STF e o futuro da demarcação de terras indígenas

Solução dará jurisprudência aos conflitos envolvendo terras indígenas no país/ Tiago Miotto / Cimi
Solução dará jurisprudência aos conflitos envolvendo terras indígenas no país/ Tiago Miotto / Cimi
Julgamento vai fixar a interpretação sobre direitos dos povos.
Fecha de publicación: 07/06/2021

O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia, na próxima semana, o julgamento que definirá o futuro das demarcações das terras indígenas no Brasil.

A Corte vai analisar a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra os povos Xokleng, Guarani e Kaingang, relativa a uma área pertencente à TI Ibirama-Laklanõ. Em 2019, o STF deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão sobre ele servirá de diretriz para a gestão federal e todas as instâncias da Justiça no que diz respeito aos procedimentos demarcatórios.


Leia também: STF determina medidas de segurança em terras indígenas


Os ministros também vão analisar a determinação do ministro Edson Fachin, de maio do ano passado, de suspender os efeitos do Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). A norma oficializou o chamado “marco temporal”, entre outros pontos, e vem sendo usada pelo governo federal para paralisar e tentar reverter as demarcações. Na mesma decisão do ano passado, Fachin suspendeu, até o final da pandemia de Covid-19, todos processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de procedimentos demarcatórios. Essa determinação também deverá ser apreciada pelo tribunal.

O marco temporal é uma interpretação que restringe os direitos constitucionais dos povos indígenas. De acordo com ela, essas populações só teriam direito à terra se estivessem sob sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Alternativamente, se não estivessem na terra, precisariam estar em disputa judicial ou em conflito material comprovado pela área na mesma data.

A tese desconsidera as expulsões, remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas até a promulgação da Constituição. Além disso, ignora o fato de que, até 1988, eles eram tutelados pelo Estado e não podiam entrar na Justiça de forma independente para lutar por seus direitos.

“A gente espera que o Supremo possa adotar uma interpretação mais justa, razoável, e que possa ajudar a efetivar direitos. E não mais utilizar, por exemplo, a tese do marco temporal, para limitar o reconhecimento de direitos a nós, povos indígenas, o que já vem acontecendo nos últimos dez anos”, afirma Samara Pataxó, advogada da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

“Então, esse processo se torna importante porque ele vai desenhar o contorno, o entendimento da posse, do direito dos povos indígenas aos seus territórios. Mas também pode fortalecer a nossa luta nesse enfrentamento com os outros poderes, que utilizam do marco temporal como um critério para restringir direitos para nós, povos indígenas”, diz a advogada.  

O julgamento será virtual, formato em que os ministros indicam seus votos eletronicamente, sem lê-los e debatê-los. Está previsto para acontecer entre a madrugada da próxima sexta (11) e a da sexta da outra semana (18). Não há garantia que seja concluído nesse período, porque os ministros podem pedir para avaliar o processo melhor, com um pedido de vistas ou de destaque, suspendendo-o e transferindo-o para uma data incerta.  

“A demora na demarcação das terras indígenas é muito preocupante. Porque, a cada tempo que se passa, se encontram grandes dificuldades para a demarcação de terra no Brasil. Os povos indígenas precisam ter reconhecidos seus direitos tradicionais”, diz Brasílio Priprá, uma das principais lideranças Xokleng. “E nós gostaríamos que fosse julgada a repercussão geral, que fosse a favor, que não se falasse mais em marco temporal”, complementa.

Priprá reforça que a demarcação das terras indígenas é fundamental não apenas para a sobrevivência dos povos originários, mas para conservação do meio ambiente e a sustentabilidade de toda a sociedade brasileira. “[A demarcação é] para que se mantenha as águas, o ar, o meio ambiente melhor do que está hoje. O que nós não podemos é queimar as matas, destruir as matas, destruir as águas, pensando que isso vai trazer algo bom para nós futuramente. Não vai trazer”, conclui.

A terra Ibirama-Laklanõ está localizada entre os municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, Vitor Meireles e José Boiteux, 236 km a noroeste de Florianópolis (SC). A área tem um longo histórico de demarcações e disputas, que se arrasta por todo o século XX, no qual foi reduzida drasticamente. Mais recentemente, foi identificada por estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai), em 2001, e declarada pelo Ministério da Justiça, como pertencente ao povo Xokleng, em 2003. Os indígenas nunca pararam de reivindicar o território a terra.

“A forma como o povo perdeu o território foi a forma mais violenta, mais vil, mais terrível”, explica Rafael Modesto, advogado da comunidade Xokleng e também assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “Houve, no início do século passado, a demarcação sem critérios técnicos. Perdeu-se, na década de 20, parte significativa do território. Em 1950, a mesma coisa. Depois, a construção de uma barragem levou as melhores terras. E nesse contexto se dá a disputa do povo Xokleng, para que de fato seja garantida a devolução dessas áreas roubadas”, diz. 


Veja também: O eixo social do ESG na cadeia produtiva e a relação com os stakeholders


Modesto conta que era comum que fazendeiros interessados no território Xokleng contratassem jagunços especializados, chamados de bugreiros na época, para caçar e matar os indígenas. O trabalho era comprovado pela entrega das orelhas cortadas das vítimas. 

O STF reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365. Isso significa que a decisão tomada nesse julgamento, marcado para começar no dia 11 de junho, repercutirá sobre todos os povos indígenas do Brasil. A Suprema Corte poderá, assim, dar uma solução definitiva aos conflitos envolvendo terras indígenas no país.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.