O longo caminho para a regulamentação dos jogos de azar no Brasil

Mercado de apostas online tem dobrado de tamanho no país a cada dois ou três anos e explodiu durante a pandemia/Canva
Mercado de apostas online tem dobrado de tamanho no país a cada dois ou três anos e explodiu durante a pandemia/Canva
Crescimento das apostas online e fuga de arrecadação são um incentivo para que governo e autoridades discutam a aprovação de um marco regulatório para o setor.
Fecha de publicación: 11/04/2023

A discussão é uma das mais importantes do ano e está na lista de prioridades do atual governo. A regulamentação dos chamados jogos de azar no Brasil é cercada de polêmicas, pois ainda há muita resistência de vários setores, incluindo a classe política, especialmente da direita, e as igrejas. Uma proposta, atualmente em tramitação no Congresso Nacional, está no centro da discussão, por ser considerada uma espécie de marco regulatório para a área: o Projeto de Lei 442/91.

A proposta, que passou pela Câmara dos Deputados em fevereiro do ano passado e aguarda votação pelos senadores, prevê a legalização das apostas no país de modalidades que já existem na prática, como jogo do bicho, bingos e sites de apostas esportivas, que atualmente estão em plena operação no país, mas estão sediados fora do Brasil. A norma, se aprovada, também permite a instalação de cassinos: um por estado, com exceção dos que têm mais de 15 milhões de habitantes, que poderiam ter uma segunda unidade, e três nos estados com mais de 25 milhões de habitantes (neste caso, somente São Paulo).

Para quem defende a proposta, a legalização do jogo seria uma porta de entrada para o aumento do turismo e permitiria a regulação de um mercado que movimenta pelo menos R$ 27 bilhões de reais (os dados são do relator do projeto no Congresso Nacional, Felipe Carreras). E o potencial é de crescimento ainda maior, motivado principalmente pelas apostas esportivas ou apostas de quota fixa, feitas por empresas que chegam a patrocinar clubes de futebol que disputam a série A do campeonato brasileiro.

“Não há como negar que é um fator que incentiva sim a regulação, já que atrai a atenção de diversos setores da sociedade que acompanham o futebol”, afirma Bernardo Freire, sócio do Wald Advogados e consultor jurídico da Betnacional. 


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Mercado em crescimento

Falando em apostas online, esse mercado tem dobrado de tamanho no país a cada dois ou três anos e explodiu durante a pandemia. Em 2018, movimentou R$ 2 bilhões. Saltou para R$ 7 bilhões em 2021 e agora, em 2023, deve chegar a R$ 12 bilhões. De acordo com um levantamento do site Fraudes.com, são pelo menos 400 opções de plataformas no setor disponíveis no país. 

Outro estudo feito no final de 2022 pela Similarweb, uma ferramenta de análise de sites e aplicativos, mostra que a busca por sites de apostas esportivas no país explodiu antes da Copa do Mundo no Catar: foram 114 milhões de visitas, o que tornou o Brasil o segundo maior mercado em apostas esportivas no mundo, só perdendo para os EUA. E o potencial para crescer é ainda maior, quando se considera a falta de regras específicas para as várias modalidades existentes.

Segundo os especialistas consultados pela LexLatin, os jogos de apostas online no país cresceram exponencialmente depois da aprovação da lei 13.756/18, promulgada pelo então presidente Michel Temer, em 2018. A norma legalizou o mercado de apostas esportivas no Brasil, mas deveria ter regulamentação posterior pelo Ministério da Fazenda até 2020. Depois desse prazo, havia a possibilidade de prorrogação do prazo de regulamentação por mais dois anos, mas o ex-presidente Jair Bolsonaro não aprovou a norma, o que deixou a discussão de um marco regulatório definitivo para o atual governo. 

A regulamentação de 2018 quebrou um silêncio de mais de 70 anos sobre o tema. Antes, em 1941, a Lei de Contravenções Penais proibiu os jogos de azar no Brasil, com prisão prevista de três meses, com exceção das apostas sobre corrida de cavalos, que permaneceram autorizadas. Ao longo dessas sete décadas, foram muitas as tentativas de normatizar a questão, todas rejeitadas por conta de acusações de danos sociais e da possibilidade de lavagem de dinheiro e do financiamento do tráfico de drogas e do terrorismo, um dos grandes enfrentamentos de governos em todo o mundo. 

