Questões da crise: A relação entre o Planalto e a Câmara dos Deputados

Maia
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Saída do ministro da Saúde só piora a relação entre Maia e Bolsonaro.
Fecha de publicación: 17/04/2020
Etiquetas: Brasil

Mesmo antes da eclosão da crise gerada pelo novo coronavírus, as relações entre o Planalto e a Câmara dos Deputados já não eram das melhores. Agora, elas se esgarçaram de vez, especialmente no que diz respeito ao presidente Jair Bolsonaro e lideranças da Casa. A situação tende a piorar ainda mais.

O quadro teve início ainda antes da posse do presidente. Quando da montagem de seu governo, Bolsonaro não ouviu os partidos e suas lideranças e partiu para a negociação direta com bancadas temáticas. Assim, jamais existiu uma base de sustentação digna desse nome, e as propostas do Planalto sempre foram negociadas caso a caso. Ficou clara a fragilidade presidencial.

Mesmo propostas tidas como essenciais pelos governistas, como a reforma da Previdência, só foram aprovadas na Casa após intervenção direta de suas lideranças, em especial o presidente Rodrigo Maia (DEM/RJ). O Planalto basicamente assistiu ao desenrolar dos acontecimentos.

A partir da crise, iniciada logo no início de 2020, a situação ganhou contornos dramáticos. O governo viu-se obrigado a discutir uma agenda emergencial, foçada em ações nas áreas da saúde e da economia. A Câmara, por sua vez, entendeu existir um vazio de liderança e começou a agir de maneira autônoma. Nessa queda de braço, o Planalto tem sido derrotado.

Nas últimas semanas, essa crise tem escalado sucessivos degraus. Fiquemos em apenas dois eventos, dramáticos e emblemáticos.

O primeiro deles diz respeito à ajuda financeira aos entes federativos, que já enfrentavam situação difícil e agora beiram o colapso. O plenário da Câmara aprovou, à revelia de Bolsonaro, projeto de lei que estabelece que o governo deverá recompor as perdas de estados e municípios com a arrecadação do ICMS e do ISS. Essa ajuda vigoraria por seis meses e impactaria as finanças públicas em cerca de R$ 93 bilhões.

Planalto e equipe econômica, é claro, não gostaram daquilo que chamaram de “cheque em branco” da Câmara e procuram alternativas. O desgaste é palpável e o episódio ainda terá desdobramentos.

O segundo evento trata do processo de fritura e demissão do até então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Integrante do DEM, partido de Maia, ele destacou-se muito na crise do coronavírus, tornando-se o rosto do governo no combate à pandemia. Sua ação ofuscou Bolsonaro, que passou a questioná-lo publicamente. A disputa resultou na queda do ministro, que afundou atirando - com o aval do presidente da Câmara e demais lideranças da Casa.

O ponto alto dessa segunda crise se deu logo após o afastamento de Mandetta. Em entrevista a uma emissora de televisão na última quinta-feira (16), Bolsonaro atacou duramente o presidente da Câmara. Segundo ele, “Maia tem de respeitá-lo como chefe do Executivo”. Em resposta, o presidente da Câmara afirmou apenas que não entrará nesse jogo.

Os ânimos estão exaltados e, independentemente do resultado final da crise do coronavírus, a relação entre o Planalto e a Câmara dos Deputados não irá melhorar. O tensionamento será permanente, mesmo com a saída de Maia da presidência da Casa, prevista para ocorrer no início de 2021. Pior para Bolsonaro, que, sem uma base mínima de sustentação e pouco disposto a dialogar, terá daqui até o final de seu mandato um caminho repleto de obstáculos.

*André Pereira César é cientista político. 

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