A vantagem regulatória do Brasil na exploração do lítio

No Brasil, o lítio é encontrado em rochas chamadas pegmatitos./Sigma Lithium - website
No Brasil, o lítio é encontrado em rochas chamadas pegmatitos./Sigma Lithium - website
Em comparação com outros países da América Latina, exceto no caso da Argentina, o gigante do Sul abre as portas para o investimento privado neste negócio, restrito ao Estado até 2022.
Fecha de publicación: 18/07/2023

A transição energética aumentou a demanda por lítio nos últimos anos. Boa parte dos recursos desse mineral estão concentrados na América Latina. Só o chamado triângulo do lítio, formado por Argentina, Bolívia e Chile, tem recursos de quase 50 milhões de toneladas, equivalentes a 55,9% dos mundiais. México, Brasil e Peru também aparecem nas estatísticas, embora com muito menos recursos.

O Brasil, em especial, destaca-se entre os 10 países com maior produção de lítio no mundo, segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos. Além disso, destaca-se entre os que possuem mais recursos e reservas desse mineral, embora superado de longe por Chile, Argentina e Bolívia.

 

Brasil: Monopólio estatal relaxado

 

Tanto para o Brasil quanto para a Bolívia, México, Chile e Peru, o lítio também é um mineral estratégico, além de elemento de interesse para a energia nuclear, como foi tratado inicialmente pelo Chile, e até recentemente estava restrito ao monopólio estatal, especificamente da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN, que por muito tempo teve poderes muito amplos nas atividades de industrialização, importação e exportação do mineral e seus derivados, razão pela qual sempre interveio no mercado de exploração desse minério.

 

Mas, de acordo com Liliam Fernanda Yoshikawa, sócia de infraestrutura e mineração do Machado Meyer Advogados, essa realidade mudou após a publicação de normativos como a Lei nº 14.514/2022, que relaxou o monopólio estatal da pesquisa, extração, enriquecimento e reprocessamento, industrialização e comercialização de minerais nucleares. O Decreto 11.120/2022 sobre o comércio exterior de minerais e minérios de lítio, produtos químicos orgânicos e inorgânicos, incluindo suas composições, à base de lítio, lítio metálico e ligas de lítio e seus derivados mais flexíveis também mudou o cenário.


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No Brasil, segundo o artigo 20, IX, da Constituição Federal, os recursos minerais, inclusive os do subsolo, são patrimônio da União Federal. A Carta Magna garante aos estados, municípios e ao Distrito Federal uma participação nos resultados da exploração de minérios em seus territórios e, como contrapartida pela sua exploração, o lítio pode ser conceitualmente sujeito à incidência da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), mais conhecida como imposto da mineração.

 

Daniel Peixoto, sócio da área tributária do escritório, explica que a Lei nº 14.514/2022 alterou os percentuais de CFEM de cada um dos entes federados, inclusive os que não produzem o mineral, mas são afetados pela atividade mineradora, como os que são atravessados ​​por ferrovias ou dutos de transporte mineral ou onde existem barragens de rejeitos e instalações de processamento de substâncias minerais.

"Em nossa percepção, há uma tendência de descentralização dos recursos captados em decorrência dessas atividades econômicas, atentando para as regiões diretamente afetadas pela cadeia produtiva desses elementos minerais", diz o especialista.

Acresce a estes regulamentos a recente Resolução nº 122/2022, que atualizou as regras para infrações relacionadas à exploração de recursos minerais, que incluem sanções que vão desde multa até a extinção do direito minerário quando for constatado que a prática de atividades de extração, beneficiamento ou armazenamento de minério, inclusive lítio, ou a disposição de rejeitos em condições que resultem em sérios danos à população ou ao meio ambiente.

 

Investidores na exploração mineral

 

Segundo Yoshikawa, hoje é possível que empresas privadas participem, por exemplo, de um regime de concessão na exploração de lítio, que até recentemente era limitado a duas empresas: Companhia Brasileira de Litio (CBL) e AMG Brasil.

 

Ela destaca que, dada a crescente demanda mundial por minerais essenciais para a transição energética e as recentes mudanças regulatórias que visam fomentar a atividade mineradora, já existem diversas empresas com projetos de mineração em andamento, inclusive na mesma região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, onde atua a CBL, pioneira nessa atividade no Brasil, e onde se encontra a maior parte dos pegmatitos graníticos com o mineral.

 

Uma das empresas de maior destaque na exploração de lítio em Jequitinhonha é a canadense Sigma Lithium, cujos investimentos somam 250,8 milhões de dólares (1,2 bilhão de reais em 28 de junho), além de ter se associado ao conglomerado japonês Mitsui para a produção de hidróxido de lítio com o objetivo de exportar para mercados como Coréia do Sul, Canadá, Estados Unidos e Japão, cujos fabricantes de baterias competem com os da China, que domina o setor.


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O caso do México

 

O país avança nas normas regulatórias para dar suporte a esse setor. No entanto, ao considerar o lítio como um recurso estratégico, a participação privada encontra limitações. Paola Hernández, conselheira do González Calvillo, aponta que o México não regulou adequadamente a possibilidade de empresas não estatais entrarem na exploração do mineral.

