Larissa Arruy: O papel do advogado in-house nas fintechs

"O jurídico interno tem um papel muito estratégico, porque ele consegue fazer a ponte entre o negócio e a estratégia jurídica, de uma forma que o escritório não necessariamente consegue"/Reprodução
"O jurídico interno tem um papel muito estratégico, porque ele consegue fazer a ponte entre o negócio e a estratégia jurídica, de uma forma que o escritório não necessariamente consegue"/Reprodução
"O jurídico interno tem papel central, porque consegue fazer a ponte entre o negócio e a estratégia jurídica".
Fecha de publicación: 16/05/2022

Qual o propósito de um advogado in-house numa fintech? Larissa Arruy, vice-presidente de um dos mais novos unicórnios brasileiros, a Neon, sabe bem a importância de ter uma assessoria jurídica por perto para enfrentar os principais desafios em uma empresa disruptiva.

A profissional, que concentra sua prática em assuntos relacionados a bancos, pagamentos, métodos, mercado de capitais e tecnologia, com ênfase na regulamentação emitidos pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), encarou o desafio de sair de um dos maiores escritórios brasileiros, o Mattos Filho, para uma enfrentar as incertezas (e os desafios) de estar numa companhia disruptiva. A fintech é uma instituição financeira online criada em 2016 e não tem agências físicas: os serviços são oferecidos online.


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Ela trouxe para a companhia sua expertise de assessorar instituições financeiras e de pagamento e infraestrutura de mercado. Em entrevista a LexLatin durante um evento da International Bar Association (IBA) em São Paulo, a advogada conta como foi a mudança de foco na carreira, como as fintechs estão ajudando a abrir o mercado bancário brasileiro e dos desafios que as mulheres advogadas ainda enfrentam no dia a dia e em cargos de liderança. Acompanhe.

Luciano Teixeira: Qual é a importância de um advogado in-house em uma fintech?

Larissa Arruy: O papel do advogado in-house foi, por muito tempo, subestimado nas fintechs. Creio que isso não é verdade, mas não foi a primeira prioridade dessas empresas. Quando as fintechs começam, você tem que escolher como se aloca recursos. E não necessariamente você consegue colocar em todas as frentes que você gostaria. Então, é muito comum trabalhar com um escritório externo e buscar o advice jurídico de qualidade nesse escritório externo.

Só que o jurídico interno tem um papel central, porque ele consegue fazer a ponte entre o negócio e a estratégia jurídica, de uma forma que o escritório não necessariamente consegue. O jurídico interno tem a capacidade de entender o negócio de uma forma mais profunda, entender a estratégia, o roadmap de produtos, limitações e principais capacidades operacionais, algo que o escritório não tem obrigação de ter.

O escritório tem a capacidade de olhar para as questões jurídicas de uma maneira muito profunda, especializada, multidisciplinar em grande parte das vezes e, a partir disso, apresentar um diagnóstico, uma solução, uma operação, te assessorar de uma forma muito completa sobre o prisma jurídico.

Mas o in-house consegue ir além disso, que é fazer a conexão com as demais áreas da fintech. É pegar esse advice ou pegar o conhecimento jurídico e conectá-lo com o risco operacional do negócio, com a estratégia de negócio, com as priorizações de produto. Então, você ter um bom advogado in-house acaba virando uma estratégia muito importante sob a perspectiva de negócio.

Acredito que os unicórnios entendem isso: a área jurídica como parte do negócio, como um facilitador para o crescimento de maneira sustentável.

Como foi sair de um grande escritório para uma fintech, se aventurar nesse novo mundo?

Não diria que foi um choque, vem sendo um grande aprendizado. Eu tinha um conhecimento jurídico que era muito vertical. Conhecia muito de regulamentação bancária e de meios de pagamento, de forma bem profunda. Hoje começo meu dia discutindo um novo produto e como a regulamentação do Banco Central conversa com isso. Depois passo para uma discussão de estratégia de negociação com o sindicato e aí eu vou ter uma conversa sobre uma estratégia de riscos operacionais e qual a prioridade do ponto de vista de segurança cibernética. É um olhar muito mais horizontal.

Vi um sorriso aí enquanto você fala. Parece que está gostando muito dessa nova vida, é verdade?

Estou feliz. Eu acho que minha formação como advogada está sendo complementada por essa experiência. É uma complementariedade de perspectiva, sabe? Acho que tem aquela perspectiva muito vertical e eu falo que meu desafio é não perder isso, a capacidade de fazer análises aprofundadas, de não me tornar uma advogada rasa, mas ao mesmo tempo conseguir olhar para os assuntos de forma mais ampla e ser capaz de tomar a decisão. Acho que isso é fundamental para o advogado in-house.


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Em sua apresentação você defendeu o ambiente regulatório brasileiro que está mudando muito. O Banco Central parece que está muito atento ao ambiente das fintechs. Como você vê o ambiente regulatório no Brasil e em outros países da América Latina? E o que nos diferencia de outros países?

