Em razão do cenário atual da pandemia da Covid-19, diversas entidades do setor privado têm se mobilizado para arrecadar e realizar a doação de itens diversos para o combate da pandemia, como insumos hospitalares, equipamentos de proteção individuais (EPIs), além de alimentos. Até o momento, estima-se que as doações já tenham passado da marca dos R$ 3 bilhões.
Evidentemente, estas atitudes, além de necessárias, são louváveis.
Entretanto, é preciso se atentar a determinados aspectos jurídicos quando estas doações forem voltadas a entidades de direito público, em linha com políticas anticorrupção e mitigando eventuais riscos penais. Os riscos penais consistem essencialmente na possibilidade de uma vez praticada a doação, a empresa doadora ver-se exposta a uma investigação criminal ou acusação formal de ter assim agido para se favorecer de alguma forma.
É claro que esta análise dependerá, em certa medida, da relação jurídica entre o particular que doa e o ente da administração pública que recebe a doação – se é licitante ou fornecedor, se presta serviços, se é fiscalizado pelo ente, ou mesmo se não possui relação prévia alguma.
Várias condutas constituem crimes praticados por particulares contra a administração pública, segundo a legislação brasileira. É o caso da corrupção ativa e do tráfico de influência. Por outro lado, há também os crimes praticados por funcionários públicos, dos quais o particular pode ser considerado partícipe e ser penalizado a depender da situação, como acontece no crime de advocacia administrativa.
Há, ainda, os crimes de fraude a licitações previstos na Lei nº 8.666/93, dos quais o particular e o funcionário público podem ser autores a depender da situação e do crime.
Dentre todos os exemplos acima, o crime que mais merece atenção por parte do setor privado é o da corrupção ativa, prevista no art. 333 do Código Penal, que pune quem pratica a conduta de oferecer ou prometer vantagem indevida para funcionário público, a fim de determinar que ele pratique ato de ofício.
No ponto, o divisor de águas na interpretação de que sua conduta doadora está de acordo com o direito é o sentido do que seja “vantagem indevida”. Em síntese, entende-se por indevida a vantagem que é ilícita, ilegal, não amparada pelo ordenamento jurídico ou não autorizada por lei.
Assim, para evitar a caracterização deste elemento normativo do tipo penal expondo-se a uma investigação ou acusação formal de corrupção, portanto, é necessário se atentar ao atendimento às normas e leis vigentes que disciplinem as doações ao setor público – no âmbito da administração pública federal direta, destacamos os decretos 9.764/2019 e 10.314/2020; nos âmbitos estadual e municipal, recomendamos atenção aos instrumentos normativos destas esferas.
Por outro lado, note-se que para a configuração do crime de corrupção ativa, ainda, é necessário que a vantagem indevida esteja relacionada à prática de um ato de ofício do funcionário público – ou seja, uma ação correspondente por parte dele.
Neste sentido, a fim de mitigar quaisquer riscos, é recomendável que as doações a órgãos públicos sejam realizadas a título não oneroso, sem o estabelecimento de contrapartidas por parte dos receptores. É recomendável, ainda, evitar potenciais conflitos de interesse – seja com doações a órgãos responsáveis por eventuais fiscalizações à empresa doadora, ou a órgãos que realizem licitações das quais a empresa doadora participa.
De mais a mais, sempre visando à redução de riscos, recomendamos ainda que as doações sejam realizadas de forma impessoal, por vias institucionais e documentadas por meio de termos, preferencialmente por intermédio de programas de arrecadação já instituídos ou chamamentos públicos já em curso. Recomendamos, finalmente, a priorização de doações na forma de serviços ou produtos, ao invés de doações em dinheiro.
João Daniel Rassi é sócio de capital no escritório SiqueiraCastro e head da área Penal Empresarial do escritório. Eloisa Yang é advogada criminalista e atua na área Penal Empresarial do SiqueiraCastro.
Add new comment