As cortes superiores brasileiras chegam a 2022 com uma pauta cheia de decisões cruciais para o setor de saúde. Tanto o Superior Tribunal de Justiça (STF) quanto o Supremo Tribunal Federal (STF) tem, ao menos na pauta do primeiro semestre, a possibilidade de regular o funcionamento de operadores privados de saúde no Brasil, assim como temas relevantes para a saúde pública.
No STJ, a Segunda Seção - responsável pela formação de teses no Direito Privado - já encaminha para fixar a tese sobre a validade de cláusula contratual de plano de saúde coletivo que prevê reajuste por faixa etária, assim como a quem cabe o ônus da prova da base atuarial do reajuste. O caso estava na pauta desta quarta-feira (9), mas acabou não sendo julgado.
Também se espera que os dez ministros da corte cheguem a uma conclusão sobre o funcionamento do rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). No que é considerado o caso mais importante a ser discutido em saúde na corte, os magistrados deverão definir se a lista de procedimentos da agência reguladora é taxativa, devendo ser cumprida como está, ou exemplificativa, permitindo que as operadoras não permitam alguns procedimentos básicos. No momento, o caso segue sem inclusão de pauta em 2022.
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Há também a expectativa de que, no começo do ano, a corte comece a dar andamento a habeas corpus que foram apresentados no recesso forense, relativos ao chamado “passaporte vacinal”, que é a cobrança de comprovante de vacinação para permitir o acesso a locais públicos e privados. O julgamento, no entanto, não deve suscitar a formação de uma tese em primeiro momento pela corte.
No STF, um dos processos de destaque está pautado, até este momento, para a sessão de 23 de março. Em outra ação de interesse de planos de saúde, a corte deve discutir em um RE (Recurso Extraordinário) se aplica-se o Estatuto do Idoso a um contrato de plano de saúde firmado anteriormente à sua vigência. O RE é o leading case do tema 381 da Repercussão Geral da corte. A relatoria do caso é de Rosa Weber.
Já em seis de abril, a corte deve tratar da saúde pública em uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) movida pelo PT (Partido dos Trabalhadores). Os ministros irão definir se supostos atos comissivos e omissivos do Ministério da Saúde no que diz respeito à atenção primária de pessoas transexuais e travestis violam os preceitos fundamentais do direito à saúde, da dignidade da pessoa humana e da igualdade. O caso está sob responsabilidade de Gilmar Mendes.
Em 1º de junho, os ministros vão definir, em uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), se a Emenda Constitucional 86/2015, que determina um piso de gastos com a saúde, com base em royalties da exploração de gás e petróleo nos estados. O texto já teve sua eficácia anulada pela Emenda Constitucional 95, do “teto de gastos”, mas os ministros ainda discutem se o ato normativo impugnado ofende os direitos à vida e à saúde, os princípios da vedação de retrocesso social e da proporcionalidade.
Até o momento, três ministros consideraram a emenda inconstitucional (Ricardo Lewandowski, o relator; Edson Fachin; e Marco Aurélio Mello hoje aposentado), e outros dois consideram improcedente o pedido (Gilmar Mendes e Luiz Fux). O caso deve retornar com voto-vista do ministro Dias Toffoli.
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A sócia da prática Life Sciences e Saúde do Mattos Filho, Ana Cândida Sammarco, defende que há certo exagero na judicialização do tema, o que leva a um aumento da demanda de partes no próprio Judiciário. “Há muitos temas em que o Judiciário entra em uma seara que, de certa forma, é do regulador”, argumenta a advogada. “O caso do reajuste por faixa etária em planos coletivos do STJ é um desses casos: há uma regulamentação específica da ANS, com uma série de regramentos, com tabelas de acordo com o Estatuto do Idoso, com critérios que podem ser estabelecidos. E são planos coletivos, onde não há a tão alegada hipossuficiência do contratante.”
Ana Cândida lembra que essa judicialização acaba por causar efeitos diversos, como o aumento do preço final do produto. “As operadoras levam em conta todas essas judicialização quando da distribuição do valor”, pondera. O tema é quente não apenas na Justiça, como no Congresso - onde medidas provisórias tratam do rol da ANS, assim como novas discussões sobre a lei de 1998 que regulamenta os planos de saúde.
Melissa Kanda, especialista em Direito Médico e à saúde do escritório Farah Kanda Advocacia, aponta que outro tema que deve ser fixado pelo STJ e algum momento de 2022 é o 1069, que deve definir sobre a obrigatoriedade de custeio pelo plano de saúde de cirurgias plásticas reparadoras em paciente pós-cirurgia bariátrica.
A advogada reconhece que decisões pró-paciente geram insegurança jurídica e financeira aos contratos da área, mas não entende que a atual situação de processos na área de saúde indique um desarranjo, seja do poder Judiciário, seja do próprio setor.
“O fator mais determinante da judicialização na área da saúde se deve ao fato de que estamos lidando com os direitos constitucionais à vida e à saúde”, diz. “Em qualquer processo que se questione se um plano de saúde, ou o SUS, forneça determinado tratamento, o que está em jogo, no final, é a vida do paciente. A relevância deste direito acaba por se sobrepor a questões contratuais e protocolos de políticas públicas de saúde, o que só é reconhecido no âmbito do poder judiciário, o que justifica tantas demandas.”
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