Já são dois anos de implantação de um sistema que promete mudar as relações entre bancos e consumidores no país. O Open Finance, ou Sistema Financeiro Aberto, foi criado pelo Banco Central para incentivar a inovação, busca por eficiência, transparência e a chamada “promoção da cidadania financeira”. Ele permite a troca de informações entre as instituições do sistema bancário para que seja criado, segundo seus fundadores, um ambiente de negócios mais inclusivo, seguro e inovador, capaz de gerar ofertas de produtos e serviços mais adequados às necessidades dos clientes.
Funciona assim: no ecossistema do Open Finance, o cliente é dono de seus próprios dados e decide quando, com quem e para quais finalidades deseja compartilhá-los. Por aqui, o sistema vem sendo implantado aos poucos, em fases. No fim, espera-se que essa possibilidade de compartilhamento de dados vá além das informações bancárias, incluindo também produtos e serviços de investimento, seguros, entre outros.
O sistema, lançado no fim de março do ano passado, é uma extensão do Open Banking, que até então permitia o compartilhamento de dados apenas entre produtos bancários tradicionais. O Open Finance prevê que o cliente autorize o compartilhamento de seus dados de forma padronizada com diversos tipos de instituições financeiras. Até agora são 800 instituições participantes entre bancos, cooperativas de crédito e fintechs.
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O compartilhamento de dados será realizado através de APIs (Application Programming Interfaces). Essas APIs possibilitam a integração de diferentes sistemas, softwares ou aplicativos. Elas serão responsáveis por padronizar a forma de transmissão de dados, para que os sistemas utilizados pelas instituições “conversem”, evitando erros na troca de informações e garantindo um padrão de segurança a ser cumprido pelas instituições participantes.
Assim, cada instituição participante deve disponibilizar interfaces dedicadas ao compartilhamento de dados e serviços. Uma Instrução Normativa do Banco Central divulgou o manual das APIs do Open Finance, definindo os principais aspectos relativos às especificações e implementação das APIs pelas instituições participantes.
E o que isso muda na relação com os clientes? Com mais competição no mercado e com acesso aos dados dos usuários, as instituições que participam do sistema poderão fazer ofertas de produtos e serviços para clientes de seus concorrentes, com benefícios para o consumidor, que poderá obter tarifas mais baixas, juros menores e condições mais vantajosas.
A melhor experiência no uso de produtos e serviços financeiros torna possível que as instituições ofereçam soluções que facilitam às pessoas controlarem suas vidas financeiras. Quem, por exemplo, possui mais de uma conta bancária ou tem conta em um banco e empréstimo em outro, poderá ver todas as suas informações em um único local.
O sistema também beneficia, por exemplo, fintechs de crédito que estão entrando no mercado financeiro, mas possuem base de dados de clientes significativamente menor que um banco comercial tradicional. Na hora da concessão de crédito, por exemplo, elas precisam oferecer uma linha de crédito mais conservadora, porque não conhecem bem o histórico do cliente e devem mitigar o risco de crédito em linha com a Resolução CMN nº 4.557/2017. Com o Open Finance, essas fintechs podem ter acesso a mais dados de seu cliente, e, portanto, fornecer uma linha de crédito com custo reduzido.
“Para 2023, a expectativa é que o sistema financeiro aberto seja ainda mais acessível para a população, principalmente a parcela de menor renda. E isto é fundamental para a indústria de pagamentos, já que o Open Finance proporciona às empresas trabalharem como iniciadoras de pagamentos, cada vez mais elas terão informação dos clientes, o que permitirá a simplificação das análises de fraude e de crédito, permitindo às pessoas receberem melhores propostas, assim como também personalizarem as experiências conforme as preferências do cliente”, avalia Lucas Iván Gonzalez, business officer da fintech Koin, especializada em meios de pagamentos.
A primeira fase do sistema tratava informações cadastrais, como endereço, renda e dados pessoais, além de dados sobre operações de crédito e cartões de crédito. Na segunda fase, começaram a ser compartilhados os dados dos clientes entre as instituições financeiras. No ano passado, entrou em vigor a iniciação de pagamentos na terceira fase de implementação, o que permitiu ao usuário movimentar sua conta a partir de diferentes plataformas.
