Decreto de arbitragem em concessões atende necessidades do mercado

Gustavo Fernandes de Andrade - Crédito Divulgação
Gustavo Fernandes de Andrade - Crédito Divulgação
Para Gustavo Fernandes de Andrade, do Tauil & Chequer, norma eleva segurança jurídica
Fecha de publicación: 30/09/2019
Etiquetas: Decreto 10.025

O decreto que estabelece a possibilidade de arbitragem para solução de problemas relativos a contratos de concessão de infraestrutura dá mais segurança jurídica e reduz custos tanto para a administração pública quanto para empresas, mesmo com a previsão de que elas terão que arcar com o procedimento, avalia o advogado Gustavo Fernandes de Andrade, em entrevista ao LexLatin.

Sócio do Tauil & Chequer | Mayer Brown em contencioso e arbitragem, Andrade tem graduação em direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e LLM pela University of Pennsylvania e pela Cambridge University. 

Como avalia o decreto de arbitragem em concessões?

O Decreto nº 10.025/2019, publicado nessa última segunda-feira (23.10.19), converge com as recentes alterações legislativas introduzidas na Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) pela Lei nº 13.129/2015, na qual se tornou induvidosa a possibilidade de a Administração Pública se valer da arbitragem. Ao regulamentar e estabelecer critérios para o uso da arbitragem pela Administração Pública Federal em diversos setores de infraestrutura, o decreto, de uma maneira geral, confere maior segurança jurídica, tanto para os particulares, ao reduzir custos de transação, quanto para o poder público, ao manter prerrogativas processuais e prever que o particular deve arcar antecipadamente com as custas e despesas do procedimento. 

Que impactos estima para o setor de infraestrutura?

Segundo estudos recentes, do total investido em infraestrutura no país atualmente, mais de dois terços vêm do setor privado (65%). Essa parcela deve crescer para algo em torno de 84% nos próximos anos. Investidores desse segmento buscam, geralmente, respostas rápidas por meio de pessoas especializadas em disputas oriundas de contratos complexos e de longo prazo, tal como ocorre em arbitragens. Nesse cenário, o Decreto 10.025/2019 vem em boa hora, pois endereça as necessidades do mercado estimulando, ainda mais, os investimentos tão necessários ao setor. Exemplos disso são os artigos 8 e 12 do decreto. Enquanto o art. 8, II, dispõe que a arbitragem terá o prazo máximo de 2 (dois) anos (prorrogável por igual período, de acordo com o parágrafo único do aludido dispositivo), o art. 12, II, determina que os árbitros detenham conhecimento compatível com a natureza do litígio.

Como vê a possibilidade de a arbitragem definir valores para a recomposição de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão diante da ocorrência de irregularidades em aditivos firmados pela administração pública em obras de infraestrutura?

Em regra, o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão é matéria que pode ser validamente submetida ao árbitro. O procedimento arbitral servirá para a formulação da norma jurídica concreta, ou seja, para que os árbitros analisem e decidam sobre a existência de irregularidades, descumprimentos contratuais, necessidade de recomposição do equilíbrio, dentre outros temas. Verificada, por exemplo, a necessidade de reequilíbrio do contrato (an debeatur), o tribunal arbitral poderá determinar a quantificação devida em função do desequilíbrio existente (quantum debeatur). Nesse sentido, o art. 2º do Decreto 10.025/2019 menciona expressamente que as controvérsias relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos poderão ser submetidas à arbitragem.

Como vê a possibilidade de arbitragem para tratar do inadimplemento de obrigações contratuais? Acredita que o governo conseguiria agilizar a entrega de concessões ou a retomada de obras paradas dessa maneira? 

Como observei nas respostas acima, o tribunal arbitral pode perfeitamente resolver questões atinentes ao inadimplemento de obrigações contratuais. Acredito que sim, já que, se comparado ao processo judicial, o procedimento arbitral tende a ser mais célere. Assim, apesar de não resolver todos os problemas, a arbitragem pode contribuir para agilizar a entrega de concessões e a retomada de obras paradas. 

