Esperado como uma ferramenta no combate a estruturas empresariais que são inadimplentes por natureza, o Projeto de Lei do Senado nº 284/2017, que caracterizaria os chamados "devedores contumazes", está parado. Nesta semana, a peça completa um ano aguardando voto do relator do caso, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
O senador foi procurado pela reportagem, mas estava em agenda no interior de seu estado. Segundo membros do seu gabinete, a intenção é de que ele continue com a relatoria do caso - mesmo que, em seu perfil no Twitter, não tenha escrito nenhuma vez sobre ele.
O texto foi apresentado em agosto de 2017, pela então senadora Ana Amélia (PP-RS). A proposta de Lei Complementar facultaria aos municípios, estados e o Distrito Federal adotarem lei específica para uma série de medidas para "coibir práticas que possam interferir com o regular funcionamento do mercado".
O parágrafo único do artigo 2º pode garantir à administração pública a possibilidade de alterar o cadastro do contribuinte que persista a fazer o ato ilícito, em pelo menos três dos últimos seis períodos de apuração. O cadastro pode ser até cancelado, caso comprovado que a empresa tenha sido criada com o objetivo de fraude fiscal ou então seja comandada por pessoas que não sejam suas acionistas.
Na justificativa anexa à proposta original, Ana Amélia explicou que a medida busca justamente agir contra tais devedores contumazes. "O que realmente pode impedir a proliferação dessas práticas ilícitas são as medidas administrativas tomadas, tão logo elas surjam, de sorte a possibilitar a suspensão ou cancelamento da respectiva inscrição fiscal", anotou a então senadora, hoje secretária de estado no Rio Grande do Sul.
O objetivo da norma é retirar da União o monopólio destas medidas - uma vez que apenas o artigo 146-A da Constituição Federal regulamenta o assunto. "Esse quadro de anomia é preocupante, pois impostos como o ICMS e o ISS são incluídos diretamente no preço de mercadorias e serviços, de modo que a sua eventual redução por parte de um competidor pode ter efeitos concorrenciais perversos e desorganizar o mercado", concluiu o texto.
Em novembro de 2018, o texto foi analisado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, e foi aprovado com alterações promovidas pelo então senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES). Ferraço ampliou o texto, para dar aos entes municipais e estaduais mais poder não apenas contra devedores contumazes, mas também a devedores eventuais e reiterados. "Este [o devedor contumaz] deve ser impedido de atuar. O direito a ele não socorre, salvo as garantias processuais previstas constitucionalmente relacionadas ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório", colocou em seu voto.
Como o projeto recebeu uma emenda para que seja analisado junto com outras três peças que tratam do mesmo assunto, a discussão está agora na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) do Senado. Desde março de 2019, a relatoria cabe ao senador Rodrigo Pacheco.
O projeto contra devedores contumazes tem o potencial de trazer competitividade a setores altamente tributados, como o de combustíveis e o de cigarros. A análise é do sócio do LUC Advogados, Luciano Godoy, que atua em prol de entidades do setor.
"A execução fiscal olha a empresa pelo consumidor, pelo que aconteceu há dois ou três anos. Quando esta cobrança chega, estas empresas organizadas como devedores contumazes não tem mais bens ou patrimônios, e mudaram de lugar", comentou o advogado. "Fica-se de olho em dívidas que já passaram, quando na verdade se precisa olhar ao momento atual, que é quando a inadimplência está ocorrendo".
O advogado lembra que estas medidas não devem ser analisadas de maneira separada de outros temas: "Teremos que debater. Além da questão do devedor contumaz, há que se debater a simplificação do sistema tributário, assim como o marco legal da execução fiscal em algum momento", afirmou Godoy.
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