Execução trabalhista e os exageros da Justiça

Justiça do Trabalho deve repensar a forma como vem tratando a inclusão de empresas em fase de execução/Tribunal Superior do Trabalho
Justiça do Trabalho deve repensar a forma como vem tratando a inclusão de empresas em fase de execução/Tribunal Superior do Trabalho
Decisão do STF busca coibir abusos no cumprimento de sentença.
Fecha de publicación: 29/10/2021

Desde sua criação, a Justiça do Trabalho sempre se orientou pela proteção do hipossuficiente e efetividade de suas decisões, tendo em vista a natureza alimentar dos créditos trabalhistas. Mas o excesso de certas medidas processuais para responsabilização de terceiros por débitos trabalhistas tem gerado impacto perverso na manutenção da viabilidade financeira de diversos empregadores e, com isso, dos empregos em si.

Hoje há uma série de processos trabalhistas em que se discute alegada existência de grupo econômico e que tem levado empresas a buscarem no Supremo Tribunal Federal uma resposta adequada aos abusos cometidos na esfera trabalhista. Ancorando-se no cancelamento da Súmula nº 205, do Tribunal Superior do Trabalho e na responsabilidade excepcional solidária de empresas, as decisões proferidas pela Justiça do Trabalho têm, reiteradamente, desconsiderado a legislação constitucional e infraconstitucional que regula o tema, incorrendo, portanto, em erro de procedimento.

Com isso, e com suposta base legal no alargamento do que seria o conceito do grupo econômico trabalhista, não raro, há inclusão na fase de execução de sentença de empresas que não fizeram parte da demanda desde o seu ajuizamento e, com isso, não tiveram oportunidade adequada de defesa.


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Especificamente sobre a súmula cancelada, ela acertadamente estabelecia que o responsável integrante do grupo econômico que não participasse da relação processual como reclamado e que, portanto, não constasse no título executivo judicial como devedor, não poderia ser sujeito passivo na execução. Importante esclarecer que seu cancelamento refletiu, apenas e tão somente, a inexistência de jurisprudência consolidada sobre a matéria.

Não autorizou, com isso, automática e imediatamente, como se pretende, a responsabilização em fase de execução de empresas que não puderam participar da fase de conhecimento do processo.

O debate, para além de questões exclusivamente vinculadas ao cumprimento da obrigação contida na sentença de mérito, resvala em aspectos de ordem processual costumeiramente marginalizadas por decisões que a um só tempo incluem terceiros na execução sem a instauração de incidente pertinente.

Há, com isso, reiterada desobediência do artigo 513, § 5º, do Código de Processo Civil, segundo o qual o cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento.

Além de descumprir regras processuais infraconstitucionais, a adoção desta prática reiterada pela Justiça do Trabalho infringe, ainda, os ditames constitucionais voltados à garantia da ampla defesa e do contraditório previstos na Constituição Federal, uma vez que desconsideraram que a sentença produz efeitos entre as partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros e não autorizando a ampliação da legitimidade dos devedores.

O conceito deveria ser de fácil compreensão, especialmente na medida em que busca atender a critérios básicos de adequação e justiça: quem não é devedor em decorrência da determinação de sentença que apreciou o mérito e contra a qual não pende recurso, não pode ser executado no lugar dele, sob pena de afronta aos ordenamentos jurídicos infraconstitucional e constitucional.

Esse tema tão sensível e importante foi enfrentado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal em decisão monocrática proferida no Recurso Extraordinário n. 1.160.361. Ela é enfática no sentido de que a inaplicabilidade do artigo 513, § 5º, do CPC ao processo do trabalho, em inobservância do artigo 15 do mesmo diploma legal (que autoriza a aplicação subsidiária e supletiva do Processo Civil na esfera trabalhista), exige análise de constitucionalidade. Logo, a decisão que nega vigência a texto de lei sem declará-lo inconstitucional incorre em inequívoco erro de procedimento.


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Na prática, a decisão busca, justamente, coibir abusos no cumprimento de sentença trabalhista. Estabelece, com isso, importante marco interpretativo da norma, haja vista orientar-se pela segurança e estabilidade das relações jurídicas de ordem processual. Concomitantemente, sinaliza o posicionamento que será adotado na análise de temáticas semelhantes levadas ao Supremo Tribunal Federal, evitando ou, ao menos, dificultando procedimentos que incluam indevidamente empresas no polo passivo da execução sem que elas tenham feito parte do processo desde o seu ajuizamento.

É preciso que a Justiça do Trabalho repense a forma como vem tratando a inclusão de empresas em fase de execução para satisfação de débitos trabalhistas, inclusive sob a alegação de pertencimento ao mesmo grupo econômico. Têm-se, com isso, reiterado e reforçado, ao longo dos últimos anos, um paradoxo cruel: para tentar garantir o recebimento dos créditos trabalhistas, inviabiliza-se, por vezes, o emprego que, supostamente, tanto se busca proteger.

Não há dúvida de que as sentenças de mérito precisam ser executadas e que o crédito trabalhista, inclusive por sua natureza alimentar, deve ser satisfeito. Mas que essa satisfação de crédito seja feita de maneira adequada, observando o regramento jurídico existente, em nome da garantia mínima de segurança jurídica às empresas que operam no país.

*Leticia Ribeiro e Carlos Eduardo Morais, respectivamente sócia e associado da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe

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