Imagine uma empresa ou startup focada na crise climática, em evitar emissões de carbono? Ou uma que analisa os riscos que envolvem questões ambientais, sociais e de governança de cada fornecedor? Já pensou numa startup que ajuda a reflorestar biomas degradados como a Mata Atlântica e a Amazônia brasileira? Pois é, esses são alguns exemplo de empresas que trabalham com negócios verdes no Brasil, um mercado que só cresce por aqui e no mundo.
De acordo com o relatório Climate Tech Report, desde 2010 o número de empresas de tecnologia que lidam com a crise climática cresceram quatro vezes. Foram identificadas, em todo mundo, 44.595 no ano passado. Globalmente, existem 160 unicórnios de tecnologia climática, empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão (R$ 4,79 bilhões). Em 2021 as companhias do setor levantaram quase R$ 531,7 bilhões em investimentos.
Segundo um outro estudo, da consultoria PwC, o foco acentuado em iniciativas ESG nos mercados privados em conjunto com regulamentações emergentes, como o Regulamento para Divulgação de Finanças Sustentáveis da União Europeia, estão impulsionando o crescimento e levando muitas empresas e investidores a alterar suas estratégias. Milhares delas se comprometeram publicamente a zerar as emissões líquidas e estabeleceram metas baseadas na ciência ou buscaram demonstrar compromissos mais amplos com a sociedade por meio da certificação como empresas focadas em sustentabilidade. Além disso, megafundos multibilionários estão sendo direcionados cada vez mais para a tecnologia climática.
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Por aqui, o Ministério da Economia estimou que o Brasil pode gerar mais de US$ 100 bilhões (R$ 479 bilhões) com o mercado de carbono. O país tem um enorme potencial, porque abriga a maior biodiversidade do planeta: temos a mais importante floresta do mundo, inúmeros tipos de biomas e grande abundância de água. Ao mesmo tempo, o agronegócio, que no passado era um risco ao meio ambiente, busca cada vez mais adotar práticas menos lesivas e que estejam em harmonia com a preservação ambiental.
Um movimento que incentiva as micro e pequenas empresas brasileiras a buscar, de forma crescente, a valorização de produtos naturais e a necessidade de desenvolver uma estrutura de logística reversa. Entram nessa cadeia, por exemplo, cada vez mais catadores, sucateiros e indústrias de reciclagem. E também começa a proliferar a necessidade de um maior reaproveitamento de resíduos industriais e materiais alternativos, a revalorização de materiais naturais para as construções, reduzindo no longo prazo o consumo de energia do local.
Com isso, os cuidados com o meio ambiente deixam de ser uma fonte onerosa de despesas para se tornar uma fonte importante de lucros, o que abre espaço para ideias disruptivas e pessoas e empreendedores comprometidos com o desenvolvimento de soluções para superar problemas ambientais.
“A emergência climática forçou uma corrida por soluções efetivas para a redução das emissões de gases de efeito estufa, potencializando a força dos negócios verdes e do mercado de carbono como um todo. Diferentemente do resto do planeta, no Brasil a principal fonte antrópica de CO2 não é o consumo de energia, mas as atividades relacionadas ao uso do solo, em especial a queima de árvores”, afirma Patrícia Iglecias, sócia do escritório Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados.
Nesse cenário, o que é um problema tem sido visto por muitos como oportunidade, e assim empresas e organizações não governamentais têm explorado o potencial econômico da proteção da biodiversidade brasileira por meio de soluções naturais para o sequestro e estocagem de carbono.
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O mercado jurídico sabe da importância desse tema e já está se preparando há tempos para essas soluções e mudanças que estão e vão ser implementadas nos próximos anos. Um mercado que cresce cercado de demandas jurídicas, onde o Direito pode e deve apoiar o desenvolvimento dos negócios verdes.
“As principais demandas giram em torno de questões relativas à propriedade da terra e à validade e correição dos títulos, empecilhos que travam muitos projetos logo de início. A insegurança jurídica no que tange à propriedade de terras por estrangeiros, que segue sem definição pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e a baixa regularização junto ao Cadastro Ambiental Rural, o CAR, também são pontos de preocupação constantes”, analisa Rogério Gaspari Coelho, sócio da área tributária de Lino Dias Coelho Advogados.
Para o advogado, a natureza jurídica e tributação incidente sobre os créditos de carbono também trazem diversos questionamentos, porque ainda não foram tratadas de maneira uniforme pela legislação. Há ainda a discussão sobre a emissão de créditos de carbono em áreas indígenas e dúvidas sobre a incidência de ITR [Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural] em áreas sob regeneração e manejo florestal.
“Nosso papel é garantir que a criação do ativo ambiental obedeça às normas nacionais e internacionais que regem a redução das emissões de carbono, além dos aspectos de compliance, conferindo assim a segurança que o mercado espera”, avalia Patrícia Iglecias.
“Nas últimas décadas, muito se tem falado sobre a necessidade de observância de práticas alinhadas e comprometidas às questões ambientais, práticas essas que deixaram de ter papel secundário e assumiram papel de destaque no mundo moderno, em especial no mundo corporativo”, explicaa Anelise Ambiel Dagostin, advogada do escritório Medina Guimarães Advogados e especialista em Direito Ambiental e do Agronegócio da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná.
