar base de cálculo e alíquota a uma hipótese de incidência estabelecida em lei e que tenha se realizado".
Cármen Lúcia ressaltou que elisão fiscal difere da evasão fiscal. "Enquanto na primeira há diminuição lícita dos valores tributários devidos, pois o contribuinte evita relação jurídica que faria nascer obrigação tributária, na segunda, o contribuinte atua de forma a ocultar fato gerador materializado para omitir-se ao pagamento da obrigação tributária devida". Em seu voto, porém, a ministra não considerou a norma como antielisiva: "a despeito dos alegados motivos que resultaram na inclusão do parágrafo único ao art. 116 do CTN, a denominação 'norma antielisão' é de ser tida como inapropriada, cuidando o dispositivo de questão de norma de combate à evasão fiscal."
Para Erlan Valverde, o fato de a corte argumentar até agora que a regra não é autoaplicável é positivo aos contribuintes. "Especialmente porque há vários casos com atos desconsiderados com base no parágrafo único do artigo 116 do CTN que estão sendo anulados no Judiciário. O ato jurídico perfeito não pode ser desconstituído pelo Fisco sem uma autorização em lei", argumentou o advogado. "No nosso sistema jurídico, a única pessoa que pode desconstituir um ato desses é o juiz."
No plenário virtual, destinados a votos de menor complexidade e relevância, o voto da ministra-relatora é disponibilizado e os ministros têm até 20 dias para votar. Até o momento da vista de Lewandowski, os ministros Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Edson Fachin haviam votado com Cármen Lúcia.
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