O impulso que o desenvolvimento tecnológico dá à propriedade intelectual

Se conjuntos de direitos de diferentes titulares coexistem em um produto complexo, como as regras de compensação sob a regra do triplo cômputo  interagem com as da proporcionalidade? / Cash Macanaya - Unsplash
Se conjuntos de direitos de diferentes titulares coexistem em um produto complexo, como as regras de compensação sob a regra do triplo cômputo interagem com as da proporcionalidade? / Cash Macanaya - Unsplash
Dada a natureza digital desses pedidos, as patentes podem estar desatualizadas e as questões de autoria e propriedade originais devem ser repensadas
Fecha de publicación: 11/05/2023

Ao longo do tempo, o desenvolvimento tecnológico permitiu otimizar o tempo e os processos industriais, favorecendo aumentos exponenciais da produção, aumentando o valor relativo do trabalho, promovendo a especialização profissional e, por fim, melhorando a qualidade de vida de milhões de trabalhadores.

No século XIX, a primeira revolução industrial fomentou a inovação e as tecnologias de produção em massa, dando origem e utilidade prática aos primeiros sistemas de propriedade industrial. Os requisitos de nível inventivo (ou não obviedade) surgem nesse contexto para diferenciar inovações de novos desenvolvimentos, permitindo a apropriabilidade de conhecimento técnico e efetiva transferência de tecnologia em um mundo analógico, gerando um grau crescente de sofisticação técnica.

O desenvolvimento da computação, em meados do século XX, gerou uma nova revolução no cenário mundial, ao permitir um processamento de dados significativamente mais rápido, a utilização de novos meios de suporte e processos exponencialmente mais eficientes, ao passo que — com sua massificação, em forma de computadores pessoais — democratizou o acesso ao conhecimento digital e permitiu a troca de dados de forma cada vez mais ágil.

Em termos de propriedade intelectual, isso significou ajustar e ampliar o catálogo de direitos exclusivos, discutir sobre assuntos patenteáveis ​​e exclusões e inúmeros avanços no sistema global de propriedade intelectual.

No final do século XX, a Internet gerou uma nova revolução ao abrir as portas às trocas de informação, dando-nos acesso a fontes de conhecimento massivo, ao tratamento de dados pessoais, a 'custo marginal zero' com relação aos formatos digitais de à transmissão instantânea, colapsando indústrias consolidadas, como a distribuição de livros, música ou filmes para aluguel, ambientes digitais, plataformas P2P, empresas '.com' e inúmeros desafios ao sistema de propriedade intelectual.

Mais uma vez, os regulamentos foram ajustados por meio de padrões mínimos de proteção, medidas de proteção tecnológica, avisos de take down, UDRP e uma longa lista de instituições que possibilitaram efetivar a proteção da propriedade intelectual nesse novo cenário, gerar cadeias de valor e controlar o uso justo dessas novas tecnologias.


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Nos últimos cinco anos, a inteligência artificial conseguiu penetrar em nosso cotidiano por meio de ferramentas como assistentes de voz, como Siri ou Alexa, smartphones, casas inteligentes e aplicativos de automação residencial, monitoramento de tráfego de rede, sistemas de geolocalização ou levando a desenvolvimentos, como direção autônoma; e-commerce, com coordenação em grande parte automatizada de toda a cadeia de distribuição; chatbots, que são a primeira (e às vezes única) linha de atendimento ao cliente; aplicações de processamento de informação, que permitem a otimização de processos administrativos, jurídicos, contábeis ou industriais; ferramentas de segurança cibernética, que nos protegem do uso indevido de nossos dados; criptomoedas e desintegração do sistema financeiro tradicional, Inteligência Artificial como ChatGPT e Big Data, entre muitas outras aplicações.

O sistema de propriedade intelectual fica para trás em muitos desses casos. Dada a natureza digital desses pedidos, as patentes podem estar desatualizadas, questões de autoria original e propriedade têm de ser repensadas, a originalidade de uma nova obra do intelecto (criada artificialmente) não pode mais ser garantida, novos formatos criam desafios para direitos exclusivos de adaptação, enquanto a materialidade dos suportes em um metaverso (semelhante a um mundo alternativo do Dr. Strange) gera expectativas de usufruir de direitos exclusivos justamente pela falta de regras claras naquele ambiente.

É essa falta de regras claras que gera cenários de incerteza. Se a inteligência artificial gerou uma invenção ou uma obra, de quem é? Se conjuntos de direitos de diferentes titulares coexistem em um produto complexo, como as regras de compensação sob a regra do triplo cômputo  interagem com as da proporcionalidade? Se um NFT for criado no metaverso e emula um item proprietário no mundo analógico, ele viola a lei existente no mundo real? Se um programa de processamento de dados me dá uma recomendação, quem é responsável se ela for deficitária? Se um carro conduzido autonomamente bater, quem é o responsável?

As regras existentes nos dão soluções possíveis, mas em nenhum caso são inequívocas. Nos sistemas de direito civil, serão necessários ajustes legislativos em termos de direitos, responsabilidade, jurisdição e remessa, uma vez que a jurisprudência, embora possa servir de guia, não será vinculante para casos futuros, agravando os problemas de insegurança jurídica.

O ponto de partida de muitos destes litígios será precisamente a propriedade intelectual (titularidade, exercício e jurisdição) e não está claro que estamos preparados para enfrentá-los com as regras que temos. A falta de preparo supõe incerteza e, portanto, risco. Esse risco pode funcionar como uma falha de mercado que desencoraja a criação de novos desenvolvimentos pela sua falta de apropriabilidade (justamente aquilo que a propriedade intelectual é chamada a resolver) e leva a níveis de investimento abaixo do esperado em termos de desenvolvimento tecnológico.

Universidades, acadêmicos, governos e empresas questionam a exatidão, fidelidade e legitimidade dos avanços. Com medo, alertam para os potenciais abusos das ferramentas, embora, como disse Kranzberg, a tecnologia não é boa nem ruim, mas também não é neutra.

Estigmatizar os avanços iria contra a neutralidade tecnológica e poderia nos levar a proibir ferramentas úteis que nos permitam substituir progressivamente trabalho por capital e melhorar os níveis de utilidade. Avançar na regulamentação ou na geração de guias de boas práticas é, portanto, essencial para promover o bom desenvolvimento de novas tecnologias, sem afetá-las substancialmente, tendendo ao seu desenvolvimento ideal.

*Juan Francisco Reyes é sócio fundador da SCR Abogados.

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