As consequências dos ataques à democracia para os investimentos e o mercado jurídico

“Os atos terroristas do último domingo em Brasília trazem de volta um cenário de risco institucional que merece ser observado de perto e com a devida cautela"/Agência Brasil
“Os atos terroristas do último domingo em Brasília trazem de volta um cenário de risco institucional que merece ser observado de perto e com a devida cautela"/Agência Brasil
Investidores e representantes de escritórios de advocacia reagem com cautela à invasão das sedes dos três poderes e aguardam desenrolar dos acontecimentos.
Fecha de publicación: 09/01/2023

Um ato que vai ficar marcado na história brasileira. A invasão do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Palácio do Planalto significa um ataque não só aos três poderes, mas à democracia brasileira. Os atos de violência e de destruição das casas que são sede do Legislativo, Executivo e Judiciário levaram o presidente Luís Inácio Lula da Silva a decretar intervenção federal no Distrito Federal até o fim de janeiro. Ao mesmo tempo, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou o afastamento do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, por 90 dias, apontado como um dos principais responsáveis por omissão. 

A invasão começou como um protesto pacífico pela Esplanada dos Ministérios e teve o apoio da polícia do Distrito Federal durante a marcha. O problema é que as forças de segurança pouco fizeram quando os vândalos começaram a invasão das sedes dos três poderes. Ao mesmo tempo, bolsonaristas documentaram a conduta, considerada pelos políticos, pelo poder judiciário e por boa parte da imprensa brasileira como atos terroristas, num modo de ação semelhante ao que aconteceu na invasão do Capitólio nos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021.  

A destruição do patrimônio público, histórico e de arte ― como o quadro de Di Cavalcanti, avaliado em R$ 8 milhões ―, além do roubo de diversos itens, inclusive armas que estavam dentro do Palácio do Planalto, foi transmitida em dezenas de lives de bolsonaristas, enquanto a multidão quebrava as vidraças e destruía as salas símbolos do poder no Brasil. Ganhou destaque, por exemplo, a invasão e destruição do plenário do STF, onde são realizadas as sessões dos ministros da Corte e de onde saem algumas das principais decisões do Judiciário no país. 

Esta segunda-feira (9), o day after da invasão, ficou marcado por inúmeras reuniões entre Lula, os 27 governadores brasileiros e a presidente do STF, a ministra Rosa Weber, e também outro encontro entre o presidente e os representantes das forças armadas: Marinha, Aeronáutica e Exército. Foi também dia de levantar os estragos, fazer a perícia do que pode ser recuperado e identificar os invasores. Há, inclusive, perfis nas redes sociais denunciando parte dos invasores. O trabalho também busca quem financiou a ida de pelo menos 100 ônibus a Brasília no fim de semana, num ato orquestrado, de acordo com as autoridades de segurança. 


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Pelo menos 1.500 pessoas foram detidas até agora, incluindo integrantes de um acampamento bolsonarista na porta do Exército em Brasília, que ocupavam o local desde o fim das eleições presidenciais, num movimento que aconteceu em dezenas de cidades brasileiras. Também nesta segunda-feira os acampamentos começaram a ser desmontados com a ajuda de forças de segurança em várias cidades, incluindo Brasília e São Paulo. 

Para os especialistas ouvidos pela LexLatin, baixada a poeira, o momento é de calcular os prejuízos e identificar e punir de maneira exemplar os responsáveis pelos atos terroristas.

“O Brasil não pode ficar refém dos radicais. É evidente que há uma cadeia de comando em todo o processo. O ocorrido em Brasília no domingo, 8 de janeiro, não se deu por acidente. Tal qual uma peça de teatro, tudo foi milimetricamente pensado. Os atores entraram em cena no momento exato, cumprindo seus papéis na comédia bufa do bolsonarismo. Simples assim”, avalia o cientista político André Pereira Cesar.

Para ele, o ensaio geral se deu em dezembro, justamente após a diplomação do presidente Lula e de seu vice, Geraldo Alckmin. Naquele dia, de acordo com o especialista, o quebra-quebra na capital indicou o que estava por vir, mas as autoridades fizeram vista grossa.

“O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), bolsonarista de primeira hora, corre o sério risco de sofrer impeachment. Outro envolvido nos acontecimentos é o ex-ministro da Justiça e agora ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres. Por uma estranha coincidência, ele passava férias na Flórida, próximo ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Agora, pode ser preso”, explica.