Para os advogados da área, esse é um argumento falho. “É preciso dissociar que os jogos estão sempre relacionados à lavagem de dinheiro, bem como combater o aspecto da carga moral negativa e prejudicial. Se fosse assim, os cassinos seriam proibidos no mundo todo”, defende Fabyola En Rodrigues, sócia das áreas de Penal Empresarial e Compliance do Demarest.

A possível regulamentação das diferentes modalidades, discutida ainda em ao menos cinco projetos de lei no Congresso, promete permitir que as empresas que atuam no mercado de apostas e estão sediadas no exterior (em websites hospedados em servidor no exterior), em jurisdições onde as apostas são regulamentadas e legais, possam gerar divisas para o Brasil. 

“É um mercado que tem crescido exponencialmente nos últimos anos, apesar de ainda faltar regulamentação e ter algumas modalidades de jogos até proibidas. Por isso, o legislador tem que ter em mente que as novas regras precisam ser viáveis e sustentáveis para atrair novos investimentos. Caso contrário, a atual estrutura desse setor se manterá, com empresas sediadas no exterior explorando esse mercado no Brasil. E a nova legislação correrá o risco de ser ‘letra morta’”, afirma Monique Guzzo, advogada das áreas de Regulatório e Direito Público do Demarest

Governo prepara medida fiscal

Enquanto o Congresso não define uma legislação, o governo federal está prestes a anunciar uma tributação para o setor para não perder arrecadação. O Ministério da Fazenda passou a cogitar, entre outras medidas, a revisão de gastos tributários e a tributação de setores hoje não tributados, como o das apostas esportivas. 

Especula-se que o Governo Federal pretende publicar em breve Medida Provisória com o objetivo arrecadar até R$ 15 bilhões com o setor, provavelmente por meio da venda do direito de exploração dessas atividades e por meio da instituição de uma contribuição cuja alíquota ainda não foi divulgada. Além disso, também é possível que a sistemática de tributação do apostador seja revisada.

“A arrecadação tributária não tem conseguido acompanhar o volume movimentado por esse mercado. Até existem previsões de tributação da renda do apostador, que ficará sujeito ao carnê-leão, conforme Solução de Consulta COSIT 61/2018, ou à alíquota de 30% prevista no art. 14 da Lei nº 4.506/1964, a depender da origem da fonte pagadora. No entanto, tendo em vista que boa parte das casas de apostas se localiza no exterior, inclusive em paraísos fiscais, é grande a dificuldade de tributar diretamente as suas receitas”, analisa Pedro Lameirão, sócio da área de Direito Tributário do BBL Advogados.

Entidades formadas por empresas do setor entendem que a regulamentação da atividade pelo governo traz maior segurança jurídica, difundindo no mercado os princípios do jogo responsável e da transparência. No entanto, pedem pela aplicação de uma tributação justa, bem como que os tributos sejam calculados a partir do “Gross Gaming Revenue” (GGR), que corresponde à arrecadação bruta menos os prêmios pagos.

Discussão de apostas esportivas

O mercado dos sites de apostas internacionais atuantes no Brasil tem se organizado nos últimos anos através da criação de órgãos de classe, como o Instituto Brasileiro do Jogo Responsável, e está na expectativa sobre o resultado dos debates que serão feitos na Câmara dos Deputados. A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados realiza audiência pública nesta quarta-feira (12) para debater a regulamentação de sites de apostas esportivas.

Uma questão legal importante da não regulamentação é o direito dos apostadores que se sintam prejudicados ou enfrentarem problemas no pagamento dos prêmios. Como a atividade não é fiscalizada por órgãos brasileiros, eventuais problemas judiciais não podem ser resolvidos por aqui.

A regulamentação tem impactos econômicos que envolvem não só a arrecadação de impostos. “Traz também oportunidades no licenciamento de marcas, na tecnologia, com o desenvolvimento e uso de inteligência artificial, e nos aspectos relacionados à propriedade intelectual”, avalia Tatiana Campello, sócia da área de Direito Digital e Proteção de Dados do Demarest. 

