A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu por 3 votos a 0 que não existe vínculo de emprego entre motoristas e o aplicativo de transporte Uber. O argumento central defendido pelos ministros considerou que a característica essencial de uma relação trabalhista é a subordinação.
O Tribunal julgou no dia 5 de fevereiro o processo trabalhista de um motorista que trabalhou por quase um ano com o aplicativo, entre julho de 2015 e junho de 2016. O motorista exigia o registro do contrato na carteira de trabalho, e o recebimento dos encargos trabalhistas da relação de emprego.
Para os ministros da Quinta Turma, a relação entre as partes tem característica de uma parceria: os motoristas ficam com 70% a 80% do lucro de cada corrida, e têm autonomia para determinar sua rotina, horário de trabalho e locais onde deseja trabalhar.
Casos semelhantes já tramitam, há alguns anos, na primeira instância e nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs). A decisão do TST cria um precedente para toda a Justiça Trabalhista.
A ação começou na Vara do Trabalho e foi julgada improcedente. Houve um recurso para o TRT e ela foi julgada procedente. O que mudou de uma decisão para outra? Na Vara do Trabalho foram examinados os requisitos da relação de emprego. No TRT, o acórdão julgou o modelo de negócio, voltado à forma do trabalho, com uma suposta precarização da relação trabalhista. No TST, os ministros entenderam que não era uma relação de emprego e sim uma nova forma de relação social dentro da sociedade.
O escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados representou a Uber Technologies Inc. no caso.
Para Sólon Cunha, sócio da área Trabalhista do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr, a decisão do TST é uma forma de o Judiciário admitir novas formas de contratação e relação social, o que ele considera um precedente importante. "É novo pro mundo inteiro. Nós estamos vivendo no meio de uma nova forma de trato social", analisa.
Para ele, o motorista de aplicativo exerce uma nova relação dentro da economia compartilhada. "Eu acho que a decisão é um marco para o futuro, o país deu um passo gigante, porque sinalizou bem para os novos investimentos que estamos tendo em startup companies, em aplicativos e empresas por aplicativos. Precisamos gerar trabalho. É um precedente importante não só pelo número de motoristas envolvidos como também pelo tamanho desse negócio", afirma.
A equipe de Lex Latin ouviu especialistas em Direito Trabalhista para comentar a decisão. Para Elton Batalha, professor de Direito Trabalhista da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a decisão é compatível com a realidade atual da economia. “Existem novos meios de prestação de serviços na economia moderna e o uso de novas tecnologias”, afirma.
Apesar da decisão contrária aos motoristas, ele acredita que o resultado do julgamento é favorável a quem busca os aplicativos para ter renda. “Uma decisão em favor dos trabalhadores traria o fechamento dessas empresas, porque elas não teriam condição de funcionar com os encargos trabalhistas, o que tiraria uma fonte de ganho de quem usa esses aplicativos”, diz.
O professor de Direito do Trabalho das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), Ricardo Calcini, comenta que a discussão sobre o vínculo de trabalho em empregos deste tipo está em um momento de menor ebulição. "Hoje, a situação está um pouco em baixa, principalmente depois de ter sido veiculada pela mídia de que os TRTs não estavam reconhecendo um vínculo de uma maneira majoritária, e isso inibiu muita gente de entrar com ações", comentou. "Não quer dizer que as ações que estavam em curso tiveram desfechos iguais", advertiu.
Para os especialistas ouvidos, outra questão importante é a possibilidade de o trabalhador ficar "off-line", o que impede que eles se enquadrem no conceito legal vigente de empregados.
Além dos serviços de carona, a discussão também se estende a outras empresas que usam aplicativos para prestar serviços, como fornecedores de serviços de limpeza de casas e entrega de comida e objetos, por exemplo. Várias ações estão tramitando na justiça
No início de dezembro de 2019, a juíza do trabalho Lavia Lacerda Menendez, do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) determinou que a Loggi, empresa de entrega de mercadorias por meio de motociclistas, registrasse todos os condutores profissionais cadastrados em seu sistema que tiveram efetiva atividade nos dois meses anteriores à decisão. A medida poderia afetar, segundo o acórdão do caso, mais de 15 mil profissionais de entrega. A decisão acabou suspensa no final de dezembro, por outro juiz do TRT-2.
Já no caso onde a iFood, do setor de entrega de comida, foi denunciada, o resultado foi diferente: o Ministério Público do Trabalho entendeu que a empresa contrataria empregados disfarçados na figura de trabalhadores autônomos, diretamente ou por intermédio de empresas denominadas operadores logísticos, com o intuito de sonegar o vínculo de emprego e os direitos decorrentes.
Na decisão do caso, dada no final de janeiro, a juíza Shirley Aparecida de Souza Lobo Escobar julgou a questão de maneira distinta à de Lavia. "O modelo analisado pode ofertar trabalho e renda, não se confundindo em nenhuma medida com emprego e renda", disse. O argumento da magistrada para assim decidir foi que, por mais atrativos que o vínculo empregatício ofereça - como férias e descanso remunerado - este vínculo incute uma série de obrigações que não seriam vistas neste aplicativo de entrega.
Sobre a ação envolvendo a Loggi, o professor de Direito do Trabalho Ricardo Calcini se mostrou contra o modelo escolhido para a discussão - uma ação coletiva, representando mais de 400 pessoas. Ele acredita que não seria o melhor modo - uma vez que não permitiria avaliar questões casuísticas de cada funcionário. "Muito embora houve o reconhecimento do vínculo de emprego, apesar de já ter sido sustado pelo próprio tribunal".
Calcini aposta em uma proposta legislativa para regulamentar estes trabalhos conhecidos como "gig economy". Há, inclusive, um projeto de lei de 2019 que busca tratar da questão. "Na medida que isso [regulamentação pelo Congresso Nacional] ocorra na prática, a discussão judiciária sobre o vínculo trabalhista deixa de fazer sentido", argumentou o professor.
A Uber Technologies Inc. foi fundada em junho de 2010, na cidade de São Francisco, e hoje está em mais de 700 cidades em 63 países. No Brasil, a Uber tem 1600 empregados e um número não divulgado de motoristas de aplicativos.
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