A Segunda Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) começa, nesta quarta-feira (25), o julgamento de uma tese que pode impactar a maneira como operam os planos de saúde no Brasil: a Corte irá decidir se o rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) tem caráter meramente exemplificativo ou possuem caráter taxativo, o que não abriria espaço para novos procedimentos.
Na prática, o caso de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão trata de como os planos de saúde privados e seus clientes podem interpretar o que o plano deve ou não deve cobrir. Uma consulta com uma ginecologista, por exemplo, por estar incluída no rol de serviços, pode ser cobrada pelo plano de saúde. Mas e quando a ginecologista pede um exame específico e importante para determinado caso, caro demais? É obrigação do plano fazer a cobertura desse tipo de exame?
A decisão mexe em um tema sensível ao setor, e pode acabar por aumentar os preços dos planos em todo o país. “A importância da taxatividade está ligada à segurança, eficácia, custo e efetividade para se chegar a um preço ao consumidor final”, diz Nathália Pompeu, superintendente jurídica da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde). “Para se chegar ao valor do preço do plano de saúde, o cerne desta discussão é saber o que está e não está incluso.”
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O caso na pauta do tribunal é o EREsp (Embargos em Recurso Especial) 1.886.929, movido por uma cooperativa de médicos de Campinas. O Caso envolve um paciente que sofre de esquizofrenia paranoide, que possui quadro depressivo severo.
Após um laudo psiquiátrico, a cooperativa negou o tratamento de estimulação magnética transcraniana pedida pelo psiquiatra responsável pelo caso. O paciente quer que seu plano custeie o tratamento, bem como pede uma indenização de R$15 mil.
Desde a primeira instância, a Justiça tem garantido o direito ao paciente de ser tratado pelo plano, independente do quanto isso custe. “A recusa afigura-se abusiva, mormente ao se constatar que o exame em comento é indispensável ao tratamento adequado da requerente, que sofre de quadro depressivo severo, cujos tratamentos medicamentosos tradicionais não surtiram efeito”, anotou o juiz Guilherme Fernandes Cruz Humberto. “Trata-se, destarte, de tratamento que deve ser amparado pela requerida, não cabendo à ré julgar sua adequação, ou não, ao caso concreto da forma lacônica realizada.”
Na segunda instância, a empresa alegou que até poderia pagar o tratamento, mas em coparticipação, com parte dos custos pagos pelo paciente. Agora, no STJ, o argumento passou a ser de que o rol da ANS, que delimita a atuação dos planos de saúde no Brasil, é taxativo e não permite outros procedimentos além daqueles ali presentes. Como a estimulação magnética transcraniana não consta nesta lista, não seria obrigação do plano de saúde pagar por ele.
No STJ, a empresa continuou perdendo. Em março deste ano, a terceira turma acompanhou o entendimento do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva e foi unânime ao negar o provimento da empresa, considerando o rol “exemplificativo” ”Compete ao profissional habilitado indicar a opção adequada para o tratamento da doença que acomete seu paciente, não incumbindo à seguradora discutir o tratamento, mas, sim, custear as despesas de acordo com a melhor técnica”, escreveu o ministro em seu voto.
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Agora, na Segunda Seção, a decisão da terceira turma será confrontada com uma decisão da quarta turma, que julga as mesmas questões - mas que, neste caso, entendeu o contrário dos seus pares da terceira turma. O julgamento não vincula outros julgamentos no Judiciário, mas deve indicar como o STJ julgará o tema no futuro, já que há outros processos com a mesma discussão. Um deles, de relatoria de Marco Aurélio Bellizze, também está na segunda seção.
“Então temos uma briga, uma dissidência, entre duas turmas da Corte. Essa é uma questão complexa porque sempre depende de qual turma o processo cai, para termos um ou outro entendimento. Atualmente, não temos uma compreensão única”, diz Luciana Munhoz, sócia do Maia e Munhoz Consultoria e Advocacia. “E, se tivermos uma compreensão única, seja por um caminho ou por outro, faz muita diferença.”
Para a advogada, se o entendimento da Corte for pelo caminho único de que esse rol é taxativo, “os segurados nem buscando a Justiça vão ter possibilidade de outros tipos de tratamento senão aqueles que estão descritos no rol de procedimentos e eventos em saúde ou então outros tratamentos que o seguro de saúde pode oferecer.”
Para Nathália, da Abramge, uma decisão pelo rol exemplificativo seria um desastre ao sistema de saúde suplementar. “Seríamos um dos poucos do mundo que passaríamos a ter uma cobertura ilimitada, cobrindo todo e qualquer procedimento, sem previsibilidade alguma. Não teríamos uma segurança no que estaríamos oferecendo, e isso iria refletir no preço final ao consumidor.”
Nathália aponta que a decisão pode ser apertada: os cinco ministros da terceira turma votaram pelo caráter exemplificativo, e os cinco da quarta turma foram unânimes na direção contrária. Apesar disso, a ministra Isabel Gallotti, que preside a segunda seção, pode não votar. Ela integra a quarta turma.
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