Live shopping: um olhar do Direito sobre as vendas online e ao vivo

O crescimento das vendas por meio de transmissões ao vivo tem sido impulsionado pelo desejo dos consumidores por experiências interativas e divertidas de compras./Canva
O crescimento das vendas por meio de transmissões ao vivo tem sido impulsionado pelo desejo dos consumidores por experiências interativas e divertidas de compras./Canva
Quais são os riscos jurídicos envolvendo as compras em transmissões ao vivo no Brasil?
Fecha de publicación: 31/08/2023

O método de compras online com transmissão ao vivo, que tem a China na vanguarda, vem ganhando impulso em outras partes do mundo, com varejistas e plataformas adotando estratégias semelhantes para aproveitar o boom da transmissão de vídeo ao vivo para fins de comércio eletrônico. Em 2018, esse mercado alcançou cerca de ¥ 120 bilhões na China, em novembro de 2022, a estimativa era de que o tamanho do mercado chinês de comércio por transmissões ao vivo mantivesse seu rápido crescimento e atingisse ¥ 4,9 trilhões até 2023. Ao redor do mundo, muitas empresas têm integrado recursos de transmissão ao vivo em seus sites e aplicativos, e, neste novo contexto, marcas e influenciadores aproveitam o espaço para realizar as live streaming sales, demonstrar produtos e impulsionar as vendas.

O livestream shopping ou live commerce é uma tendência emergente no comércio eletrônico. A modalidade imersiva, interativa e inovadora combina a transmissão ao vivo, uma das funcionalidades de maior expressão nas mídias sociais atuais, com a possibilidade de se efetivar a compra dos produtos de forma direta durante a live.

Diferentemente dos programas de televisão, busca integrar tudo em uma única plataforma, seja em uma rede social, um marketplace, ou uma aplicação da própria marca, de modo que o consumidor que está assistindo à live também consiga comprar o produto em poucos cliques.     

Nesse cenário, o crescimento das vendas por meio de transmissões ao vivo tem sido impulsionado por fatores como o aumento do uso de smartphones, a melhoria da conectividade à internet, a popularidade das plataformas de mídia social e o desejo dos consumidores por experiências interativas e divertidas de compras, mostrando-se um canal de vendas eficaz, especialmente para setores como moda, beleza e eletrônicos. Os consumidores que buscam experiências ainda mais similares ao mundo físico encontram também o personal shopper: uma inovação do ainda recente live commerce.   

Com o boom, a pergunta que fica é: há riscos jurídicos envolvendo as compras em transmissões ao vivo no Brasil?


Veja também: Marketing de influenciadores: o que levar em conta?


Em primeiro lugar, a modalidade deve se atentar à legislação que regula o comércio eletrônico e os direitos de seus usuários, como o Decreto nº 7.962/2013, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), o Marco Civil da Internet (MCI), a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), entre outras. Como já vimos, por mais que redes sociais e plataformas de vídeo, áudio e live streaming não sejam, a princípio, desenhadas para compras online, elas podem fornecer instrumentos e serviços para tais práticas de ecommerce.

O primeiro risco que nos chama a atenção é a possibilidade de propaganda enganosa, prevista no art. 37 do CDC, quando a compra é feita em uma transmissão ao vivo, pois o ambiente, por óbvio, é muito mais acelerado e dinâmico. É justamente nesse cenário que o consumidor pode ser induzido a erro. 

A linguagem e a comunicação promocional utilizadas pelo influenciador ou vendedor digital deve ser objetiva, contendo informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor, nos termos do art. 1º, I, do Decreto nº 7.962/2013 e do artigo 31 do CDC. Desse modo, mais do que apenas o respeito à legislação, há um aspecto subjetivo relacionado ao treinamento dos influenciadores e vendedores para que suas sessões de live commerce não se tornem um passivo para os envolvidos.

Com objetivo de evitar a ocorrência de propaganda enganosa, por óbvio, os comentários de usuários feitos durante a transmissão ao vivo não podem ser falsificados, nem bloqueados, assim como comentários negativos não podem ser excluídos. Além disso, as respostas às dúvidas de usuários nunca devem induzi-los ao erro, considerando a definição de publicidade enganosa encontrada no § 1° do art. 37 do CDC. O direito de arrependimento do consumidor precisa ser igualmente garantido. No live commerce, o influenciador é contratado justamente para fomentar as vendas. Assim, com o rápido convencimento do consumidor, o dinamismo e praticidade, é imprescindível que se atenda ao art. 49 do CDC. Entendemos, contudo, que há a exceção para a compra de bens imateriais pela live commerce, como, por exemplo, músicas, filmes e jogos, situação na qual não se deve aplicar o direito de arrependimento, visando à compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico. Nesse caso específico, a compra online não difere da compra em estabelecimento físico, de modo que não se aplicaria o direito de arrependimento.


