É preciso se preparar para julgamentos no Metaverso

Certamente (ainda mais no Brasil!) haverá alguma regulamentação das reações estabelecidas no Metaverso/Canva
Certamente (ainda mais no Brasil!) haverá alguma regulamentação das reações estabelecidas no Metaverso/Canva
Advogados servirão apenas para formular contratos com disposições seguras e autoexecutáveis?
Fecha de publicación: 31/03/2022

Metaverso não é um “onde”. É muito mais um “quando”. Ouvi essas palavras provocadoras do meu caro amigo Alexandre Calil S. Silva, um dos pioneiros da Realidade Virtual no Brasil, enquanto me apresentava sua visão do Metaverso. E há muita razão nessa proposição filosófica sobre espaço e tempo.

Com a evolução das interações no Metaverso, ele provavelmente permeará nossas vidas ao ponto de transformar nossas consciências. Isso porque a principal conexão entre a realidade virtual e a realidade física está no fato de ambas serem, eminentemente, reais. E quem compreende isso, já dá um passo muito importante.

Assim como ocorreu com a internet, o Metaverso deverá, em médio prazo, tomar um tempo relevante de dedicação diária de todos nós. Hoje, mesmo sem usarmos as ferramentas de imersão que a experiência do Metaverso nos propõe, já temos uma série de (r)evoluções importantíssimas para o estabelecimento de experiências cada vez mais palpáveis e economicamente relevantes no tempo virtual das nossas vidas.

Os criptoativos, o blockchain, os NFTs e os contratos inteligentes possibilitam, no mundo dos negócios, o estabelecimento de relações que são propostas, formadas, extintas e executadas eletronicamente. 


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Um advogado de rotina contenciosa, que não consegue ler um contrato sem pensar no litígio que dele pode decorrer, logo se pergunta: o que acontecerá comigo e com a minha prática profissional se o futuro se basear em contratos inteligentes?

Sabemos que em um contrato inteligente, por meio do qual são transacionados bens ou direitos vinculados ao blockchain, e que prevê de forma clara as vontades das partes e as consequências da avença, ocorrendo um trigger event qualquer – previamente programado pelas partes – a própria plataforma executa as disposições contratuais específicas diretamente, sem qualquer necessidade de intermediários, inclusive determinando transferência de registros e de propriedades por meio de alterações no blockchain.

Se é assim, para que servirão profissionais como eu? Advogados servirão apenas para formular contratos com disposições seguras e autoexecutáveis? É o fim do contencioso? Na verdade, não é o fim. É um novo capítulo. E dos mais excitantes!

Certamente (ainda mais no Brasil!) haverá alguma regulamentação das reações estabelecidas no Metaverso. Há quem diga que a tendência é que ocorra o mesmo do que aconteceu com a internet: apesar da ausência de fronteiras e jurisdições no Metaverso, o elemento jurisdicional nacional e a aplicabilidade de leis locais permanecerão muito importantes para a validade das relações estabelecidas. Eu prefiro esperar para dizer. Mas arrisco que essa tendência deve sofrer alguns abalos.

Fato é que, mesmo em um contrato inteligente, pode ser importante a designação de alguma forma de solução de controvérsias entre as partes, principalmente se houver dúvida sobre a real efetivação das condições previstas, ou mesmo quando houver possíveis descumprimentos com base em eventos não previstos na avença.

Exemplo: imagine um contrato inteligente, em que uma parte negocia com a outra um NFT. A compradora pagaria o valor do NFT com um Bitcoin, que negociou por um preço determinado com um terceiro, mas que ainda não tinha pago por completo. Por isso, não tinha o direito de transferir o Bitcoin à vendedora enquanto não pagasse seu valor integralmente ao terceiro.

O vendedor concordou em esperar tal prazo e, uma vez consolidada a propriedade do Bitcoin ao comprador, ele registraria o evento na plataforma do contrato e a operação seguiria. Nesse meio tempo, no entanto, aparece uma ordem de penhora sobre NFT negociada com o comprador. Como fica? Quem irá resolver uma eventual disputa entre as partes, caso as negociações não evoluam?

As relações humanas, onde (ou quando) ocorram, sempre serão complexas, multifacetadas e com riscos diversos. Por isso que, mesmo num smart contract, parece ser smarter e de boa cautela se prever como serão resolvidas eventuais disputas dele decorrentes. Por isso que já se fala em Blockchain Arbitration, Blockchain Mediation e em Blockchain Litigation mundo afora... Ora, ora, como não se empolgar com essas novas dimensões? 


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Há quem fale, inclusive, que as arbitragens nos smart contracts irão tornar obsoleta a Convenção de Nova Iorque, pois a execução da decisão, via blockchain, não depende de nenhuma Corte, de nenhuma lei e de nenhuma jurisdição.

Eu entendo a técnica do argumento, mas também prefiro esperar para ver, pois já tenho cabelos brancos suficientes para não subestimar a habilidade e a perspicácia dos meus colegas advogados que, assim como eu, certamente buscarão o caminho que for para, legalmente, defender os interesses de seus clientes.

Fato é que já devemos nos programar para participarmos de reuniões, despachos e sessões de julgamento no Metaverso (Pasme, Avatar Excelência!), tendo como oponentes profissionais do mundo todo e discutindo, quem sabe, leis diversas, convenções internacionais aplicáveis ou até a “melhor interpretação” (sempre a nossa, é claro!) para as leis metavérsicas!

*José Nantala Bádue Freire é especialista em Direito Cível do Peixoto & Cury Advogados

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