Quase 150 dias depois de ter sido indicado por Jair Bolsonaro para a vaga de ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), o ex-advogado-geral da União e ministro da Justiça André Mendonça será finalmente sabatinado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado.
A sua candidatura à vaga do ex-decano Marco Aurélio Mello, que se aposentou em julho deste ano, virou uma disputa ideológica do presidente da República em prol de um grupo específico, e ocorre em um momento de descoordenação do poder Executivo com o Congresso Nacional. Este desgaste também é visto entre o próprio Judiciário e o Congresso, que tem buscado alterar o funcionamento da própria Suprema Corte.
Para entender as horas de interrogatório a qual Mendonça, de 48 anos, deverá passar nesta quarta-feira (1º) pela CCJ do Senado, LexLatin indica questões centrais para entender o porquê da demora no nome ser levado para análise e o que espera Jair Bolsonaro com a nova indicação (que pode não ser a última em seu mandato).
O fator Alcolumbre
A sessão foi finalmente marcada para este 1º de dezembro pelo presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM/AP). Cabia apenas a ele indicar quando ocorreria a sabatina - e, por meses, ele se recusou a tratar do tema.
Publicamente, Alcolumbre jamais explicou por que segurou o nome de Mendonça por tanto tempo. Alcolumbre foi presidente do Senado entre 2019 e fevereiro deste ano e saiu do cargo cotado para ser ministro de Bolsonaro. Durante os meses em compasso de espera, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro pressionaram o senador amapaense em uma série de temas - incluindo denúncias de que sua família fez um esquema de “rachadinhas” - ou desvio no pagamento de servidores - no estado-natal do senador. Isaac Alcolumbre, primo do parlamentar, chegou a ser preso em uma operação da Polícia Federal.
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É o senador quem comandará a sessão desta quarta-feira. Outra parlamentar, no entanto, ilustra parte da batalha a ser travada no Senado.
Eliziane Gama, a relatora
Senadora pelo Cidadania do Maranhão, Eliziane Gama é da base opositora ao governo de Jair Bolsonaro no Senado - ela foi uma das principais vozes femininas na CPI da Covid, que atribuiu uma série de crimes ao presidente, ministros e parlamentares. Ela foi escolhida como a responsável por relatar a indicação presidencial a André Mendonça.
Assim como o ex-ministro e ex-AGU, Eliziane Gama já se declarou como evangélica - ela é filha de um pastor da Assembleia de Deus no estado. Em um relatório preliminar divulgado nesta terça-feira (30), a senadora atribuiu a ele os adjetivos de “servidor dedicado e diligente”, mas negou que a afinidade religiosa tivesse alguma relação.
“Ao se escolher um Ministro para a Suprema Corte devemos nos ater à preservação do estado moderno, laico e democrático”, escreveu a parlamentar. “Nesse sentido, ao se escolher um ministro para a Suprema Corte devemos nos ater à preservação do estado moderno, laico e democrático.”
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A discussão da religião está no centro da indicação de Mendonça. Em 2019, ainda em seu primeiro ano no Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro prometeu a parlamentares que indicaria um ministro “terrivelmente evangélico”, e que cobraria dele a abertura das reuniões da corte com uma oração. O primeiro indicado por Bolsonaro à corte, Nunes Marques, não se encaixa neste perfil.
Desarranjo entre os poderes
O professor da FGV Direito São Paulo e autor do livro “Catimba Constitucional: O STF, do Antijogo à Crise Constitucional”, Rubens Glezer, indica que a sabatina ocorre em um momento de completa desorganização entre os poderes, causada principalmente pela incapacidade de Bolsonaro de coordenar as relações federativas. O resultado dessa inação é visto, em parte, dificuldade em aprovar seu próprio pupilo. “O presidente do Senado não está alinhado com o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, que não está alinhado com seus membros”, disse. “Nessa hora, quem pode atrapalhar ou consegue o que quer ou atrapalha até conseguir o que quer.”
Uma dessas abstenções presidenciais pode se mostrar perigosa, segundo Glezer: Bolsonaro não fez a campanha pelo nome de André Mendonça junto ao parlamento, o que pode colocar em risco não só sua aprovação, mas também seu próprio mandato. “Não emplacar um ministro do Supremo é um sinal de fraqueza enorme”, advertiu o professor da FGV, que lembra que “mesmo a Dilma, no auge das suas dificuldades, conseguiu emplacar o [Edson] Fachin”. O resultado da sabatina é ainda incerto, e a chance de um resultado negativo para Mendonça seria, para o professor, real.
Retaliações
As relações entre o Congresso e o Executivo não estão boas - e as relações entre o Congresso e o próprio poder Judiciário seguem o mesmo caminho.
Na última semana, a suprema corte impôs uma dura derrota ao parlamento, ao suspender as emendas de relator-geral no Orçamento de 2021, e determinar maior transparência nestes repasses - nomeados pela imprensa como “Orçamento Secreto”, justamente por sua falta de dados públicos e possível uso para compra de apoio político. O Congresso Nacional até aprovou mudanças na metodologia em uma sessão nesta segunda-feira (29), mas as emendas continuarão a existir, em um volume provavelmente igual a este ano.
Na Câmara, outra proposta caminha para alterar o funcionamento da corte: na semana passada, a CCJ da Câmara deu o aval para que a Câmara analise uma PEC (proposta de Emenda à Constituição) que diminui a idade máxima para que um servidor público se aposente. A medida afeta todo o funcionalismo público, mas tem especial efeito no STF. O limite, que hoje é de 75 anos, voltaria a ser de 70 anos, como era até 2015.
Se ela entrasse até o final do ano que vem em vigor, Bolsonaro poderia indicar mais dois ministros no lugar dos que automaticamente se aposentam. Caso seja reeleito, mais três perderão a cadeira, abrindo espaço para que sete ministros - mais da metade da corte - fossem indicados pelo atual presidente. O texto agora seguirá para análise de uma comissão especial.
Rubens Glezer enxerga a proposta como uma tentativa de retaliação do Congresso às ações do Supremo. “O que esta PEC do Pijama faz é tentar subordinar completamente o STF aos outros dois”, diz o professor, que analisa a proposta como inconstitucional.
Ele lembra que o texto de hoje substitui um aprovado seis anos atrás, quando a então presidente Dilma Rousseff, com baixa popularidade, não conseguiu impedir que parlamentares aumentassem a idade de aposentadoria para 75 anos, tirando de suas mãos novas indicações. “Quando a PEC da Bengala foi criada, o Congresso interferiu no Supremo para criar prejuízos para o Executivo”, lembrou o professor. “O Legislativo interferir na estrutura do Judiciário para, junto com o presidente, anular o controle de uma parte funcional do STF, é claramente uma violação do princípio da separação de poderes.”
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