Suzette Recinos: O trabalho da head financeira da PepsiCo na América Latina

Em julho deste ano, a advogada completará 6 anos dentro da multinacional. Antes da Pepsico, ela ocupou cargos de direção e impacto global.
Em julho deste ano, a advogada completará 6 anos dentro da multinacional. Antes da Pepsico, ela ocupou cargos de direção e impacto global.
Desafio é consolidar cultura de colaboração entre escritórios jurídicos e padronizar processos de planejamento e crescimento.
Fecha de publicación: 15/03/2022

Em novembro de 2020, com os efeitos críticos da pandemia —quando a Pfizer solicitou uma autorização emergencial para o uso de sua vacina—, a PepsiCo realocou uma peça-chave em sua engenharia: Suzette Recinos. A advogada, então localizada na sede em Nova York, atendia assuntos de M&A com foco global. A decisão fortalecia a atenção dada ao mercado latino em questões jurídicas e transacionais.

Em um momento de grande incerteza para a economia mundial, Recinos assumiu a liderança da divisão de alimentos para a América Latina e bebidas para a região andina. A principal tarefa da advogada era assumir um processo de transformação corporativa. Agora ela é vice-presidente de Transações, General Counsel de Bebidas para a América Latina e Alimentos para a Região Andina da PepsiCo, o que na prática, ela confirma, é como ter três cargos em um.

Em julho ela completa 6 anos na Pepsico. Sua trajetória na última década caracterizou-se por ocupar cargos de alto escalão e, em várias dessas experiências, à frente de áreas de impacto global.  Recinos, agora mora em Miami, lidera uma equipe de advogados e advogadas em assuntos jurídicos e transacionais na América Latina em toda a sua extensão. Em entrevista à LexLatin, a advogada destaca o aspecto que mais gosta no seu trabalho como in-house e que atualmente está em fase de amplo desenvolvimento.

“Tenho interesse em acompanhar um processo do início ao fim, não apenas participar da aquisição e depois não saber mais, como em um escritório.  Outra área pela qual sou apaixonada é desenvolver [o potencial dos] advogados e gosto de fazer isso em uma corporação e não em um escritório, porque permite ver um cenário mais variado. Gosto de trabalhar em equipe com diferentes profissionais que estão em diferentes áreas”. A isso ela acrescenta que também gosta do senso de negócios e de sua posição.


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O panorama latino-americano, uma paisagem de mercados emergentes altamente dinâmicos, apresenta-se como um desafio muito estimulante para Suzette Recinos: ela tem que estudar não apenas as regulamentações que foram aprovadas para promover políticas de alimentação saudável, os desafios de gênero ou a  própria incerteza da pandemia, mas também as estruturas e complexidades de cada economia em desenvolvimento.

Nesta entrevista, Recinos analisa as áreas que viu como líder de advogados in-house de uma multinacional que emprega mais de 75 mil pessoas só na região e que, em 2021, obteve lucros globalmente superiores a US$ 7,6 bilhões.

Quais foram os maiores desafios que você enfrentou com as diversas regulamentações sobre alimentação saudável nos diferentes países da região?

Suzete Recinos. Comecemos pelo fato de que cumprir a lei é a primeira coisa em nossa agenda.  Agora, a Pepsico não esperava necessariamente, quando iniciou sua atividade, a presença de octógonos [de luta], porém, o que ela tem prática é reunir forças de trabalho (task force) para implementar as disposições.

Fizemos isso quando houve necessidade, além de trabalharmos em estreita colaboração com nossos colegas em assuntos corporativos (corporate affairs) e questões governamentais. Tudo isso para entender como é aplicado, quando é aplicado e a partir daí focar no planejamento. Em seguida, são envolvidas partes externas que nos ajudam a interpretar o que vamos fazer em termos de produtos, tanto para tornar o negócio visível quanto para tomar decisões em relação a ele.

O mais importante é ter o melhor entendimento, principalmente onde há aspectos que podem ser um pouco ambíguos. O caso mais recente (pela minha experiência) é o do Peru, onde temos trabalhado nessas questões. Então, temos que recorrer a pessoas de fora, que nos apoiam para sermos super transparentes com nossos consumidores.

Qual é a sua estratégia para uma gestão jurídica eficiente nesta extensa região?