Para a especialista, todos os sujeitos envolvidos nos mais variados tipos de negócios devem, obrigatoriamente, observar sua responsabilidade na cadeia ambiental sustentável, com vistas à preservação ambiental, que é o enfoque principal da sustentabilidade. Em sua avaliação, há um grande potencial para obter vantagens, como a valorização da marca ou do serviço prestado a obtenção de incentivos financeiros e/ou fiscais e a diminuição ou isenção de custos gerais.
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A falta de uma legislação para o setor
A expectativa é de que o mercado de crédito de carbono seja regulamentado ainda em 2023 pelo Congresso Nacional. Com isso, a tendência é que os negócios ambientais sejam cada vez mais explorados e que o mercado sustentável ganhe ainda mais força, tornando-se definitivamente relevante e interessante aos investimentos dos setores público e privado.
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 528/21, que institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). A intenção é regular a compra e venda de créditos de carbono no país. Essa normatização será quantificada em toneladas de gases e convertida em títulos, conforme regras previstas na proposta. Os títulos gerados serão negociados com governos, empresas ou pessoas físicas que têm metas obrigatórias de redução de emissão de gases de efeito estufa, definidas por acordos internacionais.
Essa regulamentação está prevista na lei que instituiu a Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187/09), e é uma recomendação do Protocolo de Quioto, tratado internacional ratificado pelo Brasil que prevê a redução da concentração de gases de efeito estufa no planeta.
“O endereçamento adequado das políticas climáticas é algo mais que necessário para o posicionamento do Brasil como um país na vanguarda do desenvolvimento inteligente e estratégico”, diz o autor do projeto em análise no Legislativo, o deputado Marcelo Ramos. Ele avalia que a regulação proposta garante a transparência das negociações de créditos de carbono no Brasil.
A norma, se aprovada, define pontos como natureza jurídica, registro, certificação e contabilização dos créditos de carbono. Também fixa um prazo de cinco anos para o governo regulamente o programa nacional obrigatório de compensação de emissões de GEE.
O texto prevê a criação de um mercado voluntário de créditos de carbono, que se destina à negociação com empresas ou governos que não possuem as metas obrigatórias de redução de GEE, mas desejam compensar o impacto ambiental das suas atividades. Essas transações no mercado voluntário serão isentas de impostos como PIS, Cofins e CSLL.
Todos os projetos de redução de GEE e as negociações dos créditos de carbono serão registrados por um sistema eletrônico, gerido pelo Instituto Nacional de Registro de Dados Climáticos (INRDC), órgão privado fiscalizado pelo Ministério da Economia.
A proposta está em análise nas comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços e também nas de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça.
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Ao mesmo tempo, o atual governo criou a Secretaria de Desenvolvimento da Economia Verde, da Descarbonização e da Bioeconomia, no âmbito do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. A intenção é implementar políticas públicas que incentivem e apoiem o desenvolvimento de negócios que gerem impacto social e ambiental e estimular o acesso público ao capital público e privado de negócios que gerem impacto social e ambiental.
A definição de um marco regulatório sobre o tema é algo fundamental e urgente, segundo os especialistas. A 19ª edição do Relatório Justiça em Números 2022, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, mostra o crescimento no número de processos envolvendo ambientais. Esse tipo de demanda subiu 10,4%, comparando o ano de 2021 com o de 2020.
Muitos desses litígios questionam, por exemplo, as emissões dos gases de efeito estufa vindas de autorizações ou licenças concedidas pelo próprio Poder Público, buscando inclusive a definição dos responsáveis pelos danos materiais e morais. Para os advogados especializados na área, além das questões das emissões ou da responsabilização haverá enfrentamento em relação à existência dos créditos de carbono, sua validade, a cadeia e processo de geração, sua natureza jurídica e até mesmo da precificação.
“Aliado à expectativa de surgimento de novos negócios, os novos mercados, a aplicação do aparato tecnológico e inovações reclamam a necessidade de respaldo político, científico e jurídico, o que ensejará novas demandas judiciais, concedendo um papel de grande importância ao Poder Judiciário que, interpretando as leis, oferecerá maior clareza em relação à maneira pela qual elas devem ser implementadas na sociedade”, avalia Thaís Leonel, sócia de ambiental do SFCB Advogados.
Para os advogados, as demandas também envolvem os arranjos produtivos para custear novas infraestruturas verdes.
“Viabilizar uma planta de hidrogênio verde, por exemplo, pressupõe congregar esforços, atores e recursos intensos, sofisticados e incomuns. O mesmo acontece com uma concessão de área para restauração florestal ou com a adaptação de um processo produtivo para uma economia de baixo carbono. Cabe ao jurídico conferir a estabilidade e previsibilidade de longo prazo para que os investimentos se concretizem e que esse sofisticado empreendimento, nos setores regulatório, econômico, construtivo, industrial e operacional”, afirma Tatiana Cymbalista, sócia do Manesco Advogados.
Com a multiplicação de projetos nos próximos anos, será preciso entender o processo de certificação de créditos de carbono, as metodologias, quem são as certificadoras e como são os processos de venda desses créditos.
“Para destravar esse potencial de negócios e assegurar a preservação ambiental a eles subjacente, será preciso o estabelecimento de um mercado regulado de carbono e a regularização fundiária, com digitalização e até mesmo uso de tecnologias como o blockchain, o que pode inaugurar uma nova fase para o Brasil como líder mundial em preservação ambiental e negócios sustentáveis, contribuindo muito para o crescimento do país”, avalia Rogério Gaspari Coelho.
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