O uso de redes sociais durante o expediente

As medidas de controle informático não podem ameaçar ou ofender nenhum direito fundamental, como o direito à privacidade/Freepik
As medidas de controle informático não podem ameaçar ou ofender nenhum direito fundamental, como o direito à privacidade/Freepik
Qual limite é aceitável pela legislação trabalhista e o que pode gerar justa causa?
Fecha de publicación: 10/01/2022

Uma discussão relevante no mundo do trabalho tem trazido dúvida a muitos empregados e empregadores, especialmente em relação a futuros processos na Justiça.  Cada vez mais as empresas têm se preocupado com a implementação de regras para a utilização de aplicativos móveis ou meios eletrônicos durante a jornada laboral. A atenção é dirigida especialmente para o desempenho profissional em cargos nos quais são dispensáveis o uso de redes sociais. Nestas situações, o trabalho pode ser afetado pela distração ou pelo baixo rendimento que os celulares tendem a causar, segundo advogados especializados no assunto.

Com a necessidade de trabalho à distância por causa da pandemia, as empresas passaram a investir em meios de comunicação e trabalho virtual. Desta forma, a utilização ainda mais constante de plataformas e aplicativos digitais, além dos e-mails profissionais, por exemplo, passaram a ser ferramentas de trabalho.


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Muitos empregados têm vários grupos de WhatsApp com clientes. O LinkedIn é uma ferramenta essencial não somente para contatos, mas treinamentos e outros modelos de inserção profissional. O Instagram é um lugar ativo e digital de aulas, palestras, apresentações e vários outros meios comunicativos profissionais. O Spotify uma efetiva ferramenta de aulas e podcast com assuntos relevantes, profissionais e jornalísticos. O Clubhouse tem salas interativas o dia todo e o Facebook traz informações muitas vezes importantes para conhecimento de fatos, acontecimentos e enfrentamento de narrativas. E estas são apenas algumas das funcionalidades desse universo que não para de crescer.

Para os especialistas ouvidos por LexLatin, um dos principais pontos negativos referentes à utilização dessas ferramentas digitais para o trabalho é que nem sempre há o limite entre casa e trabalho.

"O certo é que os empregadores deverão observar os limites contratuais e legais para contatar os profissionais através do WhatsApp, por exemplo, sob pena, inclusive de ser acionado judicialmente", avalia Rodrigo Marques, coordenador do núcleo trabalhista do Nelson Wilians Advogados.

Por outro lado, segundo os advogados consultados, quando a utilização de redes sociais durante a jornada de trabalho impacta de forma direta no exercício das funções dos profissionais e na produtividade, há a possibilidade de punições. 

"Logo, ficando provado que o contratado estava utilizando as redes sociais durante sua jornada, prejudicando o rendimento de seu trabalho, poderá receber advertências orais e, persistindo e reiterando os fatos, poderá ocorrer a progressão da penalidade para advertências escritas e suspensões, podendo culminar numa dispensa por justa causa, nos termos do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)", analisa o advogado. 

O artigo 482 da CLT estabelece como justa causa para rescisão do contrato dois aspectos: o não cumprimento da função e o ato de indisciplina ou de insubordinação. 

Contudo, é necessário que as punições sejam aplicadas gradativamente, iniciando pela advertência. As empresas também devem se atentar a clareza no código de conduta. Caso contrário, a sanção aplicada pelo empregador poderá ser revertida judicialmente.


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Em trabalhos realizados de forma remota, a empresa pode constatar o uso indisciplinado das redes sociais de diversas formas. Segundo Francesca Columbu, professora de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, há a possibilidade do empregador averiguar o desenvolvimento da prestação de serviço, além das limitações para navegação na internet. "Há também a possibilidade de gerenciar e fiscalizar a prestação de trabalho quando desenvolvida em plataformas ou softwares específicos, bem como monitorar espacialmente o trabalhador através da geolocalização", afirma a professora.

Entretanto, ela ressalta que o poder de vigilância não pode ser entendido como absoluto e as medidas de controle informático não podem ameaçar ou ofender nenhum direito fundamental, como o direito à privacidade ou o direito à igualdade de tratamento do trabalhador.

A advogada defende que as empresas devem incluir em seu código de conduta uma seção dedicada ao uso das ferramentas eletrônicas, especificando as condutas permitidas e indesejadas. Portanto, devem levar ao conhecimento dos funcionários as regras e suas atualizações, solicitando sempre a assinatura de um termo para que toda a equipe tenha ciência do tipo de comportamentos esperados e das consequências do descumprimento.

"É importante, também, que haja treinamento periódico junto a políticas de conscientização sobre regras de uso adequado das redes sociais. Perante o descumprimento do código, a empresa pode aplicar desde sanções leves como advertências, até as mais rigorosas, como suspensão e demissão por justa causa", afirma.

Para Antonio Carlos Aguiar, sócio do Peixoto & Cury Advogados, até pouco tempo era viável se falar em “controle” interno sobre o uso de redes sociais durante o contrato de trabalho. "Essa má prática se caracterizava como uma espécie de falta, ou seja, uma atividade estranha às atividades/responsabilidades do contrato de trabalho, podendo, portanto, o empregador entender como ato de indisciplina do empregado e penalizá-lo por isso. Hoje, contudo, não se pode mais dizer o mesmo. Vivemos em telas o dia todo", explica.
 
O especialista avalia que no Direito as provas digitais estão relacionadas a todo esse universo. "É possível até se estabelecer uma política com regras para um controle das mídias sociais. Todavia, se mostrará pouco (ou quase nada) útil. Melhor seria normatizar o como usar; e não o quando ou o que. É importante esclarecer quais os desdobramentos legais pelo mau uso, os riscos e as responsabilidades (pessoal e para o empregador)”.

É importante que o empregado atento às normas internas da empresa, uma vez que em muitos locais de trabalho não há espaço para o uso de redes sociais durante o expediente. Além disso, é preciso lembrar que o empregador tem o direito de proibir o uso de aplicativos, havendo exceções em casos específicos, como no caso em que a utilização se dá para o agendamento de uma reunião ou até mesmo para contatos internos com as equipes de trabalho.


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"Durante o expediente, o empregado, por contrato, está à disposição do empregador para realização das tarefas inerentes à função. Por isso, o empregado que se ocupa de redes sociais no horário de trabalho, em atividade estranha ao contrato de trabalho, comete infração disciplinar, mais grave quanto maior for o nível de atenção inerente à função", diz Donne Pisco, sócio-fundador do Pisco & Rodrigues Advogados.

Desta forma, a sugestão dos especialistas é que as empresas elaborem políticas internas para regulamentar, por exemplo, o uso do WhatsApp e outras redes sociais de forma profissional, respeitando o direito a desconexão dos profissionais, bem como a jornada contratual, o intervalo interjornada e intrajornada, além de normas de medicina, segurança e saúde do trabalho, bem como a utilização de redes sociais que não estejam vinculadas as suas atividades diárias apenas durante o intervalo para repouso e alimentação. Assim, essa política poderá auxiliar as aplicações das penalidades e diminuir os riscos de problemas trabalhistas.

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