Crime tributário deve levar em conta dolo e má-fé do contribuinte

Especialistas entendem que a decisão do Tribunal deveria ser referência nas apurações de crimes tributários/Canva
Especialistas entendem que a decisão do Tribunal deveria ser referência nas apurações de crimes tributários/Canva
TRF-2 trancou ação por não identificar indícios mínimos de crime.
Fecha de publicación: 25/03/2022

O TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) determinou o trancamento de um inquérito policial instaurado contra o diretor de uma empresa com base na chamada representação fiscal para fins penais.

 

Por 2 votos a 1, os desembargadores da 1ª Turma Especializada entenderam que o documento enviado pela Receita Federal ao Ministério Público Federal — comunicando uma dívida tributária da companhia — não apresentava “indícios mínimos” de crime. Na ocasião, foi julgado um habeas corpus impetrado pelo diretor da empresa que sofreu a cobrança fiscal e estava sendo investigado no inquérito policial (processo nº 5015192-55.2021.4.02.0000).

 

O desembargador Antonio Ivan Athie destacou que decisão anterior do Carf não impôs à empresa a multa qualificada, de 150% — quando entende-se ter havido fraude ou sonegação — e que houve empate em relação ao débito. Na época do julgamento, ainda estava em vigor a regra do voto de qualidade no Carf. No caso de empate, prevalecia o voto do presidente da turma. Essa regra caiu em abril de 2020.


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Para advogados, a decisão deve servir como referência em casos do tipo.

"Tal julgamento é importante na medida em que percebe a distinção entre materialidade delitiva e auto de lançamento. Considerando que a decisão fiscal pode se dar por motivos outros que não a sonegação dolosa — como, por exemplo, por presunção —, tem-se que nem todo auto de lançamento reflete indícios suficientes de prática criminosa”, avalia o advogado criminalista Daniel Gerber.

O advogado destaca que a decisão é ainda mais significativa pela corte entender que a ausência de multa qualificada e, consequentemente, má-fé do contribuinte, “demonstra de plano não se estar diante, sequer em hipótese, de crimes contra a ordem tributária”. “Decisão correta pelo ponto de vista técnico e corajosa pelo político, eis que se nega a repetir entendimentos burocráticos e consolidados sobre o tema”, complementa Gerber.

 

Na mesma linha, André Damiani, criminalista especializado em Direito Penal Econômico e sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, entende que a decisão do TRF2 é digna de aplausos e “deveria ser referência no que diz respeito às apurações de crimes tributários”.

“Isso porque o crime tributário não decorre simplesmente do não pagamento do tributo, mas depende da ocorrência de uma ação fraudulenta, dolosa, ludibriando o fisco para que não ocorra esse pagamento. No entanto, a praxe é que automaticamente o fisco comunique ao Ministério Público as infrações tributárias para apuração de eventuais crimes sem que haja qualquer indício mínimo de prática criminosa”, comenta.

Sócio de Damiani, o criminalista Diego Henrique destaca, por sua vez, que essas representações oriundas do fisco entram na “linha de produção do Ministério Público, que representa pela instauração do inquérito policial sem cuidado algum na verificação de indícios mínimos de delito, quando não parte diretamente para uma denúncia criminal sem nenhum tipo de apuração dos fatos e responsabilidades”.

 

Trata-se, no entender do advogado, de um verdadeiro absurdo porque o MP não apenas desperdiça dinheiro público em uma investigação ilegal, como promove severas injustiças que, por vezes, acabam sendo revertidas somente nos tribunais superiores. “É dever do Judiciário frear essa espécie de automação do sistema em desfavor do cidadão empresário”, conclui.


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Rodrigo Dall’Acqua, especialista em Direito Penal e sócio do Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados, considera positiva a decisão do TRF-2. Para ele, as representações fiscais para fins penais foram banalizadas, “limitando-se a citar os artigos infringidos”.

"Elas são enviadas ao Ministério Público sem a descrição da suposta fraude cometida pelo contribuinte. Os inquéritos policiais estão sendo instaurados de forma automática. É preciso que se faça um prévio controle de admissibilidade para evitar investigações baseadas em mera dívida fiscal. Infelizmente, é muito comum ver investigações tramitarem por anos sem que o delegado ou o Ministério Público compreendam que tipo de crime teria sido em tese praticado. Já vi inquéritos em que o promotor pede a oitiva do fiscal para que ele informe qual foi a fraude cometida. Ora, essa narrativa deveria estar expressa na representação fiscal, como elemento essencial para a abertura da investigação”, conclui Dall’Acqua.

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