O que muda no Brasil na percepção dos investidores?

Além das consequências políticas e jurídicas, especialistas avaliam os impactos no mercado financeiro e nos investimentos, inclusive para os escritórios de advocacia. 

“No início dos distúrbios, no domingo, nós estávamos esperando que a Bolsa de Valores iria abrir com uma queda de pelo menos 10% e o câmbio, o valor do Dólar, poderia chegar a R$ 5,60, o que não aconteceu”, analisa Roberto Dumas, professor de economia internacional do Insper em São Paulo. 

“Mas, conforme o tempo foi passando, as regras institucionais dos três poderes agiram rapidamente para trazer um grau de credibilidade na continuidade do funcionamento das instituições, com punições dos responsáveis”, diz.

Mas é preciso avaliar os impactos de médio e longo prazos para os investidores. “Se parar agora, não vejo grande repercussão na economia. No curto prazo vai continuar uma certa volatilidade, mas deve voltar ao normal no espaço de uma ou duas semanas, como se nada tivesse acontecido, desde que as prisões sejam mantidas e acampamentos em frente aos quartéis desmantelados. Isso vai mostrar para o mercado que as forças institucionais estão agindo fortemente no Brasil. É isso que os investidores gostam de ver”, afirma o economista.

Mas se os confrontos continuarem a acontecer pode haver fuga de investidores no mercado de capitais e a tendência é o aumento da taxa de juros, na opinião do professor. 


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Mas e o impacto para os escritórios de advocacia?

A LexLatin tentou ouvir alguns dos principais escritórios de advocacia do país, mas muitos preferiram não falar. Preferem não emitir opinião, ainda mais quando o assunto envolve política, o que pode prejudicar os negócios. 

Para Diego Henrique, criminalista, sócio do Damiani Sociedade de Advogados, o mercado é dinâmico e responde instantaneamente aos estímulos no curtíssimo prazo, mas tende a encontrar seu equilíbrio de acordo com os fundamentos de longo prazo, como a alteração das condições de lucro das empresas listadas e/ou risco de insolvência do país. Por isso, em sua visão, estabilidade e previsibilidade são pilares para a atração do capital estrangeiro. 

“Os atos terroristas do último domingo em Brasília trazem de volta um cenário de risco institucional que merece ser observado de perto e com a devida cautela, já que o mau funcionamento das instituições ou, no limite, a ruptura institucional, provoca, justamente, instabilidade política e econômica, o que levaria à deterioração do risco país e, consequentemente, à retirada de capital por parte dos investidores estrangeiros”, explica. 

De acordo com o advogado, a rápida resposta promovida a partir da mobilização instantânea e conjunta dos poderes da República serviu para tranquilizar os ânimos do mercado e demonstrar que não há espaço para aventuras antidemocráticas, muito menos para rupturas da ordem constitucional. “Dessa forma, o que se viu foi uma abertura negativa no pregão da B3 nesta segunda-feira, em resposta aos estímulos do dia anterior, seguida de um abrandamento e posterior alta das cotações, já que os fundamentos da política econômica não se alteraram.”

Daniel Gerber, especialista em Direito Penal Econômico, avalia que o cenário é de maior segurança quanto à estabilidade do atual governo, já que “houve ação rápida e enérgica por parte do Executivo Federal, além de, a toda evidência, estar amparado pelo Poder Judiciário e pelo próprio exército ― que, diga-se de passagem, manteve postura irretocável quanto aos indevidos reclamos de intervenção oriundos dos grupos mais radicais da extrema direita”.

Rodrigo Faucz, advogado criminalista, explica que, sem dúvida, os ataques mancharam a reputação internacional do Brasil no exterior. No entanto, uma resposta incisiva por parte das instituições, demonstrando a força e maturidade da democracia, pode diminuir os impactos econômicos dos atos.

“Arrisco dizer que o país poderá até apresentar um quadro mais positivo do que antes no aspecto político. No entanto, para isso, deve haver uma responsabilização efetiva, inclusive dos agentes políticos que colaboraram de qualquer maneira com os atentados", diz.

Até agora, a primeira reação, o que é um termômetro para o mercado, é a união de forças dos três poderes. Eles buscam manter a democracia de pé, independentemente de diferenças programáticas e ideológicas.

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