A responsabilidade legal do parecerista jurídico

Dispositivos que falavam da responsabilidade do parecerista na nova Lei de Licitações foram vetados/Pixabay
Dispositivos que falavam da responsabilidade do parecerista na nova Lei de Licitações foram vetados/Pixabay
Discussão passa pelo risco à segurança jurídica e autonomia da atividade do advogado público.
Fecha de publicación: 14/05/2021

O parecer prévio da assessoria jurídica é requisito para concretização de uma série de atos previstos na lei de licitações — disposição do anterior parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666/93 e agora do art. 53 da Lei n.º 14.133/21.

Essa previsão legal decorre do fato de que, apesar de não ser considerado vinculativo, o parecer é requisito essencial de procedibilidade de institutos importantes como, por exemplo, a dispensa de licitação (art. 72, III, da Lei n.º 14.133/21).


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Ocorre que, por muitas vezes, foi levantada a discussão de que, dada a obrigatoriedade de realização prévia de análise jurídica e emissão do parecer, o ato administrativo posterior constituiria um ato composto — fazendo com que o parecer, apesar de não vinculativo, possuísse força imperativa suficiente para conduzi-lo. Um fundamento para tanto seria o de que o administrador era obrigado a justificar seu ato quando não aplicado o que disposto no parecer.

Isso levou, por muito tempo, a dúvidas sobre a responsabilidade do parecerista pelo ato subsequente. Apesar de não haver previsão legal para tanto, muitos argumentavam que o parecer era considerado como requisito essencial, parte de ato composto — criando vínculo direto do parecerista com o ato administrativo, até mesmo porque ele é o expert que detém o conhecimento da situação, passando uma relação de confiança para o agente público em sua área de especialidade.

Assim, sendo parte responsável pelo ato, muitos defendiam a responsabilização pela conduta perpetrada pelo parecerista que resultou prejuízo ao erário. Esse já era, a propósito, o entendimento do Tribunal de Contas da União, que preceituava que a assessoria jurídica assume responsabilidade pessoal e solidária pelo que foi praticado, não se podendo falar em parecer apenas opinativo (acórdãos nos 462/2003 e 147/2006, ambos do Plenário. Acórdão n.º 1337/2011-Plenário, TC-018.887/2008-1, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, 25.05.2011)

A despeito da problemática que gira em torno dessa responsabilização e o risco à segurança jurídica e à autonomia à atividade do advogado público, foi essa também a linha seguida pelo Congresso Nacional quando da edição da Lei n.º 14.133/21, nova Lei de Licitações, em seu art. 53, §§2º e 6º.

O §2º, positivando a vinculação do parecer ao ato executivo posterior, delimitou que o órgão ou a autoridade que decidisse em contrariedade ao parecer jurídico passaria a responder pessoal e exclusivamente pelas irregularidades que, em razão desse fato, lhe forem eventualmente imputadas. O §6º do dispositivo, seguindo a linha de responsabilização daquele que emite a opinião jurídica, preceituava que o membro da advocacia pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude na elaboração do parecer jurídico.

Todavia, os referidos dispositivos foram vetados pelo Presidente da República, sob o fundamento de que "o parecerista é co-responsável pelo ato de gestão, contrariando a posição tradicional da jurisprudência pátria e trazendo insegurança à atividade de assessoramento jurídico"; "o dispositivo desestimula o gestor a tomar medidas não chanceladas pela assessoria jurídica, mesmo que convicto da correção e melhor eficiência dessas medidas, o que pode coibir avanços e inovações"; "o dispositivo parece potencializar a geração de celeuma acerca do nível de responsabilização dos pareceristas jurídicos junto aos procedimentos licitatórios".

A derrubada desse veto pelo Congresso Nacional pode não ser a prioridade das Casas Legislativas no atual momento — o que pode levar à expectativa de sua manutenção.

Isso, porque no Congresso Nacional a análise do veto nº 13, de 2021, sobre a nova Lei de Licitações, ainda é um assunto incipiente e controverso. A deliberação de vetos pelo parlamento não costuma ser uma atividade simples. Desse modo, para que ocorra, torna-se necessária a celebração de um acordo entre os líderes partidários do Congresso Nacional, com a participação ativa do Poder Executivo.

Nos últimos acordos celebrados, restou evidente a preferência da atual gestão do Poder Executivo Federal pela manutenção de vetos aos dispositivos que possam representar maior grau de impacto financeiro e orçamentário para a Administração Pública. No entanto, para que isso ocorra, torna-se necessário ceder ao Parlamento a possibilidade de rejeitar outros vetos sobre dispositivos menos caros para as contas públicas — como o art. 53.

À título de exemplo, há o veto ao §6º do artigo 8º da Lei Complementar 173, de 2020, que removeu dessa norma dispositivo que possibilitava a concessão de reajustes salariais programados para servidores públicos federais até dezembro de 2021. Na ocasião, o Poder Executivo, após a derrubada do veto em votação no Senado Federal, concentrou esforços para alcançar na Câmara dos Deputados o número de votos necessários para manter o veto ao dispositivo — que poderia representar o impacto de R$ 120 bilhões para as contas públicas.

Sendo assim, o veto foi mantido, pois a maioria dos Deputados Federais optaram por acompanhar os interesses do Poder Executivo.


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Desta feita, embora não exista qualquer rumor sobre a possível rejeição dos vetos sobre a Nova Lei de Licitações, é factível que os dispositivos vetados relativos à responsabilização do parecerista, pelo critério de negociação do Poder Executivo, possam se tornar objeto de acordo para possível manutenção do veto.

*Ana Vogado é diretora executiva, sócia do escritório Malta Advogados e especialista em direito administrativo sancionador e improbidade administrativa. Tharlen Nascimento é sócio do escritório e especialista em relações governamentais.

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