A decisão do STF que dificulta a situação de empresas em recuperação judicial

Incertezas causam insegurança jurídica e desestimulam a realização de novos negócios e investimentos nas empresas em crise/Pixabay
Incertezas causam insegurança jurídica e desestimulam a realização de novos negócios e investimentos nas empresas em crise/Pixabay
Quem está em recuperação judicial precisa agora apresentar certidões negativas de débitos tributários como condição para a homologação do seu plano.
Fecha de publicación: 27/10/2020

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A pandemia causada pela Covid-19 e a consequente paralisação das atividades econômicas abalou fortemente empresas que estavam em recuperação judicial, levando-as a pedir a suspensão do cumprimento ou o aditamento de seus planos de recuperação judicial anteriormente aprovados.

Esta prática não é nova e já foi adotada inúmeras vezes durante a vigência da Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei n. 11.101/2005). Os pedidos, geralmente, estão embasados em mudanças nas circunstâncias fáticas ocorridas após a aprovação do plano originário, que levam ao desequilíbrio das obrigações assumidas no passado, sendo a pandemia a justificativa do momento.

A Livraria Cultura, por exemplo, pediu inicialmente a suspensão do cumprimento das obrigações previstas em seu plano de recuperação judicial e, diante do indeferimento deste pedido, apresentou um aditivo ao plano e requereu a convocação de nova assembleia de credores. A construtora PDG e a OI também propuseram um aditamento aos seus planos de recuperação judicial.

Nenhum problema haveria, não fosse a polêmica decisão liminar proferida recentemente pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), que mandou cumprir os artigos 57 da Lei 11.101/2005 e 191-A do Código Tributário Nacional, exigindo que empresas devedoras que estão em recuperação judicial apresentem certidões negativas de débitos tributários (CND) como condição para a homologação do seu plano.

Quem trabalha no mundo das empresas em crise sabe que, apesar de a lei exigir a apresentação de CND para a homologação do plano de recuperação judicial, esta exigência sempre foi afastada pela jurisprudência. De início, porque não existia lei específica que regulamentasse o parcelamento de débitos tributários para empresas em recuperação judicial. Depois, com a edição desta lei específica no âmbito federal, porque suas regras era insuficientes para resolver o passivo tributário da grande maioria das empresas em crise e sua constitucionalidade era duvidosa, na medida em que ela impunha a desistência de todas as discussões judiciais e administrativas com o Fisco como requisito para adesão ao parcelamento.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em diversas oportunidades, entendeu que, embora a lacuna legislativa acerca do parcelamento especial tivesse sido preenchida na esfera federal, a exigência de comprovação da regularidade fiscal para a concessão da recuperação judicial configurava medida inadequada para aumentar a arrecadação fiscal e, ao obstruir a recuperação judicial, causava a falência da empresa devedora, o que dificultaria o recebimento do crédito tributário.

Com isso, a exigência de CND continuou sendo ignorada para fins de concessão da recuperação judicial até 8 de setembro, quando foi proferida a decisão liminar do Ministro Fux. Esta decisão caiu como uma bomba no mundo das empresas em crise, que costumam ter passivos tributários vultosos. De fato, aos primeiros sinais de dificuldades financeiras, grande parte das empresas deixa de pagar o Fisco e prioriza o pagamento de trabalhadores, fornecedores, bancos e contas de consumo, na tentativa de manter a atividade em funcionamento.

Apesar da decisão do ministro Fux estar calcada em uma questão processual, relativa à competência para se realizar o controle difuso de constitucionalidade de um dispositivo legal, o que não teria sido observado nas decisões proferidas pelo STJ, é no mérito que ela abala profundamente o instituto da recuperação judicial, pois a exigência de CND como condição para a concessão da recuperação judicial, na prática, inviabiliza o procedimento.

Vale lembrar que os débitos fiscais não estão sujeitos à recuperação judicial, mas raramente o Fisco consegue fazer valer suas prerrogativas dentro deste procedimento, pois fica impedido de executar os bens da empresa recuperanda. Isso faz com que a relação entre o Fisco e empresas que estão em recuperação judicial seja tormentosa e de difícil solução.

E, a “nova” exigência de apresentação de CND como condição para a homologação do plano de recuperação judicial, além de não melhorar esta relação, cria um novo limbo jurídico: a empresa tem seu plano aprovado pelos credores, mas não consegue a concessão da sua recuperação diante da ausência de equalização do passivo fiscal. Ou seja, ela não está em recuperação judicial, mas ao mesmo tempo não pode ser declarada falida, pois esta situação não está prevista no rol taxativo das causas de convolação da recuperação judicial em falência.

Será que esse caos foi imaginado pelo ministro Fux quando proferiu a decisão liminar que passou a exigir a CND para fins de homologação dos planos de recuperação judicial, ainda mais na atual conjuntura, em que várias são as empresas estão buscando a revisão de seus planos? Como fica a situação da empresa que não teve que cumprir essa exigência no momento da homologação de seu plano originário, mas terá que fazê-lo agora para a homologação do aditamento? Deve ela se arriscar e não fazer nada, correndo o risco de ter sua falência decretada por descumprimento do plano, esta sim uma causa expressa de convolação em falência?

Essas incertezas causam insegurança jurídica, que, por sua vez, desestimula a realização de novos negócios e de investimentos nas empresas em crise, o que será essencial para uma rápida retomada da economia após a pandemia. Por mais que a decisão do ministro Fux esteja calcada na necessidade de se proteger a arrecadação fiscal que, ao final, serve a todos nós como cidadãos, sob o aspecto jurídico ela deixa as empresas em uma situação indefinida, e sob o aspecto econômico, pode gerar prejuízos ainda maiores, impedindo a sobrevivência de diversas empresas se elas não conseguirem equalizar seu débito fiscal de forma satisfatória no curto prazo e dentro do critério de conveniência do próprio Fisco.

*Maria Fabiana Seoane Dominguez Sant’Ana é sócia do PGLaw e integrante da Comissão de Direito Falimentar do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), da Turnaround Management Association (TMA)  e professora assistente de Direito Comercial na PUC-SP e na Faculdade de Direito da USP.

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