Cinco anos depois, o que a Operação Zelotes mudou no Carf?

Apesar de mudanças estruturais e mais agilidade, ninguém arrisca dizer que corrupção foi extinta
Fecha de publicación: 10/03/2020
Etiquetas: Brasil

A Operação Lava Jato já tinha 52 fases completas quando, em julho de 2018, a Operação Zelotes teve a sua décima - e até o momento última - fase. Ao contrário da primeira, a Zelotes não tinha amplo apoio popular nem virou filme, mas promoveu um grande estrago: de acordo com o relatório final da CPI da Câmara sobre o tema, a sonegação de impostos descoberta até 2015 chegaria a R$ 19 bilhões.

A Zelotes apontou uma variedade de operações ilícitas: da ação de lobistas no Congresso pela aprovação de medidas provisórias, beneficiando setores específicos, à pressão pela compra de caças suecos feita, supostamente, pelo ex-presidente Lula. Foi no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), contudo, que a maior parte do teatro foi descoberto: um vasto esquema de venda de votos e sentenças colocou o tribunal administrativo, responsável por julgar autuações tributárias da Receita Federal, sob o holofote.

Com a deflagração da operação, em março de 2015, ao menos sete conselheiros e ex-conselheiros foram presos, incluindo o ex-presidente do órgão Edison Pereira Rodrigues. Sessões de julgamento foram paralisadas, e o próprio destino do tribunal foi colocado em xeque. 

Neste mês, em que a Operação Zelotes completa cinco anos, o saldo é discutível. Após mudanças estruturais, o Carf resolveu questões para julgar mais do seu acervo de R$ 624 bilhões. Enquanto alguns discordam se o tribunal administrativo julga melhor, ninguém se arrisca a dizer que a corrupção evidenciada pelas investigações está extinta no tribunal.

Poucas semanas após a primeira fase da operação, a decisão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de impedir que advogados atuassem como conselheiros, uma alteração estrutural no funcionamento da casa teve início: 99 conselheiros que compunham as mais diversas turmas do Carf entregaram seus cargos, sendo substituídos por uma nova leva de representantes - em uma resposta que até hoje gera debates. 

Desde aqueles turbulentos momentos, o perfil do tribunal mudou. Hoje, o Carf julga mais e mais rápido, mesmo tendo menos turmas e um perfil diferente de conselheiros. Esta mesma corte, porém, ainda recebe críticas pela falta de transparência, por tomar decisões apertadas, quase sempre contrárias aos pagadores de impostos. E pouco a pouco perde o status de referência na discussão sobre impostos. 

E, dos dez entrevistados para esta série especial de LexLatin, nenhum deles afirmou, categoricamente, que o tráfico de influência e a corrupção que colocaram o Carf no centro do debate pela Zelotes foi extinto por completo no tribunal administrativo. “Eu não posso assegurar 100% que não há negociação”, afirmou a atual presidente do Carf, Adriana Gomes Rego. “Dizer que resolveu 100%, só o tempo irá dizer”.

Assistir a um julgamento de um recurso no Carf, em 2020, é se deparar com uma experiência de um tribunal do século passado: apesar de alguns móveis novos, os plenários não contam com tecnologia maior que um projetor; poucas turmas possuem microfones para seus julgadores, de maneira que algum voto lido em volume mais baixo pode ser mal entendido por todos os presentes; as sessões que ocorrem em ao menos 9 dias do mês, não são filmadas ou gravadas de maneira oficial - são jornalistas e advogados os únicos detentores de detalhes das discussões do tribunal.

A organização do discreto tribunal, que ocupa um antigo edifício no Setor Comercial Sul de Brasília, costuma confundir até mesmo advogados sem muita experiência no Direito Tributário. O Carf é dividido em seções, cada uma responsável por um tipo de análise específica: a 1ª Seção concentra os casos de renda das empresas, normalmente são os processos de maior valor; a 2ª Seção analisa rendimentos de pessoas físicas, contribuições à previdência e impostos sobre propriedades rurais; a 3ª Seção julga processos relativos à produção - PIS, Cofins, IPI e questões tributárias de importação e exportação.

Cada seção tem cinco turmas, que julgam recursos vindos da Receita, e uma câmara superior, que analisa divergências entre as turmas. Cada turma tem oito conselheiros, onde quatro representam a Fazenda Nacional (normalmente auditores de carreira com experiência na área de fiscalização), e quatro representam diversas entidades dos contribuintes (Bancos, Indústrias, Agricultura, Serviços e de trabalhadores). Em caso de empate, prevalece o voto do(a) presidente da turma, que representa a Fazenda Nacional. 

Um processo que está no Carf levou algum tempo para chegar ali. Em casos relevantes, que têm prioridade no julgamento administrativo, o tempo comum é de um a dois anos. Na primeira etapa, o contribuinte é autuado e apresenta recurso dentro da própria Receita Federal. Em seguida, uma delegacia da própria Receita Federal julga o recurso. Os julgadores, todos integrantes do Fisco, analisam se a cobrança atende aos requisitos de instruções do próprio órgão. 

Quando a discussão sobe ao Carf, a análise é se a cobrança atende princípios mais amplos - envolvendo não apenas normas do Fisco, mas leis, decretos e medidas provisórias. O processo é analisado por uma turma ordinária e, caso esta decisão seja divergente à jurisprudência da casa, cabe recurso a sua respectiva câmara superior, que uniformiza o entendimento. Nesta etapa, em caso de vitória do contribuinte, a cobrança é extinta. Se a Fazenda vence, o contribuinte tem o direito a recorrer da decisão na Justiça Federal.

O Carf existe desde antes da implementação do tribunal com este nome, em 2008. Os Conselhos dos Contribuintes, que antecede o Carf, começou a julgar recursos em 1925. As discussões travadas nestas sessões são muito relevantes: cabe ao Carf, ligado ao Ministério da Economia, julgar um acervo que hoje está em R$ 624 bilhões. Segundo cálculos de entidades ligadas a auditores fiscais, isso é a maior parte do quase R$ 1 trilhão em processos fiscais, que também se encontram em instâncias inferiores dentro da Receita Federal.

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