 

Para Gonzalo Vargas, do mesmo escritório, é necessário que o marco legal que regula o lítio dê segurança jurídica aos investimentos em mineração existentes, além de respeitar os tratados internacionais de investimento e revisar, por exemplo, o Capítulo 14 e seus Anexos aos Tratados de Acordos entre México, Estados Unidos e Canadá (TMEC), bem como os Acordos para a Promoção e Proteção Recíproca de seus Investimentos (APPRIS), que o México tem em termos de investimento com os Estados Unidos e Canadá e outros, a fim de não violar a cláusula do 'Acordo Nacional' e 'Nação Mais Favorecida', constante nesses documentos, caso o governo federal continue com a linha de privilegiar os países do Norte em acordos de investimento.

 

Bolívia e legislação atual

 

Daniel Arredondo Zelada, sócio do escritório boliviano Moreno Baldivieso, destaca que, pela regulamentação atual, não é possível a um investidor privado obter direitos de exploração de lítio, mas não nas fases posteriores (semi-industrialização, industrialização e processamento de resíduos), quando há espaço para contratos de associação com empresas privadas, nacionais ou estrangeiras, sendo que o Estado teria participação majoritária.

 

Ele acredita que uma maior abertura ao investimento estrangeiro aumentaria as oportunidades de se beneficiar de tecnologia de ponta e garantiria mercados externos para a colocação dos derivados de lítio produzidos pelo país, que, mesmo tendo os maiores recursos desse mineral, não aparece no grupo de países que mais o produz. Assim, recomenda a realização de ajustes regulatórios que introduzam incentivos fiscais e comerciais específicos, contratos de investimento ou outros similares.


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Chile: barreira à entrada de novas empresas

 

Para Daniel Weinstein, sócio da Urzúa Abogados e especialista na área de mineração, isso ocorre em um momento em que o lítio é a commodity mais procurada pelos investidores e demonstra a barreira que existe no país para a entrada de novas empresas. No entanto, ele considera que a Estratégia Nacional do Lítio, que por enquanto não contempla mudanças no corpo jurídico, é um avanço, um caminho claro para empresas privadas entrarem no negócio sem medo de serem nacionalizadas.

 

No Chile, vigora um decreto-lei de 1979 e, embora a exploração do mineral esteja reservada ao Estado, com duas exceções, as duas empresas produtoras de lítio não estão incluídas nestas. Ainda está pendente a criação da empresa nacional de lítio, cuja aprovação depende do Congresso, enquanto a Corporação Nacional do Cobre (Codelco) e a Empresa Nacional de Mineração (Enami) se encarregam da exploração mineral por meio de subsidiárias.

 

Vantagem da Argentina

 

Ao contrário do que ocorre em outros países latino-americanos, como Bolívia e Chile, na Argentina o lítio não é considerado estratégico. O negócio é regido pelo Código de Mineração, ditaoa pelo Congresso Nacional e aplicado pelas províncias da terceira maior nação do mundo com maiores reservas certificadas, depois do Chile e da Austrália.

 

Na opinião de Juan Sonoda, diretor da área jurídica e sócio líder dos departamentos de contencioso, energia e recursos naturais da Beretta Godoy, a regulamentação representa uma "enorme vantagem" para o país e se reflete no desenvolvimento que a mineração de lítio teve com três projetos atualmente em produção e outras três ou quatro que entrarão nessa fase em 2024, a maioria delas comandadas por empresas estrangeiras.

 

Embora pense que sempre há melhorias a serem feitas em questões regulatórias, esse não é o principal desafio do país que ele aponta em relação a esse setor, mas sim a situação macroeconômica e as restrições dela decorrentes como, por exemplo, os controles cambiais.


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Peru dá os primeiros passos

 

Nesse país, a indústria de mineração de lítio está sujeita às normas vigentes aplicáveis ​​à indústria de mineração em geral. De acordo com Ángel Chávez, conselheiro especializado em direito minerário da Payet, Rey, Cauvi, Pérez Advogados, o país não desenvolveu um marco regulatório para a exploração e/ou comercialização do mineral, que se encontra nas rochas, como no Brasil, principalmente no sul do país, segundo resultados das primeiras explorações realizadas por uma empresa estrangeira.

 

Em 2021, o Congresso da República aprovou a primeira lei, Lei 31283, que menciona expressamente o lítio. No entanto, para o advogado, é uma norma declarativa, pois não regula nenhum tipo de procedimento especial ou diferente dos existentes para obter concessões, avaliar o meio ambiente, explorá-lo ou comercializá-lo.

 

A referida lei declarou de necessidade pública, interesse nacional e recurso estratégico a exploração e industrialização desse mineral e seus derivados. Ele também destacou que a comercialização do lítio e seus derivados constituem recursos estratégicos para o desenvolvimento do país e do desenvolvimento da indústria de bateria.

 

O país, que é o segundo maior produtor de cobre do mundo, atrás do Chile, tem pendente um projeto de lei para incluir na declaração de interesse nacional a construção de uma Planta Nacional de Lítio e a regulamentação da Lei N° 31283.

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