Os aspectos jurídicos de Private Equity em tempos de Covid-19

A boa notícia é que os investidores e agentes dessa indústria têm buscado oportunidades em meio a tantas dúvidas/Pixabay
A boa notícia é que os investidores e agentes dessa indústria têm buscado oportunidades em meio a tantas dúvidas/Pixabay
Qual será o futuro dos negócios do setor depois da pandemia?
Fecha de publicación: 12/05/2020
Etiquetas: Mercado Brasileiro

Embora alguns procurem fazer projeções e exercícios antecipando cenários, até por essa ser uma necessidade, é difícil encontrar algo que resuma tão bem os efeitos da pandemia de Covid-19 quanto o termo incerteza. Apesar da rápida evolução e alcance global, a crise ainda é recente e ainda há poucos dados. É praticamente impossível prever seu real alcance.

Paira uma dúvida sobre o futuro dos negócios e como ficarão no chamado aftermath. Essa avaliação se torna mais complexa quanto a investimentos com objetivo de retorno, pois as premissas utilizadas em qualquer que seja o método de avaliação (fluxo de caixa descontado, avaliação por múltiplos etc.) tornaram-se igualmente incertas. Além da necessidade de foco na preservação das empresas dos seus portfólios, esse tem sido talvez o principal ponto de reflexão para os atores da indústria de Private Equity.

A boa notícia é que os investidores e agentes dessa indústria têm buscado oportunidades em meio a tantas dúvidas. Afinal, muitos possuem compromissos relevantes de investimentos, com períodos determinados para que possam ser feitas as alocações. Sem realizar investimentos, corre-se o risco de perda desses compromissos e, a reboque, anos de trabalho e dedicação no concorrido e rigoroso universo de fundraising. É preciso ter criatividade, alguma flexibilidade e readequação operacional para que os negócios fluam com segurança. Parte desses ajustes é de natureza jurídica.

Sob o aspecto operacional, é importante que os gestores e investidores da indústria revejam suas estratégias, inclusive pela diversificação setorial, especialmente nos casos de fundos agnósticos. Isso é essencial para que o portfólio opere em um sistema de pesos e contrapesos – as perdas de uma investida de um setor afetado, como turismo, por exemplo, podem ser compensadas pelos ganhos de setores mais resilientes, como saúde ou tecnologia.

Um estudo realizado pela Private Equity Bay (Pebay) com base em métricas operacionais, financeiras e de testes de estresse tomando por base informações disponíveis relacionadas a dez dos maiores grupos de Private Equity do Brasil, revela que oito desses dez fundos oferecem riscos moderados aos seus investidores. O ponto em comum é que todos esses oito fundos apresentam diversificação alta e/ou moderada do ponto de vista setorial.

Há também players observando o comportamento de outras classes de ativos não tão consolidadas no mercado brasileiro, como investimentos em ativos em situações especiais (distressed assets) – empresas com dificuldades de acesso a crédito; grandes grupos que, por necessidade de liquidez, precisem se desfazer de negócios que não sejam seu foco; ou, ainda, empresas em que haja desalinhamento de interesses entre sócios que possam impactar a sua performance.

Outra classe que também poderá ganhar tração é a de investimentos privados em empresas listadas – os chamados PIPEs, sigla para o termo em inglês private investments in public equities – já que há empresas impactadas pela Covid-19 que são listadas em bolsa.

No tocante aos cuidados jurídicos, temos duas situações típicas que suscitam dúvidas nessa crise: quais cautelas tomar em operações em fase de negociação; e o que se pode fazer em relação a operações cujos contratos definitivos foram assinados antes ou durante a crise, mas ainda pendentes de fechamento.

Em projetos em andamento, o primeiro grande cuidado é sempre uma auditoria (due diligence) robusta, focada em aspectos que possam afetar a continuidade do negócio avaliado e capacidade de fazer frente a obrigações.

Em muitos casos, também vale rever a estrutura utilizada. No ambiente de Private Equity, via de regra a visão é de médio e longo prazo e as operações normalmente consistem em investimento direto via equity.

No contexto da pandemia, transações que inicialmente seriam feitas dessa forma foram reformuladas como operações de mezanino (composição entre dívida e equity) ou mesmo apenas como dívida. Um ponto de atenção, nesse caso, é estruturar a dívida com gatilhos claros que justificariam sua conversão em equity ou repagamento em uma situação de efetivo estresse.

Na fase de negociação dos documentos definitivos, as principais discussões giram em torno de composição de preço que seja aderente à avaliação da empresa e como se comporta no tempo, mediante pagamentos diferidos sujeitos a métricas de resultados futuros (o chamado earn-out); de cláusulas de efeito adverso relevante com alocação clara de riscos dos efeitos da pandemia entre as partes; além de antecipação de eventuais medidas de preservação do negócio durante a crise na cláusula que trata da condução dos negócios (no seu curso “normal”) da empresa alvo entre a data de assinatura e a data de fechamento.

Outro aspecto importante é a previsão de períodos mais elásticos para o cumprimento de condições precedentes (a longstop date), considerando as restrições de acesso a órgãos públicos e demais limitações impostas pelo isolamento.

Nas situações em que as transações cujos documentos definitivos já tenham sido assinados, a grande questão é avaliar a exequibilidade das cláusulas contratuais pactuadas (especialmente de efeito adverso relevante e de condução dos negócios no seu curso “normal”), existência de amparo legal e mesmo se é possível encontrar caminhos alternativos a eventuais disputas.

Na cláusula de efeito adverso relevante, em geral, fatores exógenos (como guerra, fato do príncipe ou até mesmo uma pandemia) são riscos assumidos pelo comprador, enquanto riscos endógenos, isto é, do próprio negócio, são riscos do vendedor. Mas nem sempre essa demarcação é clara, o que torna ainda mais difícil a sua efetiva exequibilidade, especialmente no Brasil – onde temos poucos precedentes a esse respeito.

Quanto à condução dos negócios, muitas empresas já teriam forçosamente entrado em descumprimento a essa altura. Vale sempre lembrar dos princípios de probidade e boa-fé do Código Civil, além dos princípios da intervenção mínima nas relações contratuais privadas e excepcionalidade da revisão contratual, antes de iniciar uma disputa fundamentada no descumprimento de referidas cláusulas, em eventual onerosidade excessiva, ou, ainda, por força maior ao amparo do Código Civil.

O que se tem visto na prática é a boa vontade das partes de repactuar eventuais condições, visando preservar o negócio já realizado.

Mesmo diante das dificuldades impostas pela crise, extraímos que é possível prosseguir com as operações no contexto do Private Equity. Existem alternativas viáveis, desde que com os devidos cuidados. É imprescindível preservar a segurança das transações e otimizar a capacidade de investidores e investidas suportarem os impactos econômicos que enfrentaremos nos próximos meses. Com cooperação, realidade e as estratégias corretas, a crise pode ser um obstáculo menor do que se imagina.

*João Busin é sócio na área de Private Equity e Venture Capital do escritório TozziniFreire Advogados. Victor Fonseca é coordenador do ThinkFuture de TozziniFreire Advogados.

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