Confira: A proteção de marcas online


Outro ponto que merece atenção é o preço do produto anunciado. Reforça-se que as ofertas por tempo determinado são um dos pontos-chaves da modalidade. Contudo, se o preço oferecido durante a transmissão ao vivo for superior àquele oferecido em outros lugares, isso pode resultar não só na devolução do produto, mas também na fraude de preços. Por mais dinâmica e interativa que seja a live, o influenciador e os vendedores não podem alegar falsamente que o preço de venda é superior ou inferior ao preço de outras marcas para induzir os consumidores a fazerem um negócio, sob pena de violarem os art. 52, I, e 66 do CDC.

A concorrência desleal, prevista nos incisos III e IV do art. 195 da Lei nº 9.279/1996, também é um ponto de atenção. Como trazido na Lei de Propriedade Industrial, é crime o emprego de meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem, além de usar expressão ou sinal de propaganda alheios de modo a criar confusão entre produtos e estabelecimentos. A concorrência desleal prejudica não só o titular dos direitos violados, ou seja, outras marcas que não aquela anunciada e vendida no live commerce, mas também os consumidores, nos termos do art. 4º, inciso VI, do CDC.

Além disso, no âmbito da propriedade intelectual, as marcas registradas protegem nomes e logotipos marcários que diferenciam seus produtos ou serviços. No ambiente de vendas por transmissões ao vivo, precisa-se garantir que os influenciadores e vendedores entendam quais são os sinais distintivos de marcas que podem ou não ser usados durante as apresentações. Desta forma, os apresentadores e vendedores da live precisam estar muito atentos à linguagem e à propaganda empregadas no oferecimento e venda dos produtos.

É importante ressaltar que, em sendo o usuário da plataforma digital considerado consumidor nessa relação jurídica, todos os envolvidos ― marca, vendedores, influenciadores e marketplaces ― podem responder, a depender do grau da responsabilidade e posição dentro da cadeia contratual, objetivamente pelo dano causado, nos termos do art. 14 do CDC.


Sugestão: Cuidados jurídicos na contratação de influenciadores virtuais


Além das questões apontadas acima, deve-se investir em governança corporativa para a alavancagem e integração de vendas por transmissões ao vivo na estratégia geral de negócios. A governança corporativa promove a adesão a padrões legais e éticos em todos os aspectos das operações da empresa, incluindo as vendas por transmissões ao vivo. Isso inclui a já mencionada conformidade com as leis de proteção ao consumidor e de propriedade intelectual, padrões de publicidade, regulamentações de privacidade de dados e políticas internas das empresas. 

Assim como no contexto de comércio eletrônico, também devem ser adotadas todas as diretrizes necessárias ao tratamento e à coleta de dados pessoais durante as transmissões ao vivo, na forma da LGPD e demais leis relacionadas ao tema, como o Marco Civil da Internet.

Feito esse panorama, percebe-se que as vendas por transmissão ao vivo trouxeram inúmeras oportunidades para as empresas se envolverem com os clientes de maneiras novas e interativas. Direitos de propriedade intelectual, leis de proteção ao consumidor, regulamentos de privacidade de dados e padrões publicitários são apenas algumas das considerações legais que precisam ser estudadas. Ao adotar uma abordagem proativa para entender e cumprir esses requisitos legais, as empresas podem construir confiança, mitigar riscos e criar uma base sólida para iniciativas de exitosas e lucrativas vendas por transmissão ao vivo. Por meio de uma combinação de assessoria jurídica sólida, políticas robustas e práticas éticas, as empresas podem aproveitar o poder da modalidade, operando dentro dos limites da lei.

*Daniel Becker é sócio do BBL Advogados, Luiza Pontes de Miranda Bretz é advogada sênior de Contencioso e Arbitragem do BBL Advogados e Vinícius Casaca é advogado corporativo na VTEX.

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