No fim das contas, a legalização traz segurança jurídica e transparência aos jogos de azar no país, algo que evita, por exemplo, a manipulação de apostas e resultados de jogos. Além disso, haverá geração de novos empregos e a possibilidade de que novas empresas cheguem por aqui de forma legal. O Brasil já ocupa a 12ª posição do mundo no segmento de games e segue como o maior mercado da América Latina.

“A regulamentação, seja das apostas esportivas, seja dos jogos de azar, é essencial para atrair os principais players mundiais para o Brasil, gerando extremamente relevante arrecadação fiscal, empregos, fomento a atividades desportivas variadas, dentre outros. Novamente, não há que se falar em atuação na ilegalidade, sendo que, no caso das apostas desportivas, a regulamentação é o caminho ideal para controlar e tributar as plataformas, trazendo arrecadação ao Brasil. Sendo assim, vejo com muito otimismo a intenção do Governo Federal de regulamentar as apostas de quota fixa ainda em 2023”, finaliza Bernardo Freire.

"Há uma omissão do governo federal na regulamentação do setor que tem impedido não só que haja a criação de um ambiente regulatório estável, mas também que a atividade de apostas em casas de apostas não seja tributadas no Brasil", avalia Maria Andréia dos Santos, sócia do contencioso tributário do Machado Associados. 

“A não regulamentação dessas apostas eletrônicas e também dos cassinos é perda de receita na veia. Porque os jogadores usam os sites internacionais, com perda de arrecadação para o país e com menor proteção para os próprios consumidores. Se você considerar toda a atividade que gira em torno disso (hotéis, atividades artísticas, restaurantes e viagens) isso pode representar um ganho importante”, afirma Igor Mauler Santiago, doutor em Direito Tributário, sócio-fundador do Mauler Advogados. 


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Os principais pontos do Projeto de Lei 442/91

Cassinos

Poderão ser instalados em resorts como parte de complexo integrado de lazer que deverá conter, no mínimo, 100 quartos de hotel de alto padrão, locais para reuniões e eventos, restaurantes, bares e centros de compras. 

O espaço físico do cassino deverá ser, no máximo, igual a 20% da área construída do complexo, podendo ser explorados jogos eletrônicos e de roleta, de cartas e outras modalidades autorizadas.

Em localidades classificadas como polos ou destinos turísticos, será permitida a instalação de um cassino, independentemente da densidade populacional do estado em que se localizem.

Poderão funcionar ainda em embarcações fluviais, sendo um para cada rio com 1,5 mil km a 2,5 mil km de extensão; dois para cada rio com extensão entre 2,5 mil km e 3,5 mil km; e três por rio com extensão maior que 3,5 mil km. Esses navios deverão ter, no mínimo, 50 quartos de alto padrão, restaurantes e bares e centros de compra, além de locais para eventos e reuniões.

Bingo

Sua exploração em caráter permanente poderá ser feita apenas em casas de bingo, permitindo-se a municípios e ao Distrito Federal explorarem esses jogos em estádios com capacidade acima de 15 mil torcedores.

As casas de bingo deverão ter capital mínimo de R$ 10 milhões. A área mínima é de 1,5 mil metros quadrados, onde poderão ficar até 400 máquinas de vídeo bingos. Caça-níqueis serão proibidos.

Será credenciada, no máximo, uma casa de bingo a cada 150 mil habitantes. Os lugares licenciados contarão com autorização de 25 anos, renováveis por igual período.

Jogo do bicho

Serão exigidos todos os registros da licenciada, seja de apostas ou de extração, sejam informatizados e com possibilidade de acesso em tempo real (online) pela União, por meio do Sistema de Auditoria e Controle (SAC).

Os interessados deverão apresentar capital social mínimo de R$ 10 milhões e reserva de recursos em garantia para pagamento das obrigações, podendo ser na forma de caução em dinheiro, seguro-garantia ou fiança bancária.

O credenciamento será por prazo de 25 anos, renovável por igual período. Poderá haver, no máximo, uma operadora desse jogo a cada 700 mil habitantes do estado ou DF. Naqueles com menos de 700 mil habitantes, deverá haver apenas uma credenciada para o jogo do bicho.

O resgate de prêmios até o limite de isenção do Imposto de Renda não precisará de identificação do apostador.

 

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