Na prática, acima de tudo, estou desenvolvendo as capacidades dos advogados e advogadas (da região) para que possam me apoiar em questões de M&A, por exemplo. O objetivo é que eles aproveitem minha experiência para fortalecer as diferentes bases locais. O primeiro passo é criar uma cultura de unidade e colaboração. Por conta da pandemia, em 2020, a dinâmica da comunicação mudou, antes havia mais fios. Desde que assumi meu cargo, trabalhamos mais de perto com o General Counsel.  De verdade, ter tempo para construir confiança e esse senso de colaboração é, para mim, onde tudo começa.

O segundo passo é um pouco mais técnico, tem a ver com padronizar processos e práticas de forma que você possa customizar (para o seu escritório), mas sem reinventar o processo. Aproveitando as lições aprendidas e as melhores práticas dos países. Na Venezuela, por exemplo, estruturamos um comitê de licenças e autorizações que tem dado muitos bons resultados. É algo que estamos implementando no Peru e na Colômbia. Na prática isso tem funcionado muito bem para nós, temos tido um bom desempenho em auditorias e questões internas, então é algo que parece simples, mas não tinha sido feito.

Na PepsiCo percebi que existem ações visivelmente simples que, no nível e escala da empresa, na prática são realmente complexas. Não é tão simples dizer 'bom, eu vou ter uma política para toda a América Latina', porque tantos países têm que ser considerados, com tantas variações do negócio.

Tivemos nossas conquistas. Agora, por exemplo, estamos finalizando uma política de contrato para toda a América Latina. Voltando ao que eu estava dizendo: ter todas as pessoas alinhadas é algo que não pode ser feito sem o passo número um, que é criar confiança e colaboração.

Considerando o dinamismo dos mercados emergentes, como você apoia sua equipe para identificar oportunidades de crescimento e melhoria em seu setor?

Vamos começar dizendo que os advogados e advogadas são os especialistas em seus países. Eles são especialistas em assuntos que são exclusivos daquele país e que cada país é diferente no sentido de governo ou por causa de sua situação econômica e suas leis. Então, eles são os especialistas, eles me ajudam a entender o que está acontecendo. Agora, o valor que posso trazer para eles é poder identificar oportunidades criativas porque muitas vezes vivemos em países muito dinâmicos.

Realmente precisamos pensar fora dessa caixinha, acho que para mim a preparação em M&A me ajudou nisso: nenhuma transação que você vê é totalmente simples e ordenada. Quando você vem de um universo onde você é uma grande empresa multinacional de capital aberto nos Estados Unidos, você já tem que cumprir muitos requisitos e seguir processos estabelecidos que podem ser rígidos.

É aí que me empurrei para pensar fora dessa caixinha, para ver quais são essas opções, que também me ajudam a identificar e mitigar riscos. A Venezuela é mais uma vez um bom exemplo: se não tivesse espírito e atitude de criatividade, nada seria alcançado. Então, essa ferramenta que trago para eles é poder pensar mais como um business partner e menos com uma perspectiva rígida e únicamente jurídica.

Outra das ferramentas que procuro destacar na minha equipe é a comunicação, quero dizer, estabelecer uma comunicação executiva, que é muito diferente daquela de um advogado conversando com outro. Na América Latina, os advogados são muito formais na mensagem que oferecem. Digo às minhas firmas externas: tudo bem que você me dê os detalhes, mas o que eu realmente quero é que você me dê o headline de uma vez e que a gente entenda a partir daí qual é o risco. E se você quiser me dar mais detalhes depois, tudo bem, mas vamos começar com o principal.

Isso é algo que procuro praticar muito com a equipe para que eles entendam que essa é a forma que mais impacta nossos clientes internos e também nos ajuda como advogados a pensar nos pontos importantes que impactam o negócio e podem mitigar o risco.

Do jurídico ao corporativo: desafios in-house

Da sua transição do mundo jurídico para o corporativo, você poderia dizer como a área jurídica é relevante para a tomada de decisões? Como você conseguiu que sua área fosse considerada dessa forma?

Acho que se trata de identificar oportunidades que nem sempre têm a ver com questões legais e onde posso destacar ou dar input.

Nesse sentido, acho fundamental conhecer o máximo possível do negócio. Por isso é importante visitar as fábricas, conhecer colegas de trabalho, experimentar o produto, ver as matérias-primas.  Tudo isso, por exemplo, me ajudará a saber com o que estarei lidando em meus contratos, mas também me dará a oportunidade de contribuir mais com uma equipe, principalmente se estiverem tomando decisões que afetam o negócio. Também acho importante desenvolver a auto-estima e a confiança em levantar a voz e, muitas vezes, fazer perguntas para ver oportunidades ou áreas de risco e assim criar confiança.

