Brasil avança na regulamentação de apostas esportivas

Projeto de Lei garantiu aos apostadores todos os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor./Canva
Projeto de Lei garantiu aos apostadores todos os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor./Canva
Enquanto apostadores ganham mais segurança, empresas se preocupam com prazos de licença e tributação pelas novas regras.
Fecha de publicación: 17/10/2023

A prática de apostar em eventos esportivos não é nova no Brasil, mas a falta de regulamentação deixou essa atividade em um território cinzento por muitos anos. Agora, com o potencial de oferecer benefícios econômicos e garantir um ambiente mais seguro para os apostadores, o governo e as partes interessadas estão explorando a implementação de um quadro regulatório abrangente.

 

Em julho, o Governo Federal publicou a Medida Provisória (MP) nº 1.182/2023 para regulamentar as apostas de quota fixa, conhecidas como bets. Além disso, foi aprovado pela Câmara, em 13 de setembro, um projeto de lei (PL 3.626/2023) que trata da estrutura e dos processos administrativos para fiscalização desse mercado. O texto do PL incorpora a Medida Provisória 1.182/23 e será enviado ao Senado.

 

O PL 3.626/2023 define que a licença será dada com o pagamento máximo de R$ 30 milhões pela autorização e somente para empresas constituídas segundo a legislação brasileira, com sede e administração no território nacional. A autorização poderá ser por até três anos, a critério do Ministério da Fazenda. Se a empresa de apostas passar por uma fusão ou modificação do controle acionário, a autorização poderá ser revista.


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Para os operadores de apostas esportivas, haverá uma alíquota de 18% no Gross Gaming Revenue (GGR), ou seja, no faturamento bruto. Houve muita discussão a respeito dessa tributação, pois as empresas defendiam uma tributação mais baixa, de 12%. Para os apostadores, aqueles que ultrapassem um ganho de R$2.112 serão tributados em 30%.

 

Segundo Tiago Gomes, sócio do Ambiel Advogados e especialista em regulamentação de jogos e apostas esportivas, a questão tributária pode ser enxergada como um problema para o setor pela forma como pode impactar a atuação das empresas.

“Além disso, há questionamentos em relação à redução do prazo da licença para três anos, que também gera alguma preocupação das empresas, já que estamos falando de investimentos vultosos que precisam dar retorno e a redução do prazo gera preocupações sobre como funcionará e qual o tipo de trabalho será necessário para se renovar as licenças”, explica Gomes.


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Segurança para apostadores

 

Aos apostadores, o projeto de lei garante todos os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor e o acesso a informações e orientações claras sobre como funcionam as apostas, às condições e requisitos para acerto do prognóstico e à retirada do prêmio. Para isso, as empresas deverão oferecer serviço de atendimento por canal eletrônico ou telefônico de acesso e uso gratuitos.

 

Para os agentes operadores também há a obrigação de adotar mecanismos de segurança e integridade na realização das apostas de quota fixa. Os eventos sobre os quais serão feitas apostas também deverão contar com ações para evitar a manipulação de resultados e a corrupção.

 

Para isso, o operador terá de integrar organismo nacional ou internacional de monitoramento da integridade esportiva. As apostas comprovadamente realizadas com manipulação de resultados e corrupção nos eventos serão canceladas.

 

Ainda, de acordo com o projeto, não poderão realizar apostas os dirigentes e sócios do agente operador, os agentes públicos ligados à regulação ou fiscalização federal dessas apostas ou pessoas com acesso aos sistemas informatizados dessa loteria. Também estarão impedidos de jogar menores de 18 anos e quem tenha ou possa ter qualquer influência no resultado dos eventos objeto da loteria, como técnicos, árbitros e atletas.

 

Para o pagamento das apostas e dos prêmios, somente as instituições autorizadas pelo Banco Central poderão ofertar contas virtuais ou serviços financeiros de qualquer natureza.

“Existem elementos que trazem segurança e confiabilidade, honestidade à indústria, integridade em relação à parte dos apostadores, a necessidade que essas empresas estejam sediadas no Brasil e a garantia aos consumidores que antes, em algumas situações, tinham dificuldades de demandar seus direitos perante os operadores de apostas esportivas”, diz Filipe Senna, sócio do Jantalia Advogados e especialista em Direito de Jogos. 