A América Latina tem uma abordagem favorável às fintechs. O México tem uma lei para as fintechs já faz muitos anos, que também teve esse escopo de criar segurança jurídica para o nascimento e para o crescimento dessas empresas. Na Argentina também tem sido muito favorável.

Mas o Brasil é tradicionalmente o precursor da inovação na América Latina. Nosso sistema financeiro, até por conta da alta inflação e uma série de outras demandas que vivemos no passado, é muito robusto. Nosso Banco Central, ouso dizer, é atento, um lançador de tendências, não só na região, mas está muito próximo do que é feito de importante do ponto de vista de regulamentação no mundo.

Então, tínhamos uma base mais robusta, quando isso não era realidade para o mundo inteiro. O resultado: sofremos menos com a crise de 2008. Agora com o open banking, o Banco Central está, inclusive, muito à frente de vários outros países. Já estamos falando em open finance aqui oficialmente.

A implantação do PIX é algo que impressiona, por exemplo, os estadunidenses.

Nos Estados Unidos tem uma tremenda dificuldade, porque a legislação bancária é no nível estadual em sua maioria. Você leva uma semana para compensar um cheque nos Estados Unidos. No Brasil, hoje em dia, depositamos o cheque no celular, isso para quem ainda usa. Então, acho que temos um sistema muito robusto e isso puxa a América Latina como um todo, não só pelas capacidades do nosso regulador, mas também pelo tamanho do nosso mercado.

Onde é que podemos chegar com as fintechs?

Elas já foram responsáveis por uma mudança muito substancial, que é colocar o cliente no centro de toda a relação da prestação de serviço bancário. E isso talvez tenha sido a maior transformação que vimos no mercado financeiro nos últimos anos. Porque a hora que você passa a pensar a partir da perspectiva do cliente, você cria um produto melhor, uma experiência melhor, você está mais preocupado com cidadania financeira, com inclusão.

Talvez essa tenha sido uma das principais transformações que as fintechs trouxeram. Mas acho que ainda vamos ver muitas mudanças, à medida em que avançamos com o uso de inteligência artificial e data analytics. Tem muita coisa que vai surgir daí. Não sou eu que vou conseguir te dizer exatamente o que e como, mas acho que isso tem muito espaço para crescer ainda.

Qual a importância de discutir questões de diversidade, do ponto de vista do seu lugar de fala - como mulher e advogada que ocupa um cargo de liderança? As fintechs estão mais abertas a essa discussão?

As fintechs são muito abertas a essa discussão. Mas isso não quer dizer necessariamente que não vivenciamos um reflexo de como o mercado opera. O que eu quero dizer com isso? Quando você olha, por exemplo, diferenças salariais entre homens e mulheres. É muito natural que na hora de fazer uma contratação, estou olhando dois candidatos e perceber que eles vêm do mercado com patamares salariais diferentes.

E aí, se eu não estou muito atenta para isso, na hora de fazer a contratação internamente, se não estiver disposta a estabelecer uma política para acertar isso, vou continuar replicando essas mesmas tendências.

Acho que abertas as fintechs estão, mas temos que ir além disso. E não só as fintechs, o mercado, de maneira geral. Temos que começar a criar awareness e políticas afirmativas. Posso falar: quero contratar mulheres. Só que se eu não prestar atenção para como eu estou remunerando essas mulheres vou repetir as disparidades que existem hoje no mercado, porque elas são dadas.

O mercado paga homens melhor do que paga mulheres. É um fato. Então, acho que ainda temos muito que trabalhar - fintechs, bancos tradicionais, escritórios - em cima de ações afirmativas para ter realmente um ambiente que seja diverso, inclusivo equitativo.

Onde a Neon quer chegar hoje no mercado brasileiro?

Tivemos uma rodada recente agora no início do ano que foi integralmente subscrita pelo BBVA. Ficamos super felizes com a entrada deles. É um parceiro muito estratégico. O Neon tem bastante diferenciação, ele é o banco do brasileiro trabalhador. A nossa proposta é muito clara. O nosso público alvo é a classe C, D e E. É o profissional autônomo. É um público que historicamente tem pouco acesso ao serviço financeiro, quando tem um serviço de baixa qualidade a um alto custo.


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Pra nós, a inclusão financeira é parte da essência. É o nosso propósito na veia. Queremos diminuir a desigualdade. E estamos muito confiantes no momento, porque somos uma teoria que vem se provando bem sucedida. Esse é um ano de lançamento de novos produtos, continuar crescendo a base de clientes e aumentar a monetização dessa base.

O nosso grande desafio é conseguir fazer tudo isso e, ao mesmo tempo, manter o menor custo de serviço do mercado. Eu não quero penalizar o meu cliente com taxas altas, com custos não razoáveis. Então, quero continuar prestando um serviço de qualidade, com toda a base de produtos que ele precisa, mas cobrando um valor justo.

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