Considerando sua carreira, quais são os principais desafios para permanecer em cargos de alta direção? Quais oportunidades de crescimento profissional a pandemia gerou para você?

Para começar, nunca penso “já cheguei”.  Para mim é um aprendizado contínuo. Estou sempre tentando aprender cada vez mais, nunca considero “já cheguei”, já estou em uma posição e pronto.

Agora, eu acho que, das oportunidades que eu tive, eu também vi que as mulheres, muitas vezes a gente sente que tem que estar 100% preparada antes de assumir um papel e dizer que eu vi isso, eu tenho experiência nisso e fazer esses checks do que vemos na descrição de um papel.

Nesse sentido, nunca estive naquela posição em que disse a mim mesmo “tenho todos os requisitos”. Eu me empurrei para fora da minha zona de conforto e sinto que o que um chefe me disse uma vez é verdade: se você não está desconfortável, então você não está crescendo.

Sempre levei isso para continuar crescendo e continuar com essa busca por cada vez mais aprendizado, informação, conhecer mais pessoas, tentar entender quais comunicações têm mais impacto e para que tipo de pessoas. Acho que isso me ajudou muito não só no lado profissional, mas também no lado pessoal, porque tenho cinco filhos e vejo isso aí, onde cada um é uma pessoa diferente com suas necessidades.

Em relação à pandemia, minha última mudança profissional foi em plena pandemia. Para mim, o que a virtualidade me deu foi uma oportunidade: evitar locomoção e me conectar muito mais do que conseguiria pessoalmente. Com a mudança em si, gosto de combinar a variedade de temas que você vê em uma multinacional e, agora, com o time da América Latina, ver com aquele toque de cultura. 

Gostei porque, em geral, o estereótipo é que as pessoas que trabalham em uma grande empresa querem ir do local para os headquarters, não o contrário, mas para mim foi uma boa jogada: estou super feliz apoiando o negócio em Latam.


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Trazer a agenda das mulheres para a mesa

Como, da sua trincheira, você tenta fazer um mundo mais justo e igualitário para as mulheres? Ainda é um desafio ser mulher no seu setor?

O que procuro fazer, não só com as minhas colegas, é criar um mundo melhor para as minhas filhas, tenho três filhas e para mim é super importante criar um ambiente onde possamos “trazê-las para a mesa” (bring them to the table).

Na PepsiCo, não precisamos mais falar com os tomadores de decisão para mostrar a eles como a diversidade é boa para o negócio. Em muitos níveis de liderança, as mulheres estão muito bem representadas, então isso é algo que eu acho que estamos cientes e claros.

No setor jurídico da América Latina, a diversidade continua sendo um desafio porque essa subjetividade se mantém quando você recebe uma oportunidade de trabalho. Muitas vezes os homens dão empregos a outros homens e depois dão a eles bons projetos e mais reconhecimento com os clientes. Essa pessoa continua subindo e é promovida a sócia, enquanto as mulheres ficam para trás. Essa subjetividade é o que eu acho que nos leva onde estamos.

Por esta razão, nós, como PepsiCo, sentimos que é nossa obrigação pressionar nossas empresas externas a nos mostrar o progresso que estão fazendo na diversidade: na América Latina, em geral, acho que estamos um pouco atrasados.  Portanto, se eles ouvirem que o cliente não está satisfeito ou que o cliente está solicitando certas coisas, eles mudarão internamente.

Esse tipo de esforço é um aprendizado que levo do escritório global para a América Latina. Acho que essa é uma forma de ampliar o pipeline para que as mulheres possam ter acesso a um trabalho sofisticado e ter boas experiências para conseguir uma vaga.

Aproveitando a conversa, qual é o conselho para as jovens que querem se relacionar com a alta direção do setor financeiro?

Para alcançar uma posição alta ou a liderança de uma empresa no lado financeiro, é importante o conhecimento do negócio.

Além disso, considerando que dentro de uma função existem várias áreas diferentes, recomendo ter experiência de passar pelo menos algum tempo em algumas delas ou poder entendê-las, isso ajuda muito.

Por exemplo, eu não fiz o MBA, mas me esforcei para aprender, não estou dizendo que sou uma especialista, mas me esforcei para aprender sobre questões tributárias, questões contábeis e áreas alheias à minha, para entender o que estão falando e fazer as perguntas certas quando estiver analisando um tópico de impacto.

Essa experiência te ajudará a reconhecer oportunidades e também riscos, o que contribuirá para a possibilidade de subir de cargo e ganhar responsabilidades.

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