A quarta fase, que começou agora em 2023, permite o compartilhamento de dados sobre produtos e serviços como câmbio, previdência, investimento e seguro. Outro ponto aguardado pelo mercado e que começa a ser implantado tem relação com funcionalidades de compartilhamento que atingem diretamente o público empresarial. Há também a expectativa de mais melhorias no sistema que envolve o compartilhamento de dados e de iniciação de pagamentos.
Essa etapa permite englobar dados e informações que têm relação com integrantes que não são necessariamente instituições financeiras, como corretoras e seguradoras. Isso vai permitir, segundo os especialistas, que o ecossistema ganhe mais robustez e vire open finance de verdade.
“Como tivemos implementada, recentemente, uma onda de melhorias no compartilhamento de dados e na iniciação de pagamentos, esperamos que as instituições consigam utilizá-las para ofertar novas soluções relacionadas a esses serviços. Também temos prevista a ampliação do escopo do compartilhamento de dados, com a entrada de dados de investimento, seguro, câmbio, entre outros”, explica a nota divulgada pelo Departamento de Regulação do Sistema Financeiro (Denor) do Banco Central.
A previsão é que o projeto brasileiro seja mais amplo do que em outros países. De acordo com o levantamento do Open Banking Excellence, junto com a Universidade de Oxford, o Brasil deve ultrapassar o Reino Unido nos próximos anos. O país europeu foi o primeiro a implementar o sistema e hoje está na liderança global do Open Finance.
"Em jurisdições estrangeiras, o Open Banking/Finance enfrentou certa resistência em razão de problemas relacionados à confiança em agentes públicos e privados quanto ao tratamento de dados. No Brasil, é possível utilizarmos esses casos como exemplos, para que o caminho dos dados seja transparente para o consumidor", afirma Aylton Gonçalves, associado sênior da área de Payments, Banking, Fintech & Crypto do BBL Advogados.
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Baixa adesão dos clientes
O problema, por enquanto, é a baixa adesão dos clientes. Desde que iniciou o processo, apenas 15 milhões de usuários aderiram ao Open Finance, um universo bastante reduzido, ou apenas 8% dos mais de 188 milhões de clientes brasileiros que possuem conta bancária. Dois dos principais motivos apontados pelos especialistas têm relação com a falta de educação financeira de boa parte da população e questões técnicas durante a implementação, algo complexo para o entendimento do público ― fatores que dificultam a adesão.
"A falta de conscientização das pessoas a respeito do Open Finance seria o principal motivo pelo qual o sistema teve baixa adesão até o momento", analisa Marcus Fonseca, sócio na área de inovação financeira no TozziniFreire Advogados.
Um estudo feito pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) com pessoas que já autorizaram a adesão ao Open finance mostra que 45 produtos e serviços já são oferecidos aos clientes, entre eles a implementação de soluções que permitem melhores condições de crédito.
"O grande desafio da adesão se deve ao grande número de desbancarizados, ou de pessoas sem acesso pleno à internet no Brasil e a própria curva de aprendizado, que abrange o acesso à informação sobre o sistema pelos consumidores, além do estranhamento ou falta de confiança dos clientes que possuem o acesso”, avalia Nicole Katarivas, do Manesco Advogados.
Para a advogada, o sistema é novo e tem relação direta com dados sensíveis, pessoais, somado à dificuldade dos consumidores de enxergar efetivos benefícios e a carência de educação financeira. “É preciso engajar o consumidor, através da informação sobre o conceito, benefícios, segurança dos dados e a própria educação financeira”, diz.
A curva de aprendizado também atinge as empresas participantes, que estão adaptando as suas atividades a esse novo conceito. “Cabe às fintechs, que não estão obrigadas a participar na maioria das fases do sistema, ingressarem no open finance, e cabe às empresas participantes disponibilizar novas soluções e ofertas que efetivamente concedam vantagens aos consumidores”, explica a especialista.
Hoje, são 22 milhões de consentimentos ativos. Esse número é maior do que a quantidade de usuários porque o compartilhamento de informações pessoais pode ser feito para mais de uma funcionalidade por um período determinado pelo usuário. Com isso, um cliente pode dar mais de um consentimento.
É possível que o sistema decole no país quando o consumidor encontrar serviços mais baratos e personalizados, a partir do compartilhamento de dados. Mas isso só o tempo vai mostrar.
"O Open Finance deverá incentivar a inovação, promover a concorrência, aumentar eficiência do mercado financeiro e promover inclusão financeira, permitindo que os cidadãos administrem seus recursos financeiros de forma eficaz", avalia Marcus Fonseca.
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