O decreto também permite arbitragem em caso de inadimplemento da União. O sr. acredita que isso possa ser resolvido via arbitral? Se o caso é de arbitragem, portanto mais ágil e sem possibilidade de recurso, como tornar mais rápido o pagamento do governo em caso de derrota arbitral? 

Sem problema algum. A arbitragem é mecanismo apto a resolver litígios referentes ao inadimplemento de obrigações contratuais, seja do particular, seja da União. O art. 15, caput, do Decreto 10.025/2019 exime qualquer dúvida acerca da possibilidade do pagamento de sentença arbitral condenatória da União que imponha obrigação pecuniária ocorrer por meio da expedição de precatório ou de requisição de pequeno valor. De modo a tornar o pagamento mais rápido, andou bem o decreto ao estabelecer, no §2º do art. 15, que a regra do caput não impede, desde que estabelecido acordo entre as partes, que o cumprimento da sentença arbitral ocorra por meio de instrumentos previstos no contrato, como, por exemplo, (i) mecanismos de reequilíbrio econômico financeiro; (ii) compensação de haveres e deveres de natureza não tributária (incluídas as multas); e (iii) atribuição de pagamento a terceiros, nas hipóteses admitidas por lei.

Como vê a possibilidade de um processo arbitral sigiloso determinar o valor de indenização de concessionários em caso de relicitação?

Nas arbitragens das quais seja parte ente da Administração Pública, há, por explícita determinação constitucional, a obrigação de se assegurar a publicidade (conforme. arts. 5º, XIV e XXXIII, 37, caput, e §3º, II, da Constituição). Além das referidas regras constitucionais, a Lei de Acesso à Informação estabelece a publicidade como regra e o sigilo como exceção (sendo esse justificável para proteger informações reputadas sensíveis para a segurança do Estado e da sociedade, ou para preservar a intimidade, a vida privada e a honra das pessoas). Para adequar o processo arbitral ao dever de transparência da Administração Pública, o comando constitucional foi reforçado não só pelo art. 2º, §3º, da Lei de Arbitragem, como também pelo recente art. 3º, IV, do Decreto 10.025/2019, que descreveu expressamente que as informações sobre o processo arbitral serão públicas, ressalvadas aquelas necessárias à preservação de segredo industrial ou comercial e aquelas consideradas sigilosas pela legislação brasileira. O §1º, do art. 3º do decreto ainda regulamenta que nos casos em que não há convenção entre as partes, caberá à câmara arbitral fornecer o acesso às informações sobre o procedimento. Entendo, contudo, que a legislação brasileira, conforme as regras já citadas, impõem à Administração a obrigação de disponibilizar o acesso aos documentos e às manifestações mais relevantes do processo, especialmente para dar ampla divulgação à sentença arbitral proferida, o que deve ocorrer independentemente da solicitação de qualquer interessado. 

O sr avalia que casos atualmente em discussão no Judiciário possam migrar para a arbitragem após o decreto? 

Essa possibilidade existe, mas dependerá de uma avaliação da conveniência da migração. O Decreto 10.025/2019, aliás, enfrentou expressamente essa possibilidade, ao dispor, em seu art. 6º, que ausente uma cláusula compromissória, a Administração Pública Federal pode decidir pela celebração do compromisso arbitral, avaliando, caso a caso, os prós e contras de se desistir de uma discussão em andamento no Poder Judiciário, para, iniciá-la, novamente, em arbitragem. Além disso, de acordo com o §3º do art. 6º do decreto, o órgão da Advocacia Geral da União responsável pelo acompanhamento da ação judicial deve, se possível, emitir manifestação sobre as chances de decisão favorável à Administração e a perspectiva do tempo necessário para o encerramento do litígio perante o Poder Judiciário.

O Judiciário está pronto para manter decisões arbitrais sem reavaliar o mérito do caso?

Com certeza. Desde a promulgação da Lei de Arbitragem em 1996, entende-se que o árbitro é juiz de fato e de direito e a sentença por ele proferida não fica sujeita a qualquer recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário. Tanto é assim que grande parte das ações anulatórias de sentença arbitral, de restritíssimo escopo (vide o rol taxativo do art. 32 da Lei 9.307/96), vêm sendo julgadas improcedentes pelo Poder Judiciário.

 

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