Metaverso: um universo sem lei?

Pressionada por múltiplos escândalos, a empresa principal empresa de Mark Zuckerberg passa agora a focar na realidade virtual/Anthony Quintano
Pressionada por múltiplos escândalos, a empresa principal empresa de Mark Zuckerberg passa agora a focar na realidade virtual/Anthony Quintano
Proposta de realidade virtual do Facebook ainda é um terreno filosoficamente novo - mas é juridicamente coberto?
Fecha de publicación: 03/11/2021

Há algum tempo, em lojas de produtos eletrônicos nos centros das grandes cidades, os óculos de realidade virtual estão à venda, discretos atrás de tantos itens mais urgentes como capas de celular, video games e outros itens de plástico. Mas a expectativa do Facebook é tamanha neste mercado, conhecido como “RV”, que mesmo seu nome passou a deixar isso claro. O Facebook Inc., empresa dona de uma rede social com dados de 3 bilhões de pessoas, agora é “Meta Inc.”

Especialistas ouvidos por LexLatin apontam que, por mais digital que seja o universo, as leis que tutelam o mundo analógico podem sim estender seus tentáculos para dentro do metaverso. No caso do Brasil, o Marco Civil da Internet, a Lei de Propriedade Intelectual e uma futura lei de combate às fake news podem sim ser base para fatos ocorridos nos algoritmos.


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Em parte, a mudança de nome é uma tentativa do conglomerado de Menlo Park de se desviar da maior tempestade de imagem desde a fundação da empresa, em 2004: nas últimas cinco semanas, veículos de imprensa norte-americanos têm publicado matérias com base em documentos vazados do próprio Facebook. Neles, fica claro que Mark Zuckeberg e companhia não atua corretamente para conter o discurso extremista e de ódio em suas redes sociais em países em desenvolvimento; que mesmo em países como Estados Unidos, a empresa não combateu a veiculação de notícias falsas; e que o lucro da máquina estaria acima do bem estar de funcionários e de usuários. 

Nem por isso o nascimento da Meta deixou de ser impactante: em um longo vídeo, a empresa aponta não apenas para jogos (que já existem em RV), mas também a atividades reais, como exercícios físicos e a criação de uma plataforma “híbrida entre o real e o virtual”, incluindo aí uma série de produtos para realidade aumentada, como óculos com câmeras e lentes especiais, capazes de medir o ambiente e expor notificações sem uma tela especifica. 

Apenas na Europa, a empresa deve contratar 10 mil funcionários apenas para construir o prometido metaverso. Um think tank ligado ao governo chinês apontou riscos à soberania nacional com a tecnologia, que poderia desestabilizar negativamente a sociedade, deixando jovens menos desenvolvidos, permitindo a realização de crimes, e mesmo pessoas que passariam a ficar desconectadas da realidade com o uso excessivo de tecnologias como essa.

É nesse momento, em que as linhas do que é real e o que é virtual passa a ficar borrada - e a questão fica ainda mais complexa e abstrata. “A própria estrutura do mundo vem junto com a sua regulação. No metaverso, o código que regulará as possibilidades e limites das nossas condutas será um código computacional que se manifestará diretemente na forma do mundo”, pondera Zé Antonio Magalhães, que é doutor em Teoria do Direito pela PUC-Rio e pesquisador em Direito e Tecnologia no projeto CoHuBiCoL. “Não existe, como no direito, um espaço entre a norma e a sua aplicação: as normas se manifestam concretamente na forma de espaços, passagens, ferramentas etc. E isso vai desde os detalhes mais banais dos espaços até a estrutura geral da realidade.”  

E se a tecnologia puder avançar a um nível além, é possível entender que o indivíduo dentro do metaverso é o mesmo que o criou, no mundo real? Até nisso, Zé Antonio aponta dúvidas. “Se imaginarmos uma transição mais radical a um metaverso ou multiverso digital controlado por plataformas, podemos sim imaginar que, cada vez mais, identidades fragmentárias de usuário se tornem independentes entre si”, adverte. “É até difícil imaginar, a partir de hoje, os caminhos que isso poderia tomar.” 

Mas não é difícil imaginar estes primeiros passos. “Cada vez é mais raro algo ou alguém existir só na esfera analógica ou só na esfera digital”, defende a sócia do Machado Meyer na área de tecnologia, Juliana Abrusio, lembrando do conceito de cibridismo, surgido das palavras cyber e hibridismo. “E essa hibridização é um processo irreversível.”

Como há relações humanas no meio, o Direito tem alcance dentro da plataforma, defende Juliana - que possui um doutorado em filosofia do Direito. “Isso vai ter que acabar sendo solucionado - pois é isso que o Direito faz: regular as relações e manter a máxima ordem dentro da sociedade”, analisa. “E esse espaço fará parte da sociedade.”


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O sócio do LTSA Advogados, Allan Fallet, aponta alguns questionamentos específicos para o metaverso: “Deve-se levar em consideração a capacidade de unificação de identidades? Com a escala dessas inovações e suas incrementações, qual será a importância e a privacidade dos dados sobre geocalização? Como serão reguladas as transações realizadas dentro de um determinado universo virtual, como por exemplo NFT’s e a utilização de blockchain?”, são algumas das questões por ele. 

Com tantas perguntas sem respostas, fica claro que estamos longe de uma regulamentação específica em qualquer nível para o metaverso, conclui Allan, “o que nos remonta às lembranças do início de todas as grandes tecnologias disruptivas, como o início da Internet e das redes sociais, onde as gigantes mundiais de tecnologia lucraram e ganharam mercado antes que as legislações específicas os alcançassem.” 

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