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Propaganda e conscientização

 

A propaganda de apostas esportivas também será regulamentada, especialmente nas redes sociais. Os influenciadores digitais entraram nesse segmento e, com a quantidade de seguidores que confiam em suas opiniões e estilo de vida, a promoção de apostas esportivas pode transmitir a mensagem de que o jogo é uma forma fácil e lucrativa de entretenimento.

 

Portanto, a MP 1.182/2023 e o PL 3.626/2023 estabelecem que as empresas de apostas deverão promover ações informativas e preventivas de conscientização de apostadores e de prevenção ao transtorno do jogo patológico. A iniciativa visa a garantir a saúde mental dos apostadores, evitando que as apostas se transformem em um vício.

 

Já as regras de comunicação, publicidade e marketing serão elaboradas em parceria com o Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar). O objetivo é garantir que as ações de marketing sejam responsáveis e éticas, contribuindo para um ambiente de apostas seguro e regulamentado. 

“Isso traz benefícios ao consumidor, pois em muitos desses casos há oferta de apostas como meio de complementação de renda, de faturamento, uma forma lucrativa aos apostadores, o que não deve ser tratado como verdade. É importante notar que as apostas e os jogos são meios de entretenimento para que o apostador e o jogador se divirtam, tenham uma forma lúdica de passar o tempo. Então, a vedação a essas propagandas cria também uma forma de resguardar o consumidor de eventuais propagandas enganosas e eventualmente abusivas”, avalia Filipe Senna.

Existe também um projeto de lei (PL 3.915/2023) proposto pelo deputado federal Ricardo Ayres (Republicanos-TO) que quer proibir a divulgação, promoção ou endosso de empresas de apostas, cassinos e jogos de azar por digital influencers e artistas, em uma tentativa de controlar a crescente proliferação de anúncios e promoções relacionadas a jogos de azar e apostas.

 

Na visão de Tiago Gomes, é um equívoco tratar desse tipo de restrição por meio de uma lei. Para ele, o caminho adequado é que as autoridades reguladoras, em conjunto com o próprio mercado de publicidade, estabeleçam limites para o direcionamento dessas propagandas.

“O Brasil tem uma longa e bem-sucedida experiência de autorregulamentação do setor publicitário que pode e deve ser estendida para o setor de apostas”, afirma.


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Potencial do mercado

 

Segundo os especialistas, com a regulamentação, o Brasil segue uma tendência global de um tratamento adequado dessa atividade por parte do poder público. Atualmente, são mais de 30 países em todo o mundo que regulam a atividade de apostas.

 

Para o sócio do Ambiel Advogados, na América do Sul, a Colômbia é o melhor exemplo de regulamentação bem-sucedida. Em 2022, o mercado regulado colombiano gerou aproximadamente US$ 4 bilhões em receita, segundo o Coljuegos. Atualmente, existem 17 operadores autorizados na Colômbia, e em dezembro de 2022, havia mais de 8 milhões de contas ativas nessas plataformas, de acordo com o levantamento da Playtech. 

 

Ele cita também o exemplo argentino em que a regulamentação é descentralizada para as províncias, mas há um imposto indireto aplicado nos créditos obtidos por apostadores, criado pela Administração Federal de Receitas Públicas. A taxa de imposto progressiva começa em 2,5% para os operadores no país e estende-se até 15% para os que residem no exterior.

 

A proposta brasileira, para ele, “além de tratar com maior clareza os pontos que já estavam dispostos na Lei 13.756/2018, ainda trouxe uma grande inovação que é autorizar a prática dos jogos on-line, que aumenta substancialmente a possibilidade de faturamento das bets no Brasil”.

 

Segundo o Ministério da Fazenda, em um mercado totalmente regulado, sedimentado e em pleno faturamento, o potencial de arrecadação anual gira entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões.

“O Brasil se mostra como um mercado potencial muito interessante. Há uma possibilidade de arrecadação e de desenvolvimento econômico brasileiro muito bons e, na América Latina, o Brasil se firma como o principal mercado de apostas do continente. Portanto, mesmo que haja certos problemas em relação a essa regulamentação, a partir da ótica dos operadores, a medida também acaba fortalecendo o mercado”, conclui Filipe Senna.

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